quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Ao Mestre, Com Carinho - Martin Scorsese, O Bom Companheiro


A famosa revista americana de moda Harper’s Bazaar resolveu brindar seus leitores com um editorial diferente, intitulado “The Age of Scorsese”. A proposta: recriar em fotos cenas de filmes do diretor Martin Scorsese, só que com atores da nova geração. Tal brincadeira já foi feita anteriormente com a obra dos gênios Alfred Hitchock, Stanley Kubrick e Walt Disney. Só que Scorsese é o primeiro a receber tal homenagem ainda em vida. Seria exagero?

Quem é amante da sétima arte sabe que não. Isso porque Martin Charles Scorsese é o mais aclamado e influente diretor da chamada “Geração Sexo, Drogas e Rockn’ Roll” que tomou Hollywood de assalto nos anos 1970. Ele comemora 69 anos nesse 17 de novembro, mais atual e atuante do que nunca. Duvida?

Adaptação do livro de Brian Selznick, “A Invenção de Hugo Cabret” já tem trailer circulando na Internet, e estreia em 23 de novembro nos EUA - 20 de janeiro no Brasil. A maquiagem de Ben Kingsley, juntamente com os cenários deslumbrantes do início do século XX, indicam que a história será uma grande homenagem a George Méliès, o primeiro grande gênio do cinema. Primeira incursão do diretor em uma aventura juvenil, “A Invenção de Hugo Cabret” é também o primeiro projeto filmado em 3D pelo cineasta – prova de que ele está por dentro das novas técnicas e formas de se fazer cinema. O diretor ainda faz uma ponta no filme, como um fotógrafo do início do século.


Além do cinema, ele agora também investe na televisão, produzindo o luxuoso seriado da HBO, “Broadwalk Empire”. A série se passa durante o período da Lei Seca nos EUA, sendo estrelada por Steve Buscemi. Aclamada pelo público e pela crítica, a série já foi renovada para a terceira temporada e prima pela reconstituição histórica. Scorsese em pessoa dirigiu o primeiro episódio, e por ele recebeu o Emmy de Melhor Direção de Série Dramática. Nem Spielberg, do alto de sua fortuna, teve aclamação semelhante nesse início de século.

Mas a agenda do senhor de sobrancelhas grossas não para por aí. Há cerca de 5 anos o diretor vem trabalhando no roteiro de um filme sobre uma das maiores vozes do século XX, Frank Sinatra (1915-1998). A produção focará no misterioso envolvimento do cantor com a Máfia – como era de se esperar – e terá Leonardo Di Caprio como protagonista – como também era de se esperar. Seria a quinta parceria com o ator, que parece mesmo ser o substituto de Robert De Niro como ator favorito do diretor, após oito filmes juntos.

Para comemorar o aniversário dessa lenda viva do cinema, relembremos Cinco Filmes Essenciais de sua carreira, obrigatórios para qualquer um que se considere "cinéfilo":

• Caminhos Perigosos (1973)
- Aqui nasceu um novo estilo de filmagem, um novo astro (Robert De Niro, roubando cada fotograma em que aparece) e um diretor que seria o novo mito de Hollywood. Câmeras soltas, triha sonora repleta de rock e violência visual realista marcaram época.


• Taxi Driver (1976)
– Considerada por cinéfilos a grande obra de Scorsese, essa pulsante crônica sobre Nova York virou cult pela nervosa atuação de De Niro e pela presença de uma estreante Jodie Foster no papel da prostituta mirim que desperta o senso de justiça no neurótico motorista de táxi.


• Touro Indomável (1980)
– O maior espetáculo visual de Scorsese. A fotografia em preto-e-branco registra o auge e a decadência do boxeador Jake LaMotta, eternizado por uma das maiores entregas que o cinema já viu de um ator a seu personagem, com De Niro 25 quilos mais gordo para encarnar o pugilista aposentado. O resultado inevitável foi o Oscar pela atuação.


• Os Bons Companheiros (1990)
– Filmes de gângster nunca mais foram os mesmos após esse charmoso exercício de narrativa extremamente violento. Mais uma vez De Niro estrela, mas é um explosivo Joe Pesci quem rouba a cena – não à toa, levou o Oscar de Coadjuvante pelo papel.


• Os Infiltrados (2006)
– Um complexo jogo de gato e rato que é inesquecível pela contribuição de Jack Nicholson (em seu último grande papel até agora) e por ter enfim consagrado Scorsese no Oscar, dando-lhe os prêmios de Direção e de Melhor Filme.


Vida longa (longuíssima) ao grande mestre!!

sábado, 29 de outubro de 2011

É Coisa de Cinema: Os Perigosos Caminhos de Jumping Jack Flash

Charlie (Harvey Keitel) está cansado.Trabalhando para crescer no submundo dos guetos de Little Italy, em Nova York, fica dividido entre a religiosidade da família e a violência que cerca o mundo do qual fará parte. E quando resolve esfriar a cabeça no bar do amigo Tony (David Proval), surge quem ele menos queria ver: Johnny Boy, um jovem revoltado, agressivo e sem escrúpulos, que vive se metendo em confusões por causa de dívidas de jogo. Seria apenas mais um personagem secundário, se não fosse sua introdução em cena. Tudo para (o filme e o espectador) quando os primeiros acordes de "Jumping Jack Flash", dos Rolling Stones, são ouvidos ao fundo da charmosa câmera lenta.

Aquela cena de um minuto resume "Caminhos Perigosos"(1973), primeira obra-prima de Martin Scorsese, que apresentava ali seu estilo único de câmera. Era também a primeira vez que o grande público via Robert Mario De Niro Jr.. No primeiro dos oito (!) filmes que faria com Scorsese, foi esse papel que fez as atenções se voltarem a De Niro, que se tornaria astro de primeira grandeza por suas interpretaçõs explosivas - derivadas dessa. No ano seguinte, ganharia seu primeiro Oscar como Ator Coadjuvante em "O Poderoso Chefão - Parte II". Muito graças a esse filme. Muito graças a essa cena.

Era o ínicio da "década dos diretores", e o público ainda se acostumava a ver uma produção tão realista e violenta, repleta de sexo, drogas e rockn' roll da melhor qualidade. É como se entrassem nos cinemas para assistir ao que encontravam nas ruas. Mal sabiam que vivenciavam a fase mais inspirada do cinema americano.

Não deu outra. Harvey Keitel, que dava vida a um alter-ego do próprio Scorsese e protagonizava o filme, acabou em segundo plano, ofucsado pela presença hipnótica de De Niro. Ele e Scorsese viraram as celebridades mais requisitadas daquela nova geração. Todo esse prestígio e credibilidade gerariam, três anos mais tarde, a obra seminal chamada "Taxi Driver". Tudo graças a uma cena simples e icônica como essa.

domingo, 23 de outubro de 2011

Definitivamente, "É Coisa de Cinema"!



116 anos e contando. Foi em 1895 que o cinema tomou o mundo de assalto para se tornar o maior espetáculo visual da humanidade. Tendo sido a arte predominante do século XX - não à toa conhecido como o "século da imagem" - o cinema gerou cenas e personagens tão clássicos que passaram a fazer parte da cultura geral de qualquer habitante do planeta. Esses momentos, por mais rápidos que fossem, deixavam clara a magia do cinema. E essa é a minha humilde proposta ao criar uma seção denominada "É Coisa de Cinema": apresentar esses momentos que ultrapassaram a história do cinema, para fazer parte da história do mundo. Momentos de alegria, terror, aventura, fantasia... Ou, simplesmente, momentos de pura magia.

Para início de conversa, como "matéria inaugural", faço um convite para uma viagem a esse mundo maravilhoso que, por décadas e gerações, encantou e ainda encanta milhões de cinéfilos mundo afora. Apenas 8 minutos, que resumem pelo menos 100 anos de cinema, com seus grandes filmes, estrelas e cenas. Boa viagem... Ah, e não pisque! Você pode perder o maior show de sua vida.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

É Coisa de Cinema : "What a Glorious Feeling... I'm Happy Again!"

Um homem. Uma tempestade durante a noite. Um guarda-chuva. Um trio que, sem saber, entraria para a história do cinema e do século XX. O ano era 1952. O filme, “Cantando na Chuva”, considerado ainda hoje um dos 10 melhores filmes de todos os tempos pela Academia Americana de Cinema e por milhões de fãs ao redor do mundo. A cena em questão, uma sequência de 5 minutos que resume não só o filme de 105 minutos, mas também todo o gênero musical do cinema.

A aventura do astro de cinema Don Lockwood (encarnado por um inesquecível Gene Kelly) tem como ápice o momento em que ele se despede de sua amada – Debbie Reynolds, no primeiro papel de sua carreira – e, inspirado pelo amor correspondido, resolve cantar de dançar embaixo da chuva que inunda a rua. Quando a música instrumental anuncia o famoso trecho que se aproxima, basta Kelly fechar o guarda-chuva com seu grande sorriso para que sejamos transportados para um dos momentos mais mágicos já registrados em imagem. Essa magia sobreviveu por diversas gerações e ainda hoje encanta crianças, adultos e idosos. Ouso dizer que até animais param de fazer barulho quando Kelly pula no poste de luz após berrar “What a glorious feeling!”.

