sexta-feira, 30 de março de 2012

Era Uma Vez Na América - A Saga da Família Corleone Completa Quatro Décadas

O silêncio da tela escura é quebrado por uma triste música, quase fúnebre. A primeira frase vem sem aviso:"Eu acredito na América". E assim começa a saga que mudou a história de Hollywood e continua ainda hoje no topo das listas de "Melhores Filmes" - inclusive na do autor deste artigo. Mas vamos ao que interessa, há 40 anos atrás.

No dia 15 de março de 1972, chegava aos cinemas um filme... diferente. O curioso é que "O Poderoso Chefão" não parecia ter muitos atrativos na época de seu lançamento. Era um filme de gângsters - um gênero da década de 30 que estava então abandonado - e de longuíssima duração. Além disso, era repleto de atores desconhecidos e protagonizado por um astro em decadência - no caso, um desgastado Marlon Brando. Para piorar, a Paramount, estúdio responsável pela produção, não confiava no diretor escolhido. Dessas circunstâncias, nasceu uma obra-prima que superou todo e qualquer detalhe.

O produtor Robert Evans resolveu adaptar para o cinema "The Godfather", o inesperado best-seller de Mario Puzo. Após escolher o próprio Puzo para fazer o roteiro, começou a oferecer o projeto a vários diretores respeitados de Hollywood, como Elia Kazan e Sergio Leone. Todos recusaram, e restou a Evans depositar suas esperanças em um diretor novato, famoso por seus projetos independentes: Francis Ford Coppola. Vindo de uma família ítalo-americana, Coppola não gostou do projeto inicial por considerá-lo uma exaltação à Máfia. Ele resolveu trabalhar diretamente com Puzo na história. Como resultado, a palavra "máfia" não é pronunciada em quase nenhum momento do filme, que é sobre família, e não crime. Mas qualquer falha sua resultaria em demissão.

Em certos aspectos, o filme foi uma grande reunião familiar para Coppola. Carmine Coppola, seu pai, compôs músicas adicionais para a trilha imortal de Nino Rota - além de aparecer no filme tocando um piano na cena do casamento. Italia Coppola, sua mãe, foi figurante. Talia Shire, sua irmã, interpreta Connie Corleone. E Sofia Coppola, sua filha (e hoje diretora de talento), saiu do hospital direto para viver o filho recém nascido de Connie e Carlo - sua melhor "atuação", diga-se de passagem.

Apesar do "momento família", as filmagens foram tensas. Coppola recusou os astros Robert Redford, Warren Beatty e Dustin Hoffman para o papel chave da trama, o herdeiro Michael Corleone. Em seu lugar, escolheu o desconhecido e estranho Alfredo Pacino. Um astro estava nascendo, e com ele uma das melhores atuações do cinema - mas ninguém sabia disso ainda. Marlon Brando, o nome mais conhecido envolvido, raramente aparecia no set por estar envolvido nas filmagens de "O Último Tango em Paris". Quando aparecia, não tinha suas falas decoradas. Gravava tudo improvisando ou lendo cartazes colados nos cenários - certas vezes, até mesmo nos outros atores (!!). Com 47 anos na época, o astro sugeriu que seu personagem parecesse um bulldog. Durante os testes, Brando encheu as bochechas com algodão e o resultado caiu tão bem que foi incorporado à maquiagem que ele recebia para parecer um sessentão. O resto - os gestos, a fala, a voz e o modo de andar - é história.

Além de uma aula de atuação, direção e de como se contar uma história, "The Godfather" é também uma aula de iluminação, cortesia do genial trabalho de Gordon Willis. Seu cuidado com a fotografia gerou uma imagem "dourada" que permeia todo o filme, aumentando sua aura clássica. E vem daí um mito: há quem diga que a aparição de laranjas em determinadas cenas da trilogia anuncia que algo ruim vai acontecer. Vejamos: Don Vito Corleone é baleado enquanto compra laranjas em uma feira e morre no meio de laranjeiras, enquanto seu filho Sonny passa por um outdoor com laranjas antes de sofrer um atentado. Mas segundo Willis e o diretor de arte Dean Tavoularis, as frutas foram escolhidas apenas para clarear as cenas, sempre muito escuras. Coppola se aproveitou disso para brincar: na última cena de "O Poderoso Chefão - Parte III", pode-se ver uma laranja discretamente em cena.

O primeiro corte de "The Godfather" tinha 126 minutos. Em uma situação tão inédita quanto rara, a Paramount pediu que fossem incluídas mais cenas. Para o estúdio, o conflito familiar que envolve a sucessão nos negócios escusos da família - digno de Shakespeare - não estava claro. Coppola concordou, e incluiu quase 50 minutos a mais. Apesar disso, em nenhum momento o filme parece ser longo ou arrastado. Cada cena tem importância ímpar dentro da trama, nenhuma é dispensável. O corte final gerou um dos filmes mais redondos já produzidos, com um círculo perfeito de acontecimentos que acabam exatamente no ponto em que começou - do jeito que devia ser.

Acabadas as filmagens e a edição, o filme foi lançado e se tornou um sucesso de público imediatamente. Foi uma das raras e justas vezes em que o público teve noção da qualidade do filme a que assistia. O resultado: Oscars de Melhor Filme, Roteiro e Ator - que Brando recusou, mandando uma atriz vestida de índia para receber em seu lugar em "protesto ao tratamento dados aos índios pela indústria de Hollywood". Até hoje, um dos maiores micos do Oscar. Excentricidades à parte, foi esse papel que o fez passar de "ídolo da década de 50 em decadência" para "maior ator do cinema". Coisa pouca.

Mas não é essa a única herança do filme. Ele foi responsável por lançar grandes estrelas, como o próprio Pacino, Robert Duvall, James Caan e Diane Keaton. Poucas vezes Hollywood reuniu em um só filme um time tão bom, em todas as áreas. Além disso, são muitas as cenas marcantes que entraram para o imaginário popular. Talvez o melhor exemplo seja a cena da cabeça de cavalo. Durante os ensaios, uma cabeça falsa foi usada, mas na hora da gravação o grito de horror do ator John Marley foi verdadeiro. Não o avisaram que colocariam uma cabeça de verdade. Protetores dos animais, podem se acalmar: Coppola disse que a cabeça do cavalo foi doada por uma companhia de ração para cachorro. Logo, o animal não foi morto especificamente para o filme.

Nesses (ainda) poucos anos de vida, nunca vi alguém declarar que não gostou de "O Poderoso Chefão". Uma vez que se cria afinidade com um dos membros da família de mafiosos, a magia do cinema entra em ação. E já não se pode tirar os olhos da tela. É um filme que simplesmente funciona. Quarenta anos depois de sua estréia, filmes, desenhos e séries ainda fazem referências a cenas e frases marcantes da produção, que são facilmente reconhecidas pelo grande público. Quando alguém quer fingir que entende de cinema, normalmente usa esse filme como exemplo. E dá certo. Isso porque além de ainda inspirar inúmeros artistas - Tarantino que o diga -, "O Poderoso Chefão" foi essencial para tornar possível uma nova era no cinema. Um filme tão perfeito que muitos imaginaram que nunca seria superado. Isso até Coppola resolver fazer uma continuação. Mas aí, isso já é outra história...