segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Diretor Fantasma - Filme terminado por Polanski na cadeia chega aos cinemas


Em 27 de setembro de 2009, a convite do Festival de Cinema de Zurique, Roman Polanski viajou à Suíça para receber um prémio pela sua carreira cinematográfica, pontuada por grandes clássicos como "O Bebê de Rosemary"(1968) e "Chinatown"(1974). Surpreendentemente, acabou sendo preso pelas autoridades helvéticas sob a alegação de que um mandado internacional de prisão contra ele estava em vigor, devido à condenação por "relação sexual ilícita com uma menor de 13 anos", crime ocorrido em 1977 que ele mesmo assumiu ter cometido, sendo desde então um foragido, o que o fizera fugir dos EUA e se exilar na França.

Polêmicas à parte, o fato é que durante tudo isso, antes da prisão, o diretor franco-polonês estava rodando um novo filme, "O Escritor Fantasma" ("The Ghost Writer", no original), um thriller político protagonizado por Ewan McGregor. Na história, um ghostwriter (pessoa que escreve textos e livros assinados por outros), vivido por McGregor, é contratado para completar as memórias de Adam Lang (Pierce Brosnan, tentando ainda se livrar da imagem de ex-James Bond), primeiro-ministro da Inglaterra. Mas claro que as coisas começam a se complicar e logo o escritor acaba descobrindo segredos sobre uma conspiração mundial que coloca sua própria vida em perigo.


O roteiro, surpreendente, atual e muito bem pensado, representa e retrata de forma eficiente os atuais escândalos políticos que acontecem diariamente ao redor do mundo envolvendo figuras marcantes do poder. A abordagem é extremamente realista, e o personagem de Brosnan, aqui com uma atuação iluminada, tem clara inspiração na figura de Tony Blair, primeiro-ministro do Reino Unido entre 1997 e 2007.

Com seu grande talento em conduzir histórias com muitos desdobramentos, Polanski (que ganhou o Oscar de Direção em 2002 por "O Pianista") nos joga no centro da ação, conseguindo manter um clima de tensão crescente. A produção apresenta uma estrutura bem característica de seus filmes. Logo no começo da projeção, a ausência de créditos iniciais já é percebida. Mas o grande diferencial é que se trata de um filme com estrutura, estilo e visual europeu, mas com elenco de grande produção americana. Algo que só Polanski conseguiria, e aqui conseguiu de novo, mesmo com a edição final sendo feita já após sua prisão. O resultado foi o Urso de Prata de melhor direção no Festival de Berlim deste ano.


Todo o elenco se sai muito bem numa trama onde nada (nem ninguém) é exatamente o que parece. McGregor, que é um grande ator por natureza, como já provou em "Trainspotting"(1996) e na nova trilogia de "Star Wars", entre outros filmes, leva toda a historia com um inspirado desempenho em cena. Tom Wilkinson, como sempre, consegue roubar algumas cenas no discreto e pequeno papel do Dr. Paul Emmett. Olivia Williams também chama a atenção como a sofrida mulher de Lang. Outro destaque é Eli Wallach, ator veterano de filmes como "Três Homens em Conflito"(1966) e "Os Desajustados"(1960), aqui aos 94 anos em uma rápida participação como um senhor que é testemunha da cena do crime que dá início à trama.

Apesar do título de filme de terror, "O Escritor Fantasma" é um suspense que se em certas partes apresenta um ritmo um tanto parado e sombrio, consegue ganhar todo o público com seu inesperado e genial final. É a prova de que Polanski, cineasta, produtor, roteirista e até ator em certas ocasiões (como em seus próprios "Chinatown" e "A Dança dos Vampiros"(1967)), ainda mantém seu estilo único aos 76 anos de idade. Provavelmente tal frieza vista em seus trabalhos seja resultado de uma sofrida vida pessoal, na qual perdeu a mãe e a irmã em um campo de concentração na Segunda Guerra Mundial e teve sua esposa (e musa), a atriz Sharon Tate, brutalmente assassinada quando estava grávida em 1969 pela gangue do psicopata Charles Manson, num dos mais famosos e bárbaros crimes da história criminal americana. Nesse caso, os traumas ajudaram a construir um gênio.