Já famoso por musicais e parcerias com Frank Sinatra, foi com esse filme que Kelly se eternizou na mente de todas as pessoas como o incrível dançarino que foi. Movimentos simples, que poderiam ser reproduzidos por qualquer louco que tentasse dançar igual na chuva, mas nunca com a mesma leveza e facilidade que o ator/dançarino apresenta. Irônico imaginar que ele estivesse ardendo de febre quando as filmagens foram realizadas. Coisa de gênio, essa sim inimitável.

Hoje, quase 60 anos depois de lançado, nenhum outro dançarino interagiu tão bem com uma rua, com poças d’água ou mesmo com um objeto tão simples como um guarda-chuva. Poucos filmes expressaram tão bem a real magia do cinema - e sem efeitos especiais! E nós ainda podemos nos maravilhar com aquela chuva que há mais de meio século chove sem parar. Como Kelly mesmo diria: “Que sentimento glorioso!”

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nos Tempos da Brilhantina - "American Graffiti", a obra-prima desconhecida de George Lucas


Cada geração tem o filme marcante que merece. Para meus pais, o filme em questão foi "Curtindo a Vida Adoidado"(1986). Para mim, foi "Superbad - É Hoje!" (2007). Filme produzido pelo atual "rei da comédia" Judd Apatow, mostra a última noite de três amigos antes de eles irem para a faculdade seguir com a vida. Ou seja, sua busca por garotas, bebidas e diversão. O interessante é que esse filme, embora poucos saibam, tem muitas características em comum com uma divertida produção de 1973, dirigida por ninguém menos que George Lucas. Isso mesmo, o homem por trás da saga Star Wars. Com vocês, "American Graffiti - Loucuras de Verão".

Em 1970, George Walton Lucas Jr. tinha acabado de lançar "THX 1138", uma cerebral adaptação de seu próprio curta de faculdade. Era um jovem diretor que sonhava em controlar seus projetos e que tinha como amigo o então pouco conhecido Francis Ford Coppola. Após o público rejeitar a versão - editada pelo estúdio - de seu filme de estréia, Lucas entrou em depressão. Mas bastou Coppola declarar que ele não conseguiria fazer um filmes leve e divertido para a inspiração voltar.


Disposto a fazer um filme "sobre e para jovens", Lucas escreveu e realizou "American Graffiti", cujas filmagens foram concluídas em apenas 29 dias. Na trama, Curt e Steve se metem em confusões por sua cidadezinha de interior no último dia do verão de 1962, antes de partirem para a universidade. A aceitação do público foi tão grande que ele recuperou o orçamento de 770 mil dólares em poucas semanas e recebeu 5 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor.

Mas o curioso é prestar atenção no elenco do filme. Disposto a escalar apenas atores desconhecidos para os papéis, Lucas acabou descobrindo um grupo que ficaria conhecido no cinema. Chega a ser engraçado ver Richard Dreyfuss ainda cheirando a talco em seu primeiro papel de destaque como o confuso Curt. Mais tarde ele seria alçado ao posto de astro por filmes como "Tubarão"(1975) e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau"(1977), ambos sob o comando de Steven Spielberg - por sinal, um grande amigo pessoal de Lucas. Mais interessante é observar o posteriormente oscarizado diretor Ron Howard ("Uma Mente Brilhante", "O Código Da Vinci") atacando como ator no papel do orgulhoso Steve, em uma época em que até tinha cabelo.


O filme é repleto de rostos marcantes, mas nenhum é mais memorável do que o de Charles Martin Smith. Vendo seu personagem Terry "Toad" em ação, não é difícil saber de onde veio a inspiração para o personagem McLovin, que rouba a cena em "Superbad". Aqui as atenções se voltam para o hilário Smith. Seu tipo físico acabou o prendendo em personagens voltados para o humor, e isso dificultou a carreira posterior do ator, que só teve destaque novamente no filmaço "Os Intocáveis"(1987). Outro ponto alto do filme é a presença de Paul Le Mat, que faz em sua caracterização uma clara homenagem a James Dean. Ator mais carismático em cena, ele infelizmente foi um galã que não deu certo, sendo famoso apenas por esse filme. Pela atuação aqui apresentada, prometia muito mais.

Mas o destaque absoluto vai, sem dúvida, para a participação de cerca de 15 minutos de um futuro astro do cinema. "American Graffiti" é até hoje mais conhecido por ser o primeiro filme de Harrison Ford, antes dele sonhar ser eternizado como Indiana Jones. Ford se recusou a cortar o cabelo para as filmagens, já que o seu papel no filme era pequeno. Sugeriu então que seu personagem usasse um chapéu. E assim aparece em cena como o afobado Bob Falfa. A forte presença em cena chamou a atenção de Lucas, que quatro anos mais tarde o chamaria para o papel de um pirata espacial chamado Han Solo. O resto é história.


Antes de mais nada, esse filme é a grande prova do talento de George Lucas, que não está apenas resumido ao universo espacial de Star Wars. Depoimentos da época sugerem que Lucas tinha grande dificuldade na direção dos atores, contando com assistentes especiais voltados para essa tarefa. Mas sua sensibilidade como cineasta pode ser percebida em cada angulo de câmera usado. Mais voltados para os aspectos técnicos do longa, Lucas sabia aproveitar momentos inspirados dos atores. A cena em que Charles Martin Smith pula da moto que bate em um prédio logo no início do filme, não estava no roteiro. Na verdade, o ator perdeu o controle da moto, mas o Lucas decidiu por inserir aquilo no filme. Ponto para ele - e para o público, que já entrava no clima do filme na primeira cena.

A reconstituição do início da década de 60, ainda marcada pelas inovações tecnológicas e musicais da década de 50, é simplesmente perfeita, e ouso dizer que nenhum outro filme conseguiu (ainda) reproduzir aquele cenário de maneira tão natural e convincente. Além de ser um deleite para os fãs de carros antigos, a trilha sonora é um achado à parte, repleta de Chuck Berry, Buddy Holly e outros pioneiros do rock, o que só ajuda no efeito marcante das cenas tão bem planejadas por Lucas. Apresentando um humor ágil e inovador, ele ainda presta homenagem aos antigos radialistas que marcaram a cultura americana, centralizados na figura mística de Wolfman Jack, um famoso DJ americano das décadas de 60 e 70, que interpreta a si mesmo na cena mais bonita e inspirada do filme. Seus comentários ácidos e irônicos acompanham os personagens o tempo todoS e ajudam a definir uma era, cujo clima é cortado pelos frios letreiros que apresentam o destino dos personagens ao final da projeção.


No fim das contas, Lucas realiza com seu "American Graffiti" algo bem semelhante ao que Martin Scorsese fazia no mesmo ano com sua primeira obra-prima, "Caminhos Perigosos". Enquanto Scorsese focava nas violentas ruas de Nova York, Lucas investia na ingenuidade juvenil das pequenas cidades do interior. Enquanto Scorsese usava detalhes autobiográficos de sua infância em Little Italy, Lucas filmava cenas que vivera em sua juventude em Modesto, California. Um diretor de grande talento, que poderia ter feito muito mais coisa de qualidade além da fantástica saga espacial que o imortalizou na história do cinema. Não à toa, ajudou a marcar uma era.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

As Noites da Arábia - A Magia Atemporal de "O Ladrão de Bagdá"


A paixão irrefreável pelo cinema me levou a encontrar vários vídeos e montagens das melhores cenas e momentos dessa arte. Até fiz alguns deles, inclusive. O fato é que, invariavelmente, eu era surpreendido por uma lírica imagem de um homem montado em um cavalo cavalgando em direção aos céus. Tal cena me tocava intensamente, por deixar clara a magia do cinema. Cresci e amadureci sem descobrir de onde ela vinha.

Em outra ocasião, procurava imagens marcantes de filmes de aventura quando encontrei a foto hipnótica de um gênio gigante, idêntico ao do desenho "Aladdin" - que tanto marcou minha infância. Só que dessa vez, ele era de carne e osso. Lá estava o gênio, hipnótico e "real". O tempo passava, mas aquelas icônicas imagens continuavam fortes na cabeça. "Tenho que assistir a esses filmes", eu pensava.


Certo dia, no cineclube que frequento, a sessão da noite era "O Ladrão de Bagdá": uma aventura de 1940 que na verdade era a refilmagem do famoso clássico homônimo de 1924, estrelado por Douglas Fairbanks - esse, o primeiro herói do cinema. Fora isso, nada mais sabia sobre o longa. Começa o filme. Cenários suntuosos. Atores marcantes. Visual fantástico e hipnótico. Um homem atravessa os céus em um cavalo. A mais pura magia em celulóide. Mais um pouco e um gênio toma a tela de assalto. Tapetes voadores. Aranhas e polvos gigantes. Lá estavam todos os filmes de fantasia que eu tanto procurava, reunidos em um só.

