terça-feira, 14 de junho de 2022

Cruise de Ferro - O Voo Alto e Triunfal de "Top Gun : Maverick"



Eu sinceramente não ligo muito pro "Top Gun" de 1986. Juro. 

Já assisti mais de duas vezes, sempre buscando entender onde estaria "tudo aquilo" que fez o filme virar referência cult imediata. E como alguém que não vê graça alguma no Top Gun original, escrevo aqui "bem alto": o novo "Top Gun: Maverick" é um FILMAÇO. Espetáculo em todos os sentidos. Cinemão. Arrebatador. Emoção de sobra. Tudo que os fãs podiam esperar que fosse, porém ainda além. O que aconteceu? Vamos analisar esse avião.


Para quem não assistiu o lançamento de 36 anos atrás, um resumo: o personagem do Tom Cruise, Pete "Maverick" Mitchell, era basicamente um jovem rebelde e arrogante. Aquele cara marrentinho do "é claro que eu sou incrível e faço o que quiser, tô nem aí pra ninguém". Um jeitão que inclusive acabaria moldando a personalidade do próprio Tom, como sabemos em suas ousadias sem dublês e no mesmo "eu faço o que quiser, tô nem aí". Tudo que acontecia ou dava errado ao longo do primeiro filme era simples consequência desse jeitão impulsivo, irresponsável. Ele era sim um bom piloto, porém basicamente um babaquinha. Indomável, como dizia o subtítulo brasileiro. Talvez seja esse o maior trunfo do novo, de primeira: o novo Maverick, 35 anos mais velho como o próprio astro, é um personagem que faz sentido. Faz as coisas com sentido. Um arco dramático e evolutivo fantástico, pelos ecos do que já viveu e do(s) que já perdeu. A relação com o "fantasma" de uma perda do passado, a relação conturbada com uma nova geração que o vê como algo ultrapassado, todas as punições e porradas já sofridas. Maverick, dessa vez, age com absoluta humanidade. É um ser humano que faz sentido. 

Outro ponto alto, involuntário e por isso ainda mais arrepiante, é troca afetiva com o agora veterano Iceman. Val Kilmer, astro dos anos 90 que estourou ali ao lado de Cruise, sobreviveu a um avançado câncer na garganta. A vitória, porém, o deixou sem voz e extremamente fragilizado. Detalhe cruel para um Ator. Cruise sabia que não faria sentido uma sequência sem a sua presença, e lutou por sua participação no projeto. Um reencontro mais esperado do que o novo filme em si, e que bate mais forte do que qualquer diálogo presente no original. Um tardio abraço que transborda pelos olhos de Tom Cruise, e pelos sons e suspiros que escapam na plateia. Aliás, são muitos os momentos de emoção à flor da pele. Quando paro para pensar, é como se eu até começasse a gostar mais do antigo agora - sem ele, não estaria aqui escrevendo sobre uma continuação, fantástica em quase tudo que o antigo não (me) empolgava. A própria equipe de pilotos, no original, era basicamente um grupo de modelos desfilando sem camisa num jogo de egos que lembrava a quinta série de qualquer colégio clichê. A famosa cena do vôlei na praia ainda exala vergonha alheia, gratuita como só. Agora o jogo é literalmente outro: uma quase mesma cena da nova equipe na praia tem o exato efeito oposto. Há ali a construção de um time, de personagens que passam a se importar com os outros, entre si. E, assim, passo também eu a me importar com aqueles seres na tela. Fica aqui um merecido "Valeu!!" ao diretor americano Joseph Kosinski, que tinha apenas 12 anos quando o primeiro chegou aos cinemas! Não é a primeira vez que ele lida com "material sagrado" dos anos 80: é dele a direção de "Tron - O Legado" (2010), que revisitava os personagens/universo do cult de 1982. Entre tantas continuações genéricas e franquias desgastadas, parece que Kosinski considera o fator Nostalgia por um prisma mais humanizado. 



