domingo, 18 de maio de 2014

A Doce Vida, Segundo Paolo Sorrentino - Uma Análise do Monumento Chamado "A Grande Beleza"



O título desse artigo é propositalmente ousado e aberto a polêmica. A evocação da inquestionável obra-prima de Federico Fellini feita em 1960, porém, não é gratuita. As primeiras divulgações e trailers de "A Grande Beleza" já evidenciavam uma chamativa semelhança com a obra de Fellini, até mesmo com ecos de outros clássicos do cultuado cineasta. Selecionado na competição oficial do festival de Cannes em 2013, o sexto filme de Paolo Sorrentino teve uma consagração internacional absoluta - que culminou com a vitória na última edição do Oscar.

Antes de ser rotulado apenas como "o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro", a obra de Sorrentino pode ser encarada como uma grande celebração ao Cinema Italiano. Comparar "La Grande Bellezza" à obra de Fellini é perigoso e prepotente, mas é impossível negar os ecos da filmografia do gênio italiano nas excêntricas imagens dessa produção. Todos os elementos-chave estão lá: as festas da alta sociedade, os personagens excêntricos, a crise existencial que permeia cada um, as reflexões filosóficas que movem o protagonista e o absurdo quase surreal da vida burguesa que o cerca. Apesar desses ecos e possíveis influências, no fim das contas Sorrentino realiza uma obra autoral com sua marca, fazendo uso de um humor ácido e cínico que lhe é característico.



O protagonista vivido por Toni Servillo tem uma aura que lembra inevitavelmente a persona de Marcello Mastroianni. Charme e estilo marcam o escritor e jornalista decadente Jep Gambardella, que vive da fama de tempos passados. Mas Servillo, um dos maiores atores em atividade na Itália, compõe seu papel de forma complexa e brilhante, com incrível carisma. Presente em clássicos modernos da filmografia italiana, como "Gomorra" (2007) e "Il Divo" (2008) - sua outra premiada parceria com Sorrentino -, Servillo se reinventa em cena, pegando inspiração nos ídolos do passado para criar um errante personagem deslocado com o século em que vive. Ou seja: é a essência dos protagonistas de Fellini, mas mergulhado nos novos tempos do século XXI.

É um filme longo - 142 minutos -, mas a viagem é prazerosa e purificadora se o público se permitir levar pelas hipnóticas imagens orquestradas por Sorrentino - desde a musical introdução até a poética conclusão, que fica em aberto dependendo do nível de recepção e envolvimento do espectador. As estonteantes locações italianas ajudam na imersão, além de servirem como evidências do museu a céu aberto que é aquele paraíso europeu chamado Itália.



Curiosamente, há ainda espaço para algumas imagens surreais que evocam a fase mais estilizada da carreira de Fellini, com obras como "Satyricon" (1969) e "Roma" (1972). São sequências pontuais que marcam intensamente o filme, como o escritório da editora anã, o "show" de uma pequena gênia da pintura e, principalmente, todo o bloco focado na centenária freira santa. Isso é perceptível até no uso de uma paleta de cores mais exagerada. Por um momento, Sorrentino adentra no mundo dos sonhos e do inconsciente sem pedir licença para o público. São duas as soluções possíveis: se distanciar diante de tamanho estranhamento, ou se deixar levar pelo intenso fluxo de imagens e pensamentos que movem a trama.  A segunda vale muito mais a pena.

São precisos olhos maduros para interpretar e captar a força de "La Grande Bellezza". Olhares mais ingênuos ficam presos nas polêmicas superficiais presentes na produção. Só que por trás de toda depravação, sexo, drogas, luxúria e exageros visuais mostrados na tela, está uma delicada e poética reflexão sobre a verdadeira grande beleza da vida. Com considerável potencial para polêmicas, o filme dividiu a opinião de muitos críticos, mas vale aqui lembrar que poucos foram os que admiraram obras como "A Doce Vida" e "A Aventura" na época de seus lançamentos. Filmes assim merecem ser assistidos mais de uma vez, merecem um estado de espírito determinado e especial durante suas exibições. Assim, cabe à História colocar "A Grande Beleza" no posto que merece: o de nova obra-prima do Cinema Italiano.