Estrelada pelo "galã que não deu certo" chamado John Justin, "The Thief of Bagdad" foi uma "mega-produção" na época, a ponto do então todo-poderoso produtor Alexander Korda contratar 3 diretores (!) para filmar o roteiro preparado pelo próprio. Uma adaptação de "As Mil e Uma Noites", sagrado livro que tem a maioria das lendas e mitos indianos, persas e árabes. O grande apelo comercial do filme recaía sobre os incríveis efeitos visuais, que ainda hoje encantam - vide as cenas já citadas. Um truque usado até hoje foi usado pela primeira vez neste filme: a gravação em fundo azul para depois colocar o cenário colorido durante a edição. Técnicas e Technicolor para criar o melhor clima de ação e aventura possível. O resultado foram 3 Oscar da Academia de Cinema: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia e Melhores Efeitos Visuais e Sonoros.


O destaque vai para a presença de Conrad Veidt, eternizado como vilão na história do cinema por seus papéis em "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919) e "Casablanca"(1942). Aqui, mais uma vez, usa seu aterrorizante olhar no papel do sinistro Jaffar - isso mesmo, o vilão de Aladdin em pessoa! Mas as atenções também se voltam para Sabu, ator indiano que ficou marcado por esse tipo de produção. Nunca emplacou outro sucesso, mas seu visual inspirou diretamente o personagem Hadji, do clássico desenho Johnny Quest.

O melhor é saber que, mais de 70 anos depois, a magia do filme continua funcionando. Mesmo parecendo ingênuo para os padrões atuais, "O Ladrão de Bagdá" lembra uma época em que entretenimento visual proporcionava mais qualidade e diversão do que "Transformers" ou filmes-pipoca atuais desse tipo. Algo que o primeiro "Piratas do Caribe" (2003) chegou bem perto de alcançar.


Tudo o que vem à nossa mente ao mencionarmos a Arábia e "As Mil e Uma Noites" pode ser encontrado em "O Ladrão de Bagdá". Inspirou diretamente produções como o já citado "Aladdin" e as aventuras de Indiana Jones, principalmente em "O Templo da Perdição" (1983). Não à toa, é um dos filmes favoritos de diretores consagrados, como Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Uma verdadeira jóia rara e muito valiosa, injustamente (ainda) esquecida em algum lugar do passado - mas preparada para cravar suas icônicas imagens na cabeça e no coração de muitas gerações do passado, do presente e do futuro. Alexander Korda ficaria orgulhoso do resultado.

sábado, 27 de agosto de 2011

Viagem Insólita - Malick promove experiência visual com "A Árvore da Vida"


O nome dos atores Brad Pitt e Sean Penn brilhando no topo do pôster, juntamente com a enigmática imagem que o ilustra, dava a idéia de que "A Árvore da Vida" seria uma superprodução de ficção científica. Pelo menos isso é o que deve ter passado pela cabeça das centenas de pessoas que abandonaram as sessões nos cinemas americanos. Tal prática se tornou frequente nos outros países em que o filme foi exibido - como aqui mesmo, no Brasil -, o que levou cinemas a afixarem cartazes informando que o dinheiro da sessão não seria devolvido, "por se tratar de um filme de arte". O que de fato ele é. Para o bem ou para o mal, isso acabou despertando mais atenção para o filme em si. Falemos dele então.

Antes de mais nada, é bom saber que "A Árvore da Vida" é uma experiência áudio-visual. Uma coleção de imagens e sons impactantes sem uma continuidade convencional, e muitas vezes sem um sentido claro. Por isso o alto grau de rejeição. De tradicional (ou mais próximo disso) apenas o enfoque em uma família americana da década de 50, da qual os atores citados fazem parte. Essa família é nosso porto seguro na pretensiosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão. Ou algo bem próximo disso.


O filme é um projeto antigo de Terrence Frederick Malick, um sujeito interessante. Recluso e completamente avesso a entrevistas, fotos e aparições públicas, o diretor americano de 67 anos costuma dedicar muitos anos à finalização de seus filmes - o que explica o fato dele só ter finalizado quatro, sendo esse o quinto. Malick teve a ideia para esse projeto nos anos 70, antes de dirigir "Cinzas no Paraíso" (um show visual da melhor qualidade), mas acabou o deixando de lado até poucos anos atrás. O envolvimento do ator Heath Ledger (imortalizado como o Coringa de "O Cavaleiro das Trevas") incentivou o diretor a retomar o projeto. Após o falecimento do ator, o papel de O'Brien foi assumido por Brad Pitt, que resolveu também produzir o longa, para tornar o envolvente projeto realidade.

Após um trailer misterioso repleto de líricas imagens, o filme estreou no Festival de Cannes cercado de grande expectativa - e sem a presença de Malick para representá-lo, como era de se esperar. Saiu de lá com a Palma de Ouro, prêmio máximo do evento. Isso só voltou mais atenções para a produção.

O grande diferencial a ser discutido nesse filme é o obscuro roteiro, que tem por consequência a estranha edição. O que poucas pessoas sabem é que esse é o filme mais autobiográfico de Malick. Sua própria vida se confunde com a do protagonista desse longa, cujo irmão morre misteriosamente. Malick tinha um irmão mais novo, que era músico e morreu bem jovem. O motivo poucos sabem, mas Malick sempre carregou a culpa consigo. Exatamente como o protagonista do filme, vivido na fase adulta por Sean Penn. Penn reclamou publicamente da edição que o filme recebeu, o que reduziu sua participação para cerca de 8 confusos minutos. O motivo? A inesperada decisão de Malick em dar todo o material filmado para cinco montadores distintos, entre eles o brasileiro Daniel Rezende, editor de "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite 2".


O próprio Sean Penn acha que Malick errou na escolha da narrativa. Marcada por idas e vindas no tempo - com cenas que mostram desde a criação do mundo até as lembranças de infância de Jack, seu personagem -, a construção da trama, em sua opinião, poderia ter sido mais clara e convencional. Mas para quem acompanha a carreira de Malick desde seu filme de estréia, "Terra de Ninguém"(1973), sabe que sua maneira de fazer cinema está muito mais na busca daquilo que não está premeditado, abandonando o "certo" ou usual. Um exemplo claro é sua abordagem da II Guerra Mundial no controverso "Além da Linha Vermelha"(1978). Ou seja, um caso de "ame ou odeie".

É certo que "A Árvore da Vida" decepcionará muitas pessoas. Apesar do forte apelo visual, com imagens belíssimas há muito tempo não vistas em uma produção americana, o filme carrega um irritante rótulo de "filme de arte". Para isso, se atém a referências a obras famosas e consagradas. Em certos momentos, abandona a narrativa para voltar a imagens que lembram "2001 - Uma Odisséia no Espaço" - o que só reforça as comparações entre Malick e Stanley Kubrick, que era tão recluso e genioso quanto ele. Já na parte final, abandona o pouco de lógica existente para fazer uma estranha alusão ao "8 1/2" de Federico Fellini. Tudo isso sem abandonar uma introspecção digna dos filmes de Ingmar Bergman. E o problema não seria se assemelhar a esses filmes. O problema é que, ao tentar ser um pouco de cada um deles, acaba não tendo uma característica própria.


Sendo o "filme americano mais europeu" da temporada, "A Árvore da Vida" continuará como tópico de discussão por um bom tempo, sendo ofuscado (talvez) apenas por outra obra polêmica também recém-lançada: "Melancolia", de Lars Von Trier (mas falar "Von Trier" e "polêmica" na mesma frase já virou redundância...). Ao final da pretensiosa experiência de Terrence Malick, sobram - muitas - perguntas. Talvez esse tenha sido o objetivo do diretor. Talvez a busca pelo sentido da vida e sua origem seja de fato inconclusiva. Talvez o segredo seja a incapacidade de explicá-la. Talvez o perdão por algum erro do passado só seja obtido por nós mesmos, ao enfrentar nossos velhos fantasmas. Quem saberá a resposta? Talvez Malick - mas ele, definitivamente, não vai nos dizer.

domingo, 14 de agosto de 2011

A Dama e o Vagabundo - "Luzes da Cidade" completa 80 anos com magia e beleza


Bastou a combinação "terno preto maltratado + chapéu-coco + bengala + bigodinho quadricular" para Charles Spencer Chaplin conquistar o mundo. Durante as décadas de 20 e 30, ele foi a personalidade mais conhecida do planeta, perdendo o posto apenas na década de 40 para a figura de Adolf Hilter - que por acaso (?) tinha o mesmo bigode. Mestre absoluto da sétima arte, e essencial para seu desenvolvimento, Chaplin é criador de várias obras seminais do cinema, como "Em Busca do Ouro"(1925) e "Tempos Modernos"(1936). Mas normalmente as principais listas e críticos da área consideram "Luzes da Cidade" sua grande obra-prima.

O filme completou 80 anos de forma especial: duas noites de exibição especial no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, nos dias 13 e 14 de agosto, pela série "Música e Imagem" que na edição anterior exibiu o clássico "Metrópolis" (comentado aqui no site). Mas a questão que cabe aqui é tentar entender por que esse é o filme mais querido de Charles Chaplin.

