quarta-feira, 2 de março de 2011

Enfim, o Discurso dos Reis: Ágil cerimônia do Oscar premia os já favoritos


Agilidade. Essa foi a palavra que resumiu a 83ª cerimônia do Oscar, que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas entrega anualmente desde 1928, quando premiou o mudo "Wings" como o primeiro Melhor Filme. Essa agilidade é consequência da tentativa de atrair um público maior (e mais jovem) à premiação, o que ficou evidente com a escalação dos queridinhos teens James Franco e Anne Hathaway como apresentadores, representando "a nova Hollywood".

Mas mesmo querendo inovar, o Oscar desse último dia 27 foi bem previsível, abrindo espaço apenas para algumas poucas surpresas, que de fato marcaram a noite. E a primeira delas foi, logo na abertura, um vídeo no qual os dois apresentadores eram inseridos digitalmente dentro de alguns filmes indicados. A brincadeira, que contou com a participação de Morgan Freeman (que sempre tem sua voz narrando algum filme e ali narrava a abertura) e de Alec Baldwin (que fora o apresentador do ano passado), foi muito bem pensada e realizada, e a interação entre apresentadores e personagens ficou muito bem feita. Assim, a festa começou animada e promissora.


O novo visual do cenário e a revisitação a antigos ganhadores do Oscar (começando por "..E o Vento Levou", de 1939), também prometiam emocionar na noite, mas foram artifícios pouco usados no decorrer da cerimônia, o que é uma pena. Outra pena foi o Brasil mais uma vez não ter levado o Oscar, tendo sido indicado esse ano a Melhor Documentário com "Lixo Extraordinário". Pouco chamativo para os americanos, a produção tinha de fato poucas chances, e o favorito "Trabalho Interno" levou.

Como é de praxe, o ator vencedor do prêmio de Coadjuvante do ano anterior sempre apresenta as indicadas ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. E quando todos esperavam Christopher Waltz (que levou por "Bastardos Inglórios" no ano passado), entrar no palco, eis que anunciam a entrada de Kirk Douglas, primeira grande surpresa da noite. Pai do ator Michael Douglas, Kirk foi um grande galã do cinema americano, tendo chegado a seu auge em 1960 com o personagem título de "Spartacus". O ator, um dos preferidos do diretor Stanley Kubrick (que o dirigiu no filme antes citado e em "Glória Feita de Sanque"), apareceu sem avisar na premiação depois de muitos anos longe dos holofotes. E, aos 94 anos, fez piadas e roubou o show pra si por alguns instantes. O público vibrou mais com sua presença e comentários do que com a esperada vitória de Melissa Leo, pela dura mãe de "O Vencedor". A atriz, fingindo (mal) surpresa, ainda mandou um palavrão ao vivo como se para ver se conseguia ter a atenção de volta para ela.


E assim foram as premiações voltadas para atuações: sem surpresas, atendendo às expectativas e apostas. Christian Bale venceu a dura disputa com Geoffrey Rush pelo Oscar de Coadjuvante, subindo no palco simpático e brincalhão. Quem conhece o seu jeito temperamental, viu ali que ele é de fato um grande ator. Barbudo para a cerimônia, teve ainda a chance de dedicar a estatueta à Dickie Eglund, que inspirou a atuação premiada em "O Vencedor" e estava presente no Kodak Theater.
A linda e talentosa Natalie Portman confirmou o favoritismo e teve seu talento enfim reconhecido pelo papel da bailarina perfeccionista de "Cisne Negro". Com a gravidez já bem avançada, Portman brilhou no palco e se destacou das demais convidadas por sua beleza radiante.
Colin Firth, aparentemente nervoso, subiu mais relaxado para receber seu inevitável Oscar por "O Discurso do Rei". Na hora de anunciar os indicados, a cena mostrada de Firth era exatamente a que, como eu dissera antes, mostrava todo seu talento e entrega ao personagem: o momento em que seu personagem se desespera ao saber que será o Rei da Inglaterra. Nada mais justo.