Após concluir "O Circo" (1928), um de seus filmes mais engraçados e atemporais - e na minha opinião, exatamente por isso um dos melhores - Chaplin logo mergulhou de cabeça na produção de um novo projeto. Abalado pelos problemas técnicos que passara na produção do filme anterior e pela morte recente da mãe, Chaplin ainda recebeu outro baque: o cinema falado, que surgiu com "O Cantor de Jazz"(1927) e veio para ficar. O cineasta sabia que seu alter-ego, o pobre vagabundo famoso nos filmes mudos, não funcionaria com som. Chaplin defendia que diálogos eram dispensáveis e tirariam a beleza da arte da imagem. Contra todas as expectativas, resolveu fazer um filme mudo em plena época em que todos investiam em produções sonoras.


Representação máxima do jargão popular "O Amor É Cego", o enredo gira em torno do Vagabundo, novamente sem dinheiro e casa, e de uma jovem e pobre florista cega pela qual ele se apaixona. Mas isso é apenas um resumo básico, pois são vários os caminhos tomados pelo filme, resultado das várias idéias soltas que Chaplin tinha. Tudo funciona maravilhosamente bem, devido às sacadas geniais do roteiro que se divide em três atos distintos, mas muito bem amarrados: a garota confundindo o vagabundo com um milionário, o que o faz fingir ser rico; o milionário bêbado que é salvo por ele ao tentar se suicidar, se tornando um grande amigo enquanto bêbado - pois quando fica sóbrio não se lembra de mais nada nem ninguém -; as trapalhadas do vagabundo em busca de dinheiro para pagar o aluguel e a operação da garota.

As histórias dos bastidores também tornaram o filme mais comentado e famoso: perfeccionista, Chaplin não estava satisfeito com a atuação de Virginia Cherrill como a florista cega, chegando a demití-la para refilmar algumas com Georgia Hale, sua atriz em "Em Busca do Ouro". Isto tornou-se muito caro, mesmo para o seu orçamento e, assim, Chaplin re-contratou Cherrill para concluir as filmagens de City Lights (no original). Indeciso na escolha de uma desculpa plausível que justificasse a cega confundir o vagabundo com um milionário, Chaplin fez 342 tomadas da cena em que o vagabundo compra uma flor da florista, até chegar à versão final, onde o equívoco se dá pelo som da porta de uma limosine se fechando.


Focado muito mais no romance do que na comédia, "Luzes da Cidade" certamente não é o filme mais engraçado de Chaplin. Seu grande diferencial é ser o que melhor representa a figura do vagabundo que ele imortalizou na história do século XX. Seu personagem nunca funcionou tão bem como nas situações propostas nesse longa, que ainda serve como crítica ao uso do som: mantendo o filme mudo e tendo escrito a trilha sonora instrumental, Chaplin adicionou alguns efeitos de sonoplastia na trama, como um apito (que busca mostrar como é incômodo o som nos filmes) e estranhos barulhos que substituem os discursos iniciais na abertura - uma indireta de que sons não seriam necessários ali. Mensagem dada. Mesmo assim, a cena da luta de boxe - em sua totalidade, desde a preparação até os momentos decisivos em cima do ringue - certamente está entre uma das mais engraçadas já vistas no cinema.

Apesar de algumas piadas soltas parecerem inicialmente repetitivas, todas se encaixam perfeitamente no decorrer da história, com uma harmonia raramente vista nos cineastas atuais. Com seus 87 minutos, o filme não parece em nenhum momento arrastado. Se tivesse alguns minutos a mais ou a menos, não funcionaria da mesma forma. Todos os elementos que marcariam um "filme de Chaplin" estão presentes nessa produção. Uma aula de narrativa da melhor qualidade, culminando em uma cena que, sozinha, merece um parágrafo à parte.


Apenas com a cena final, Chaplin já derruba qualquer argumento contra sua teoria a favor do cinema mudo. Através do olhar, ele consegue nos fazer sentir tudo que se passa na cabeça do vagabundo ao reencontrar a mulher amada. Ele sabe que ela está enxergando, e quer se esconder. Ela se aproxima e ele tenta fugir, mas a alegria de revê-la não permite, até que ela toca em suas mãos por acidente e reconhece naquele maltrapilho o galã que idealizava. Nesse momento, pétalas vão caindo da flor que Chaplin segura. O que seria apenas um possível acidente de cena, se revela um detalhe enriquecedor e bem pensado. As petálas representam a queda da imagem que a antes cega florista tinha de seu herói. São os esforços do vagabundo para se esconder desmoronando. São um exemplo de bom cinema. Ao ver a reação da garota, Chaplin apenas sorri, conformado, sabendo que mais uma vez seu destino é terminar a história sozinho. Uma das cenas mais lindas já postas em um filme, prova de que Chaplin é um dos grandes mestres da arte da imagem.

"Luzes da Cidade" resiste ao tempo simplesmente por ser, em toda sua simplicidade e ingenuidade, um dos filmes mais belos e romanticos já feitos. Orson Welles - gênio responsável por "Cidadão Kane" - inclusive declarou certa vez que esse era seu filme favorito. E o sucesso e adoração após 80 anos de seu lançamento são garantia do caráter universal e atemporal da obra de Charles Chaplin, um artista que soube como poucos combinar risos com lágrimas. Ele foi premiado tardiamente, com um mero Oscar honorário em 1972 - quando já tinha 83 anos (!) -, pelo "efeito incalculável que teve em tornar os filmes a forma de arte deste século". Hoje, 122 anos após seu nascimento e 34 anos depois de sua morte, a figura de Chaplin ainda presente prova que enquanto o cinema fizer parte de nossas vidas, ele para sempre será um de seus maiores gênios e ícones. Ou, simplesmente, o eterno vagabundo.

sábado, 16 de julho de 2011

Feitiço do Tempo - A saga de Harry Potter (e a era marcada por ela) chega ao fim


Pois é, acabou. Exatos dez anos após a estreia de "Harry Potter e a Pedra Filosofal", a saga do bruxo com cicatriz em formato de raio chega ao fim. Como era de se esperar, grande ansiedade e uma certa porção de tristeza tomam de assalto o coração dos milhares de fãs ao redor do mundo. O clímax dessa expectativa pôde ser sentido na pré-estreia do longa, ocorrida na madrugada do dia 14 de julho de 2011: gritos, palmas e lágrimas enchiam a sala durante os 130 minutos de exibição.

Continuação direta da primeira parte lançada em novembro passado, "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 2" entrega exatamente o que prometia: o grande confronto final, uma épica conclusão para a saga - reforçado ainda pela tecnologia 3D. Mais que isso, prova que o ousado plano dos estúdios Warner deu certo: produzir 8 superproduções em 10 anos, mantendo os mesmos atores nos papéis durante todos os filmes - o que só não foi possível com Richard Harris, que fez Dumbledore nos dois primeiros filmes mas morreu ao terminar o segundo, sendo substituído por Michael Gambon - e marcando a vida de milhares de jovens ao redor do mundo. Leitores dos livros originais de J.K. Rowling ou não, não era muito difícil ser conquistado pelos filmes, que mesmo mudando certos detalhes de adaptação (como não podia deixar de ser) conseguiram transpor toda a magia das páginas para as telas.


E para os que vinham acompanhando as aventuras do bruxo desde o início, esse filme tem uma proposta ainda maior. Ao mesmo tempo em que mostra a maturidade dos personagens principais, reforçada até pelo tom mais sombrio e violento da série, essa conclusão é uma mensagem direta de que a infância daqueles que a tudo assistiam - no caso, os jovens espectadores, como eu e você - acabou. Todo aquele mundo mágico é revisitado: o banco de Gringotes, repleto de duendes assustadores que nos encantou no primeiro filme está lá, assim como a câmara secreta do segundo. Até mesmo a estação do Trem Expresso de Hogwarts dá as caras novamente. É a última visita àqueles lugares tão familiares, uma verdadeira despedida de um universo único que não visitaremos mais - quer dizer, agora, só no parque da Disney. Ver esses lugares destruídos dá um aperto no coração dos fãs mais fervorosos, e a imagem do castelo de Hogwarts destruído não é nada menos que impactante.

Além do show visual - os efeitos nunca estiveram melhores -, o filme é o auge das atuações de seu elenco, o clímax dramático. O trio principal, que acompanhamos crescer nas telas ano a ano, como raramente antes no cinema, transborda emoção. Não poderia ser diferente, afinal, são os próprios atores se despedindo dos personagens que marcaram suas vidas de uma maneira inexplicável e os acompanharão sempre no imaginário popular. O mais incrível é reconhecer todas as caras presentes: todos os alunos e professores que aparecem em cena são vividos pelos mesmos atores que os interpretaram desde o primeiro filme.


Personagens que andavam sumidos têm aqui seu devido valor revisto, e o caso de maior destaque é Neville Longbottom, vivido pelo antes gordinho Matthew Lewis, que era apenas o amigo atrapalhado e engraçadinho de Potter e aqui mostra sua importância crucial para a história. A dama inglesa Maggie Smith , que ainda dá vida à tão importante Minerva McGonagall aos 76 anos - e só vinha fazendo pontas nos últimos filmes -, tem agora participação maior e mais destacada, sendo merecidamente uma das personagens mais queridas pelo público. Julie Walters, que vive a matriarca da família Weasley, e David Thewlis, como o adorado professor Lupin, são outros destaques merecidos.

Como não podia deixar de ser, o desfecho de alguns personagens causa grande comoção, assim como importantes segredos são revelados, mudando completamente a perspectiva de toda a história. Claro que não teria a menor graça contá-los aqui, pois recebe-los como um grande feitiço em nossas mentes é um dos baratos dessa parte final, que é feita de grandes momentos. A grande cena do encontro entre Harry Potter, o garoto que sobreviveu, com Voldemort, o Lorde das Trevas, há tanto tempo esperada, não poderia ter sido feita de forma melhor. A esperada cena entre Hermione e Rony. Todos os personagens lutando por suas vidas. O ataque em massa ao castelo, misturando todos os seres que se pode imaginar. Está tudo lá, por uma última vez. Os mais emotivos sem dúvida derramarão lágrimas ao ver imagens tão belas e momentos tão decisivos.


Fazendo-se um grande balanço geral da série, pode-se afirmar que Michael Gambon, na pele do sábio Alvo Dumbledore, e - principalmente - Alan Rickman, na pele do impagável e detestado Severo Snape, foram os melhores atores em cena. Essa ideia se reforça nesse último filme, que ainda comprova que o inglês David Yates foi o homem certo para comandar os últimos 4 filmes da série, que marcou intensamente a primeira década desse século e foi a franquia mais lucrativa dos cinemas - pelo menos, até agora. Yates injetou ritmo extra aos filmes, lembrando-se que esse último se passa basicamente em um dia.

Juntando-se as duas partes de "As Relíquias da Morte", é possível que tenhamos o melhor capítulo da saga, mas pouco importa delimitar qual foi o melhor. O fato é que quando os créditos aparecem após o nostálgico e emocionante epílogo, a sensação de satisfação é logo transformada em um vazio interior. Assim como aconteceu antes com a franquia "Star Wars", em 2005, é a ultima vez que os fãs assistem aqueles personagens, ouvem aquela música, são transportados para aquele mundo. Para quem acompanha desde o início, é muito mais do que apenas um filme. E não há feitiço que cure esse vazio. Pelo menos, não mais.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Em Breve: "Hugo Cabret", a estréia de Martin Scorsese em 3-D

Depois do sucesso de público e crítica obtido com "Ilha do Medo" (2009), o mestre Martin Scorsese volta à direção de uma ficção. Após concluir um documentário sobre o ex-Beatle George Harrison - "Living in the Material World", que será lançado diretamente em DVD no Brasil -, Scorsese agora se dedica à adaptação do livro de Brian Selznick, "A Invenção de Hugo Cabret". O filme, que marcará a estréia do diretor com a tecnologia 3-D, teve seu primeiro trailer lançado, que você pode conferir abaixo.



A história é bem diferente das que o diretor costuma dirigir, o que prova que ele cada vez mais se reinventa em diferentes gêneros, vide o já citado filme anterior. A nova trama acompanha Hugo (Asa Butterfield), um garoto de 12 anos que vive em uma estação de trem em Paris no começo do século 20. Seu pai, um relojoeiro que trabalhava em um museu - vivido pelo galã Jude Law -, morre momentos depois de mostrar a Hugo a sua última descoberta: um androide, sentado numa escrivaninha, com uma caneta na mão, aguardando para escrever uma importante mensagem. O problema é que o menino não consegue ligar o robô, nem resolver o mistério.

Ao ver o trailer, que parece ser mais uma aventura joven repleta de efeitos especiais, os cinéfilos de plantão, entretanto, poderão perceber algo mais profundo. Algumas cenas e, principalmente, a aparição de um Ben Kingsley idêntico a Georges Méliés indicam que o filme será na verdade uma grande homenagem aos primórdios do cinema. Méliès é considerado o "pai do cinema", por ter feito os primeiros filmes de ficção, usando truques visuais aprendidos na carreira como ilusionista, sendo o mais famoso deles o seminal "Viagem à Lua" (1902). No fim da carreira, ele virou vendedor de brinquedos em uma estação de Paris, onde por acaso - ou não - se passa o filme. Até a "chegada do trem" na estação indica o clima de nostalgia adotado pelo diretor. Ou será apenas uma primeira impressão? Fica o suspense.


O elenco conta ainda com Ray Winstone, Sacha Baron Cohen (o eterno Borat), Christopher Lee e Emily Mortimer, além de Chloë Moretz, que mostra mais uma vez a grande atriz que é no alto de seus 14 anos.

A estréia acontece em 23 de novembro nos EUA e em 20 de janeiro no Brasil. Ao que tudo indica, será mais um show visual de Scorsese. Agora, é esperar para ver - e se emocionar.

terça-feira, 12 de julho de 2011

De Volta Para o Futuro - Woody Allen é pura nostalgia em "Meia Noite em Paris"


Antes tarde do que nunca, falemos do novo filme de Woody Allen. Demorei um pouco para publicar esse comentário pois estava me recuperando da viagem que fiz à França. Viagem curta - de cerca de 100 minutos -, mas nem por isso menos agradável. Essa viagem tem um nome: "Meia Noite em Paris", o filme mais falado do momento, um verdadeiro tributo à capital mundial do amor, que nos faz lembrar porque vamos ao cinema. Explico.

Mesmo não estando entre meus cineastas favoritos, Allan Stewart Königsberg - mais conhecido mundialmente como Woody Allen - sempre foi uma inspiração, principalmente por nos últimos 20 anos manter a tradição de lançar um filme por ano. Entre pontos altos e baixos, suas produções se mantém acima da média, provando seu talento para retratar histórias aparentemente simples e ordinárias de maneira leve e envolvente. Cada nova estréia é um evento, e o aposto "Um Filme de Woody Allen" engrandece qualquer produção. Originalmente conhecido como "o cineasta de Nova York", por situar lá a grande maioria de seus filmes, o diretor tem mudado a locação para países europeus nas últimas produções.


Depois de 4 filmes na Inglaterra - "Match Point"(2005), "Scoop"(2006), "O Sonho de Cassandra"(2007) e "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos"(2010) - e um na Espanha ("Vicky Cristinna Barcelona"(2008)), a escolhida da vez é a França e sua apaixonante Paris. E com essa nova produção, Allen prova que é um dos diretores que melhor sabem usar cenários reais em suas histórias. Desde já entrego que a capital francesa foi a mais bem homenageada em um filme seu até agora, perdendo apenas - obviamente - para a "Big Apple" americana. O início do filme parece - à princípio - uma propaganda publicitária de agência de viagem, com várias imagens de Paris sendo jogadas aos nossos olhos. Mas as imagens não focam os pontos mais conhecidos, e sim as pequenas ruas e detalhes que dão a verdadeira beleza retrô à cidade. Assim, após quase 5 minutos apenas vendo essas imagens, os créditos finalmente aparecem, e pronto, a platéia já foi transportada para Paris.

A trama é apresentada já na primeira cena, de forma bem simples e direta. O protagonista, como era de se esperar, é mais um possível alter-ego do diretor-roteirista: um escritor fracassado que ganha a vida escrevendo roteiros (considerados por ele mesmo medíocres) para Hoolywood - provavelmente, uma irônica autocrítica de Allen, que com seus 76 aninhos precisa escolher um ator mais novo para interpretá-lo. O escolhido da vez foi Owen Wilson, que - admito - surpreende. Acostumado ao papel de amigo chato e sem noção em comédias (a maioria em parceria com Ben Stiller), aqui Wilson encarna perfeitamente a persona de Allen, e não é exagero dizer que é seu melhor papel - pelo menos até aqui. Seu jeito de andar e falar são idênticos aos do diretor, o que prova que foi uma escolha mais do que certa para o papel. Acompanhando Wilson em cena está a deslumbrante Rachel McAdams, que se torna cada vez mais - merecidamente - a nova queridinha de Hollywood, após mostrar que não é apenas um rostinho (muito) bonito em produções como "Diário de Uma Paixão"(2004) e "Uma Manhã Gloriosa(2010). Aqui, ela está deliciosamente insuportável como a mimada namorada do protagonista, com quem ele pretende casar mesmo não havendo futuro algum na relação.


O personagem de Wilson, Gil Pender, vai à Paris com a namorada e os pais dela, aproveitando a viagem a negócios do sogro para buscar inspiração na cidade antes frequentada por seus ídolos. Essa é a mística Paris da década de 20 e 30, considerada então o centro do mundo artístico - e onde a boêmia falava mais alto. Igualmente apaixonado por essa época, Allen sabia que a única maneira de vivenciá-la - tanto ele quanto os espectadores - seria através de um filme. E é nisso que se resume o longa: uma viagem à considerada "Época de Ouro", aos bons e velhos tempos já citados. É isso que ele inexplicavelmente propõe a seu personagem, que é transportado para décadas atrás por uma carruagem de época, que surge em uma ruela parisiense. Não há porque entender: trata-se da magia do cinema em ação.