Mas injustiças também marcaram a cerimônia, principalmente o exagerado prêmio de Roteiro Original para "O Discurso do Rei". Apesar do emocionante agradecimento do roteirista David Seidler, todos os cinéfilos de plantão sabiam que aquela estatueta pertencia à Christopher Nolan e seu genial roteiro de "A Origem". Mas a Academia realmente não é apoiadora do estilo autoral de Nolan, e além de não indicá-lo à Melhor Diretor, tiraram esse Oscar de suas mãos. Algo semelhante aconteceu também com o prêmio de Melhor Diretor, o mais inesperado da noite. O grande favorito David Finhcer já preparava seu discurso de agradecimento quando Kathryn Bigelow (primeira mulher vencedora ano passado por "Guerra ao Terror") chamou o novato Tom Hooper ao palco. O inglês de 38 anos tinha apenas trabalhado na televisão antes de realizar o promissor filme de estréia sobre o rei gago que conquistou Hollywood. O Oscar sem dúvida impulsionará sua carreira. Mas foi um pouco triste ver Fincher, realizador de filmaços como "Clube da Luta" e "O Estranho Caso de Benjamin Button", sair de mãos abanando no projeto que o deixara mais proximo da aclamação. "A Rede Social" ficou com 4 Oscars, mas não os prêmios principais que pretendia.


Outro ponto de discussão foi a fraca atuação da dupla de apresentadores. Enquanto a carismática Anne Hathaway esbanjava animação e entusiasmo no palco, berrando, pulando e cantando, James Franco aparentava estar dopado e mumificado. A química entre os dois só se tornou perceptível na abertura já citada e no momento em que Franco apareceu no palco vestido de Marylin Monroe. O que houve com o animado ator visto em "127 Horas" antes de entrar no palco, ninguém sabe. O comediante Billy Crystal, um dos mais bem sucedidos apresentadores da história do Oscar (foi o anfitrião 8 vezes), fez uma participação especial e os 133 segundos em que tomou conta do palco foram melhores que toda a apresentação dos dois jovens astros juntos. De quebra, em um momento mágico proporcionado pela magia dos efeitos especiais, interagiu com Bob Hope (1903-2003) o maior anfitrião do Oscar, que criou essa "profissão", reprisando o comando da atração 18 (!) vezes.


Os mais atentos perceberam que a festa do Oscar foi mais curta esse ano. Não foi mera impressão: os produtores, temendo pelos índices de audiência, cortaram vários momentos do Oscar e aceleraram muitos outros. A homenagem aos falecidos do ano passado, que normalmente apresenta várias cenas de cada pessoa, esse ano mostrava apenas uma rápida e única imagem de cada um, não prestando o devido tributo a estrelas como Dennis Hopper, Tony Curtis, Leslie Nielsen, Blake Edwards e Patricia Neal. Outra falta sentida foi a entrega do Oscar honorário, que não é mais feita ao vivo, mas em uma "pré-festa" especial. De longe o momento mais emocionante das cerimônias, agora ele se resume a uma rápida exibição da outra festa. Assim, os premiados não tem a chance de agradecer ao vivo por um momento que, de certa forma, esperam há muito tempo. Nesse ano, três foram "agraciados" com o prêmio: o historiador de cinema e documentarista Kevin Brownlow, o grande ator Eli Wallach e o mito Jean-Luc Godard. Francis Ford Coppola ganhou o prêmio Irving Thalberg, especial para produtores, mas como já ganhara vários Oscar na carreira, não precisava de mais esse prêmio. Injustiça maior fom com Wallach, talentosíssimo ator que estrelou vários filmes, como "Os Desajustados" e "Três Homens em Conflito" e nunca fora reconhecido. Agora, aos 94 anos, não teve nem chance de agradecer ao vivo a tardia recompensa. Bem fez o recluso Godard, hoje com 80 anos, que nem apareceu.


E quando começou a passar uma ótima montagem dos 10 indicados a Melhor Filme, logo percebemos que ela era narrada pelo discurso do rei existente no final daquela produção. E nesse momento, podíamos ter certeza de que ele seria o grande vencedor, o que de fato aconteceu.
A iniciativa de juntar todos os vencedores da noite no palco ao final foi bem pensada, porém executada de maneira equivocada. Assim, lá ficaram os vencedores sem reação enquanto um coral de crianças cantava a clássica "Somewhere Over The Rainbow", eternizada por Judy Garland em "O Mágico de Oz".

Mas o ponto alto do Oscar, mesmo que pouco comentado, foi o momento em que Steven Spielberg (um dos "meninos-de-ouro" da Academia) subiu ao palco para anunciar o grande prêmio de Melhor Filme. E do alto de seu prestígio, disse:
"O filme que ganhar esse Oscar hoje entrará para uma grande lista que inclui "Sindicato de Ladrões", "Um Estranho no Ninho", "O Poderoso Chefão" e "Forrest Gump". E os que não levarem o Oscar entrarão para a lista que inclui "Vinhas da Ira", "Cidadão Kane", "Psicose" e "Touro Indomável"."
E com essa simples fala, que foi merecidamente seguida por aplausos, Spielberg declarou um tardio e justo "mea culpa" da Academia a grandes obra-primas que, com ou sem Oscar, entraram para história e mudaram o modo de fazer cinema.