Mas simplesmente voltar às décadas de 20 e 30 não teria a mesma graça se não fossem os personagens que cruzam o caminho do protagonista. E o cineasta, culto como todos os fãs sabem que ele é, atira referências e citações para todos os lados. O grande barato durante o filme é tentar identificar as personalidades que cruzam o caminho do maravilhado Pender. E são muitas: estão lá o escritor F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston, elogiado pela participação em "Thor") e sua esposa, a histérica Zelda Fitzgerald (Alison Pill), o famoso cantor Cole Porter(Yves Heck), o instável escritor Ernest Hemingway (autor de "O Velho e o Mar, entre outros, vivido hilariamente por Corey Stoll), a escritora e poeta Gertrude Stein (Kathy Bates),o cineasta Luis Buñuel (Adrien de Van), o pintor Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo)... só para citar os mais marcantes, pois a lista é verdadeiramente interminável. Melhor é observar o inspirado trabalho de seleção de elenco, pois cada um dos ilustres famosos são representados na tela à sua imagem e semelhança, idênticos às personalidades reais - basta uma rápida pesquisa ao Google para ter certeza. Destaque maior vai para Adrien Brody , ator mais famoso (se comparado aos demais) e até já ganhador do Oscar - por "O Pianista" (2002), que desaparece na figura do pintor surrealista Salvador Dali. Mesmo com participação muito pequena, ele captura a essência do excêntrico pintor, transmitindo-a de forma muito bem humorada. E não é que ele ficou bem parecido com Dali?


É claro que já conhecer previamente as pessoas citadas ajuda a entender algumas sutilezas do filme, como é o caso, por exemplo, da piada envolvendo o filme "O Anjo Exterminador" (para os cinéfilos de plantão) - é impagável ver o futuro diretor Buñuel, ao ouvir a sugestão de Gil, com a mesma expressão de dúvida que ficariam os espectadores de seu filme mais tarde -, e as reflexões do beberrão Hemingway. O grande segredo do filme é acerca de Adriana, personagem de Marion Cotillard, que se envolve com todos esses personagens e é o que acaba trazendo Gil de volta para o futuro. É na misteriosa cena em que os dois, já na década de 30, voltam à 1890, para a Belle Époque francesa (sim, uma volta no tempo dentro de outra volta no tempo), que Gil entende sua fascinação pelo que ele considera a "Época de Ouro", assim como a necessidade de voltar para sua realidade. Seria tudo aquilo uma grande epifania do escritor por visitar o lugar que tanto idealizava? Se visto dessa maneira, a personagem de Cottilard poderia ser considerada um estopim para que ele não ficasse preso em um passado idealizado e pudesse avançar para um futuro ainda em construção. Seria o próprio Woody Allen se livrando de seus ídolos do passado e garantindo seu próprio lugar no panteão de gênios contemporâneos.

Tudo funciona bem no filme, principalmente o elenco - que ainda conta com um inspirado e pedante Michael Sheen e uma discreta participação da primeira-dama Carla Bruni - e a trilha sonora, embalada por românticas músicas (principalmente as de Cole Porter). Em certo momento do filme, Gil diz claramente que nenhum quadro, livro ou forma de arte consegue retratar fielmente a complexidade de um lugar, substituindo a sensação de estar nele. Allen sabe que não consegue mostrar tudo de Paris com seu filme. Mas consegue estimular qualquer um que o assiste a visitar a cidade. Ou, pelo menos, a voltar ao cinema para se deliciar com a melhor produção que deu as caras por lá em 2011 - pelo menos, até agora.


Basicamente, tudo isso prova que "Meia Noite em Paris" é um filme para ser visto e revisto. O que, verdadeiramente, não é sacrifício nenhum, já que poucas vezes Allen fez algo tão leve e divertido. Muitos dizem que o diretor repete aqui o que já havia feito em "A Rosa Púrpura do Cairo"(1985). Discordo intensamente. A nova produção é um sopro de originalidade - muito bem vindo, aliás - na carreira do diretor, que já está produzinho seu novo longa - dessa vez na Itália, com o nome "Bop Decameron". Pelo visto, o tour de Woody Allen pela Europa está longe de acabar. Fica a esperança do diretor ainda passar pelo Brasil. Que brasileiro não gostaria de ver um "Meio Dia no Rio" ? Fica a dica.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A Vida Como Ela É - "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", uma jóia dos anos 80


Quando se fala em filmes adolescentes da década de 80, qualquer um imagina instantâneamente a imagem de Matthew Broderick no icônico "Curtindo a Vida Adoidado"(1986) ou qualquer outro filme do adorado John Hughes, considerado o mestre desse gênero. E é justo, pois seus filmes marcaram intensamente uma época, conseguindo grande empatia com o público através de seus personagens tão realistas e sinceros. Mas não só dos filmes de Hughes se fez aquela década, e o exemplo mais claro e - injustamente - menos lembrado é um pequeno tesouro pouco conhecido e citado: "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas".

Antes que eu (ou qualquer um) cometa o erro de rotular esse filme, é bom deixar claro que não se trata de uma comédia juvenil tradicional. O foco é mais maduro, de acordo, inclusive, com a própria trama: um grupo de sete amigos recém-formados se depara com a amarga realidade do mundo real, tendo que conviver com a insegurança profissional e emocional desta nova fase da vida. O filme foi corajoso por já se iniciar em um ponto que na época era tomado como conclusão. Explico: a primeira imagem vista é a dos amigos saindo da formatura, que normalmente era considerada o fim da jornada. Pois ali, ela é exatamente o começo. Um corte rápido nos leva à primeira cena - em um hospital, após um acidente - que já apresenta de forma ágil e eficiente o perfil de casa um dos sete personagens principais, assim como seus dramas. E são os personagens o grande diferencial que permite a leveza da produção, uma vez que a história em si é bem simples.


Esse filme, juntamente com "Vidas sem Rumo" (1983) - obra tocante de Francis Ford Coppola -, forma o pacote que lançou o "Brat Pack", nome dado ao grupo de jovens atores e atrizes que foram lançados nessas produções, virando ícones dos anos 80, entre eles Matt Dillon, Tom Cruise, Ralph Macchio, Patrick Swayze, C. Thomas Howell, Demi Moore e Rob Lowe. Esses dois últimos fazem parte do elenco principal de "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", tendo sido os integrantes que mais fizeram sucesso após a estréia do filme em 1985. Mesmo assim, o antes "galã rebelde" Lowe hoje é mais conhecido por participações em seriados de televisão. E Demi Moore, que teve seu auge em "Ghost - Do Outro Lado da Vida"(1990), há muito tempo não emplaca um sucesso nas telas, sendo mais citada como "a esposa de Ashton Kutcher" - o que, cá entre nós, só é bom para as fãs do ator.

Mas após assistir ao filme - que circula em uma uma rara cópia de DVD, que vale a busca - é triste saber que foi o único sucesso de um elenco tão promissor. E para nós, tão acostumados à séries de TV, é impossível evitar uma comparação com o seriado F.R.I.E.N.D.S. Aquele tipo de intimidade que realmente existe entre amigos próximos poucas vezes é bem transportada para as telas, mas pode ser genuinamente sentida tanto nesse seriado quanto no filme. E as semelhanças ficam mais fortes quando pegamos o personagem Kevin Dolenz. Apesar da importância dos personagens ser bem equilibrada, o humor irônico e os dilemas de Kevin acabam sendo o que o filme tem de melhor, graças ao talento do sumido Andrew McCarthy (na foto abaixo com Demi Moore). Ele é a gênese do personagem Chandler Bing (eternizado por Mathew Perry no seriado citado), tanto no jeito de ser quanto no próprio visual, bem parecido. Além disso, a ingenuidade e atitude marcantes do personagem da série Joey (Matthew LeBlanc) podem ser relacionadas com a do personagem Kirby Keger, vivido por Emilio Estevez - que aqui é visualmente uma cópia idêntica de seu pai, o também ator Michael Cheen (sim, ele é irmão do problemático Charlie Cheen). Além dessas comparações mais diretas, tem ainda o fato dos personagens sempre se reunirem em um bar, como os do seriado faziam. Por isso, é certo que todos os fãs do seriado sejam conquistados pelo filme, que sem dúvida foi uma inspiração.


Mas apesar desse destaque especial aqui feito, todos os atores estão a vontade nos papéis, e é impossível não se identificar com seus dramas e modos de pensar. Não esqueçamos que aqui escreve um adolescente em fase semelhante à vivida por eles, o que justifica essa grande identificação. Ally Sheedy (como a romântica Leslie) e Mare Winningham - que vive a tímida e virgem Wendy, e ironicamente estava grávida durante as gravações - se tornaram queridinhas em produões alternativas graças à participação nesse filme. Mas o grande destaque feminino é Demi Moore, em sua estréia nas telas. Normalmente em papéis dramáticos, aqui ela vive a liberal Jules, uma adolescente com visual e atitude bem diferentes dos que a marcaram. Na época, ela tinha problemas com drogas semelhantes aos da personagem, mas se internou numa clínica de reabilitação e prometeu manter-se "limpa" para poder atuar. Mesmo parecendo um tanto forçada no decorrer do filme, é em uma inspirada cena perto do final que ela revela o verdadeiro drama da personagem - e o verdadeiro talento e versatilidade como atriz, que o mundo viria a conhecer melhor mais tarde.

Já no time masculino, além dos dois atores já citados, outro que rouba a cena é Judd Nelson , que no mesmo ano havia atuado em outro clássico moderno, "O Clube dos Cinco" - onde inclusive contracenava com Sheedy e Estevez. Na pele de Alec, o mais sério do grupo e namorado de Leslie, o ator atrai a atenção em cena para si com seu olhar penetrante idêntico ao de Al Pacino. Mas provavelmente mais lembrado é Billy, o saxofonista e rebelde sem causa vivido por Rob Lowe, aqui no auge de sua carreira.

Mas não só de novatos é formado o elenco. A musa dos anos 80 Andie MacDowell vive a paixão platônica e não correspondida de Kirby, adicionando beleza às cenas em que aparece. Outra presença pouco creditada é a do veterano Martin Balsam, que tinha atuado anteriormente em obras-primas como "Sindicato de Ladrões"(1954) e "Psicose"(1960) e aqui desempenha um de seus últimos papéis - como o pai conservador de Wendy - , mostrando como faz diferença ter um ator clássico em cena.


O mais curioso, após a exibição de tal filme, é notar que ele em momento algum parece datado, mesmo se passando há mais de 25 anos atrás. Todos os dramas, atitudes e gostos dos personagens são tão naturais e genuínos, que o filme não fica com aquela cara de "clássico dos anos 80" tão pesada em outros filmes - como no próprio "Curtindo a Vida Adoidado". Que jovem nunca se apaixonou pela melhor amiga, como Kevin? Quem nunca fez uma loucura por amor, como Kirby? Quem nunca pensou em desistir de tudo, como Jules e Billy? Quem nunca quis provar que é capaz de tomar as próprias decisões, como Wendy? E que aparente "casal perfeito" não passou por sérias crises, como Leslie e Alec? As possibilidades de identificação são várias, basta escolher uma. A única cena datada do longa, que acaba por isso até adicionando certo humor, é a discussão do casal em crise para ver quem fica com determinados discos. é um calderão pop, onde estão estão os melhores diálogos, que acaba de maneira cortante pela frase que namorados nunca querem falar: "Eu não acredito que isso está acontecendo com a gente." Uma abordagem atemporal e corajosa, falando abertamente de sexo entre amigos, uso de camisinha e traição muito antes de produções mais recentes consideradas "polêmicas".

Mas a melhor cena do filme é a que o define. Já antes citada, é a em que Moore revela seu talento, e onde ela tem uma franca conversa com Billy, e ele lhe explica o que seria o "Fogo-de-Sant'Elmo" - o título original do filme, "St. Elmo Fire", que muitos acreditam se referir apenas ao bar em que eles sempre se encontram. Trata-se um fenômeno que não existe, mas foi criado por aqueles que queriam acreditar em algo para poder, assim, prosseguir na vida. Ao dizer "É isso que está acontecendo conosco agora", Lowe olha para a câmera, mesmo que de forma discreta. É ele nos encarando, se dirigindo a nós. E sim, ele estava certo, é isso que muitas vezes está acontecendo - ou precisa acontecer - conosco.


Esses são alguns detalhes que tornam "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" uma grata surpresa, candidato a uma vaga em "filmes favoritos dos anos 80". E prova de que Joel Schumacher, apesar de bombas como "Batman & Robin" (1997), tem grande sensibilidade como diretor. A adaptação gigante dada ao título do filme sem dúvida cai bem. A cena final, em que o grupo de amigos, já sem um integrante, encara uma nova turma de jovens ocupando o seu lugar habitual, dá um aperto em nossos corações, por representar de forma clara que nenhuma amizade é eterna, e mesmo que a chama da amizade se mantenha, não supera o efeito implacável do tempo, que tende a transformar tudo em lembranças. Enfim: a vida, como ela é.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Origem - "X Men - Primeira Classe" injeta fôlego e frescor em franquia Marvel


Todo homem é resultado de fatos marcantes em sua vida, e vários filmes se dedicam a mostrar a origem de personagens icônicos: Darth Vader (na nova trilogia Star Wars), Hannibal Lecter (em "Hannibal - A Origem do Mal"), Superman (no filme de 1978 e a série "Smallville") e Wolverine são exemplos de personagens que tiveram sua infância e amadurecimento detalhadamente trabalhado em superproduções. O interesse em investigar a origem desses ícones da nossa cultura sempre instigaram nossa curiosidade, e justifica a boa aceitação de público e crítica em relação a "X-Men - Primeira Classe" . Mais do que uma simples continuação oportunista, essa produção mergulha em uma interessante abordagem para mostrar toda a humanidade existente na relação entre os personagens Professor Xavier e Magneto. Mas o que essa nova produção tem de diferente? Explico.

É curioso comparar a franquia X-Men com as demais adaptações de quadrinhos da Marvel para os cinemas. Os filmes baseados nas aventuras de mutantes optaram - desde o início, em 2000 - por uma abordagem mais realista, mudando o uniforme e visual de personagens radicalmente. A iniciativa, capitaneada pelo diretor Bryan Singer, foi muito bem aceita até pelos fãs mais fervorosos, o que garantiu o sucesso do original e de sua sequência(2003), ambos comandados por ele. Mesmo no terceiro filme, bem mais voltado para a ação e para um desfile de personagens desnecessários, o tom realista ainda estava presente.


Acabada a trilogia, e após uma fraca aventura-solo do mascote do grupo - Wolverine (2009)-, Singer decidiu voltar à franquia, mas seu compromisso com "Jack and the Giant Killer" (2012) não permitiu que ele ocupasse o posto de diretor, e ele assumiu prontamente a função de produtor, decidido a inserir mais originalidade na trama. Visando o tom realista, Singer chamou Matthew Vaughn para comandar a empreitada. Motivo: Vaughn dirigiu "Kick Ass - Quebrando Tudo"(2010), divertido filme que mostrava a vida de um garoto sem superpoderes que resolve dar uma de herói - sofrendo as consequências dessa atitude. Ainda com "Stardust - O Mistério da Estrela" no currículo, a direção de Vaughn garantiria pelo menos entretenimento e diversão de qualidade. Mas o grande trunfo desse filme, na verdade, estava no roteiro.

Uma característica positiva diferencia "X Men - Primeira Classe" dos demais filmes desse gênero: enquanto cada herói vive em seu próprio mundo, com seus próprios dramas, personagens e realidades - vide Thor, Hulk, Quarteto Fantástico e outros seres fantásticos da Marvel -, aqui os X-Men foram muito bem inseridos no período da Guerra Fria, atuando em um momento decisivo do século XX com acontecimentos e pessoas reais. Isso permite que em certos momentos o filme adquira o tom de filmes de espionagem no melhor estilo James Bond, algo inédito nesse gênero. O presidente J.F.Kennedy, inclusive, tem grande participação no filme, que faz largo uso de material histórico. É uma abordagem diferente e muito bem-vinda, não usada de forma tão inspirada como no filmaço que é "Watchmen"(2009), mas mesmo assim mostrando que adaptações de quadrinhos podem sim ser bem pensadas e executadas, sem terem que seguir uma fórmula já clichê.


Cravados no imaginário popular na trilogia inicial pela caracterização impecável de Patrick Stewart e Ian Mckellen, respectivamente, os personagens Professor X e Magneto não são o foco aqui: o verdadeiro ônus do filme é mostrar o início da amizade e carreira de Charles Xavier e Erik Lehnsherr, os homens por trás desses apelidos. E para interpretá-los, os produtores tinham a difícil tarefa de encontrar uma dupla de atores que conseguisse realizar um trabalho único sem deixar de lado as encarnações anteriores. E isso, sem dúvida, conseguiram. O filme é todo de James McAvoy e Michael Fassbender, e só deles. McAvoy, que já mostrara seu enorme talento em "Desejo e Reparação"(2007), prova ser um dos grandes atores de sua geração dando vida a um descontraído e galanteador Xavier, que inicialmente em nada lembra o sereno personagem de Stewart. Fassbender - famoso por sua participação em "Bastardos Inglórios" (2009) - parece uma espécie de James Bond vingativo em ação, criando grande empatia com o espectador. E assim, nós observamos a relação entre os personagens se desenvolver de maneira natural e emocionante ao longo dos 132 minutos de filme. O mesmo pode se dizer da personagem Mística - ou melhor, Raven Darkholme -, que se nos outros filmes era mera coadjuvante, aqui tem papel importante na trama, encarnada de forma eficiente pela bela Jennifer Lawrence (indicada ao Oscar aos 20 anos por "Inverno da Alma"(2010)). Entendemos como ela, a melhor amiga de Xavier, acaba se tornando a mais fiel comparsa de Magneto. E no desenrolar das ações e embate de opiniões, vemos nascer aqueles personagens que já conhecemos, e entendemosos motivos que os levaram até aquela rivalidade.

Por ser um filme sobre um grupo de jovens mutantes, é normal que acabasse tendo cenas voltadas para a descoberta desses poderes, com direito a doses de humor. Apesar de desnecessárias e até um pouco clichês, essas cenas são dosadas com outras de grande valor dramático e sentimental, como por exemplo a de Charles ajudando Erik a controlar seus poderes, entrando em sua mente - culminando na cena impecável em que Erik levanta um submarino, visualmente uma das mais belas até agora em filmes de heróis. São cenas que focam no emocional de forma profunda, e mesmo sabendo que são personagens de uma história em quadrinho de super-heróis, acabamos nos comovendo ao identificar neles sentimentos tão puros e humanos. E essa identificação é o grande trunfo por trás do filme, que (não esqueçamos) trata de mutantes.


Além de trazer o sumido Kevin Bacon de volta a uma grande produção - canastrão como nunca como o vilão da vez -, o filme ainda é embelezado pela discreta atuação de January Jones, no papel da sensual e misteriosa Emma Frost. Além disso, conta com brilhantes participações de Hugh Jackman (adivinhem no papel de quem...) e de Rebecca Romijn ( a Mística dos filmes anteriores), em sacadas muito boas. Os mais atentos perceberão também a presença de outros mutantes famosos em rápidas aparições - Tempestade, Ciclope... mesmo que rapidamente, estão todos lá. Até o personagem Fera, abordado de maneira superficial no terceiro filme da saga, é representado dessa vez de forma bem mais envolvente - e humana. Curioso é notar que esse é o primeiro filme da Marvel - pelo menos até agora - que não conta com a manjada "aparição especial de Stan Lee". Prova de que essa produção procura mudar o rumo das demais, focando em uma história mais séria.

Mesmo com o final previsível e pouco inspirado, "X-Men - Primeira Classe" é uma grata surpresa para quem espera apenas mais um filme de super-heróis - um gênero que cá entre nós, já está cansando e ficará mais forte nos próximos meses com "Capitão América" e "Lanterna Verde". Apesar das aparências, esse é um filme sobre duas pessoas extraordinárias, onde suas habilidades especiais são apenas um detalhe a mais.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Eu, Robô - O encanto inabalável de "Blade Runner - O Caçador de Andróides"


É revendo filmes que certificamos o quanto gostamos deles e descobrimos seus detalhes mais interessantes. E foi revendo “Blade Runner – O Caçador de Andróides” que enfim compreendi a grande adoração existente em torno desse (hoje em dia, já) clássico da ficção científica. Ao assistir a versão original pela primeira vez, não entendi o porquê daquele filme de estrutura tão simples ser tão estudado e cultuado. Olhos de criança assistiam a um produto feito para olhos maduros, o que justifica ele não ter inicialmente respondido às minhas expectativas.

Mais tarde, viria a saber que aquela versão à qual assisti, lançada originalmente em 1982, fora um grande fracasso de bilheteria. Riddley Scott, diretor da obra, teve que se submeter às vontades do estúdio, incluindo até um “final feliz” imposto pelos produtores. Mas Scott, que na época era ainda badalado pelo filmaço “Alien – O Oitavo Passageiro” - lançado em 1979 - , não abriria mão facilmente de sua obra-prima. E assim, foi um dos primeiros cineastas a lançar a hoje já consagrada “Versão do Diretor”, em 1991. Essa versão deixava de lado a didática e desnecessária narração em off do protagonista e tinha um final alternativo mais condizente com a trama. Essa versão foi a que revi, 20 anos após ser lançada. E essa versão que me explicou o porquê do mito.


Adaptação do livro de Philip K. Dick, “Do Androids Dream at Eletric Sheep?”, o filme que viria a se tornar um dos grandes “cults” da história do cinema - inspirando moda, animação, música e, obviamente, cinema – tinha passado pelas mãos de Martin Scorsese ainda no começo de sua carreira. Esse optou por filmar “Táxi Driver”(1976), deixando o projeto à espera de um diretor que conseguisse transmitir o clima caótico e pessimista proposto pela obra. Após dar uma aula de suspense e criação de tensão no claustrofóbico filme original da série "Alien", ficou claro que o melhor homem para esse trabalho seria Riddley Scott. Mestre na arte de fazer grandes filmes, Scott é um diretor que sabe como poucos usar o cenário a favor de uma história - como provam esses dois filmes e, mais tarde, o pretensioso “Gladiador” (2000) - , apesar de não receber todo o reconhecimento que merece. Aos 72 anos, continua realizando grandes filmes, muitas vezes esnobados pelo público, como foi o caso de “O Gângster” (2007).

Mas voltando ao filme. “Blade Runner” tem uma premissa simples, que acompanha Rick Deckard (um Harrison Ford no auge da carreira) em sua última missão antes de se aposentar: caçador de andróides, ele deve “aposentar” – ou seja, executar – um grupo rebelde de replicantes, andróides dotados de emoções tão reais quanto os humanos que os construíram. E é basicamente isso, com estrutura dos filmes de detetive dos anos 40, sem grandes surpresas ao longo do filme. Claro que as coisas mudam um pouco de rumo quando Deckard acaba se apaixonando por um dos robôs que deve eliminar, encarnado pela sumida Sean Young, que com seu olhar penetrante dá vida (literalmente) a um dos andróides mais sensuais já vistos, mesmo sem fazer muito esforço.


Mas o grande legado do filme é sem dúvida visual. Uma versão mais sombria e decadente da cidade de “Metropolis” (1927), de Fritz Lang, os arranha-céus de “Blade Runner” são ainda hoje uma das visões mais assustadoras – e possíveis – do que seria o futuro do homem no planeta Terra, sendo ainda mais incômoda após se passar uma noite na cidade de São Paulo. As semelhanças são gritantes, e o filme se passa em 2019, ou seja... ainda dá tempo. Além de uma aula de direção de arte, com cenários que de tão líricos parecem uma versão futurista de Federico Fellini – principalmente o grande casarão repleto de robôs que serve de residência para J.F. Sebastian (William Sanderson), ele mesmo um personagem felliniano -, o filme é ainda uma aula de fotografia, com uma iluminação que destaca cada um dos atores tornando cada cena um verdadeiro quadro em movimento. De quebra, a trilha sonora composta por Vangelis – autor da famosa música de “Carruagens de Fogo”(1984), que virou lugar comum em corridas – facilita mais ainda na climatização, gerando frio na espinha em total sintonia com as imagens.

Harrison Ford teve vários problemas com Scott durante as tumultuadas filmagens. Vivendo um personagem que é a antítese de Han Solo (da série Star Wars) e Indiana Jones, os grandes ícones que o eternizaram no cinema, Ford ainda tinha um relacionamento ruim com Young, seu par romântico nas telas. Até hoje Ford pouco fala ou comenta dessa produção, mas esse sentimento de insatisfação caiu bem ao personagem e inclusive contribuiu na atuação. É o caso em que pequenos ressentimentos e detalhes pessoais acabam contribuindo na construção de uma obra-prima.


Poucas vezes um filme reuniu tantos rostos marcantes e únicos em uma só produção: os traços ingênuos de Young, a presença misteriosa de Joe Turkell – o barman que assombrava um atordoado Jack Nicholson em “O Iluminado” (1980) e aqui era Tyrell, a encarnação de Deus para os andróides – e a hipnótica composição de personagem de Daryl Hannah e, principalmente, Rutger Hauer, icônicos no papel dos replicantes. Hannah, mesmo com pouco tempo em cena, trabalha detalhadamente cada movimento de sua andróide Pris, conseguindo ser encantadora e assustadora na medida certa. E Hauer dá um show na pele de Roy Batty, o filosófico e frio líder dos replicantes, roubando todo o filme com sua atuação visceral. A cena do embate final entre ele e Deckard está eternizada como um dos momentos mais bonitos e reflexivos do cinema. O mais incômodo, porém, é perceber na relação entre os andróides uma humaninade maior do que na dos considerados humanos. Talves esse seja o ponto que torne “Blade Runner” tão diferente de outras produções que tentaram traçar caminho semelhante e se tornaram esquecíveis, como é o caso do filme que dá título a essa matéria. É mais que um mero filme de ação, mas um estudo sobre os limites da tecnologia e do sentimento humano, junto com “AI – Inteligência Artificial” (2001), filme pouco valorizado dirigido pelo “midas” Steven Spielberg.

Obra seminal de ficção científica ao lado de “2001 – Uma Odisséia no Espaço”(1968), “Blade Runner – O Caçador de Andróides” mistura ciência, existencialismo e poesia de forma nunca antes (e depois) vista nesse gênero. Obviamente, como todo filme cult, esse também deixa várias mensagens subliminares soltas durante os 116 minutos de duração: o prego na mão de Roy (menção à crucificação de Cristo?), a presença do enigmático personagem de Edward James Olmos e seus origamis, a aparição de um unicórnio em sonhos, o final em aberto e a interminável dúvida de Deckard ser ele próprio um replicante, como a iluminação em seu olhar indica em determinadas cenas rápidas. Será que ele é? Sinceramente: melhor não saber. Levar às perguntas é mais interessante do que dar as respostas. Riddley Scott sabia disso. Os fãs que cultuam esse filme há décadas também.