São vários porém cuidadosos os ecos do filme de 86, nunca gratuitos. E isso conquista até "não convertidos", como eu. Todos os detalhes nostálgicos são de fato importantes para a evolução emocional do protagonista. Ainda que existam muitas menções à personagens do passado, são sempre os carismáticos novos nomes do (ótimo) elenco que movem a narrativa adiante. Um filme moderno que não se faz vítima do antigo. Sempre guiado pelo arco interno, sensorial. Tom Cruise já provou o ator dramático que consegue ser quando lhe interessa, mas sua maturidade  em cena surpreende de forma diferente. Há um detalhe simbólico no tabuleiro: moço Tom, em sua eterna visão jovial correndo de um lado pro outro, raras vezes viveu um Pai em seu currículo. Tirando a parceria com Spielberg no "Guerra dos Mundos" de 2005, seus Maverick e Ethan Hunt da franquia "Missão: Impossível" talvez sejam hoje os únicos "grandes heróis do mainstream" que ainda não assumiram a paternidade. Talvez um detalhe vital ao filme em questão. A trama principal lida diretamente com o choque entre Maverick e Rooster, filho de seu saudoso melhor amigo. Ainda ocorrem encontros fortíssimos e simbólicos com Amelia, filha adolescente do antigo amor vivido por Jennifer Connelly. De certa forma, as interações com esses dois jovens guiam a evolução interna de Maverick ao longo do filme. Miles Teller e Lyliana Wray driblam clichês e entregam faíscas sutis que mudam a atitude // postura do protagonista ao longo do roteiro. Emociona, humaniza. Escrevo sobre um grande blockbuster de altíssimo orçamento onde o Fator Humano pulsa e PREVALECE. 


Então é mais ou menos assim: o primeiro, de 1986, é diversão pra sessão da tarde, quase personagens de um joguinho de fliperama. A continuação podia ser uma genérica "nova ficha", apenas. Não é o caso. "Top Gun : Maverick" é sobre Fator Humano, sobre sobreviver e sentir o peso/pressão/aventura de estar vivo. Dá vontade de chegar aos 60 e manter contato com amigos queridos. E ainda ouso escrever: esse é o filme que todos os fãs de Star Wars queriam ter visto quando a Disney assumiu a saga. O desejo das gerações que cresceram acompanhando as aventuras daqueles icônicos personagens não era sentar numa sala de cinema pra ver como Han Solo, Luke e Leia iriam morrer e fazer tudo parecer "jogado pro alto". Esse é também o filme que os fãs de Blade Runner queriam quando anunciaram uma desnecessária sequência. Ninguém fazia questão de ver um Deckard desiludido e perdido entre novos personagens sem carisma algum - de quebra acabando com um dos mistérios em aberto mais legais da História do Cinema. Esse é também o filme que os fãs do Indiana Jones queriam ver em 2008, após 20 anos sem Harrison Ford com chapéu e chicote. Esse é algo que talvez nenhum Missão Impossível da recente safra tenha sequer chegado perto, após o terceiro filmaço de 2006. 



Mais polêmica à vista: as cenas de ação do original não eram lá tão empolgantes assim, cá entre nós. A batalha final do Star Wars de 1977 dava de 2 mil a zero, em decupagem visual e envolvimento entre os pilotos. Dessa vez, é uma experiência imersiva, à flor da pele. Dá pra sentir a gravidade mudar na cadeira, até porque os atores sentiam. Quase tudo realizado e captado sem o uso de efeitos especiais, com atores treinados a lidar com pressões das cabines e Cruise de fato lá dentro fazendo aqueles absurdos. Algo esperado, afinal ele é louco. Ele é o Maverick. 

A missão especial que puxa a trama pede que a equipe principal execute dois milagres, fundamentais pra tudo dar certo. Pois me parece que esse "Top Gun : Maverick" é, em si, o milagre. Presenciei uma sala de Cinema quase lotada em absoluto silêncio, inúmeras vezes ao longo da sessão. Consegui prestar atenção em pessoas vibrando nas cadeiras, rindo de nervoso, rindo com vontade, chorando de soluçar. Me vi completamente envolvido e arrepiado - eu mesmo, sempre indiferente ao original. De quebra, o filme foi lançado com pompa e luxo e tapete vermelho no Festival de Cannes (!), já rendeu mais de 700 milhões de dólares e se tornou o filme mais lucrativo da carreira de Tom Cruise. O que mais um cinemão pipoca desse porte pode desejar? É como se tivessem feito aquele show de testosterona em 1986 só para justificar e "dar razão de ser" para esse real FILMAÇO realizado 36 anos depois. É como se uma espera (não planejada) por mais de três décadas tivesse valido muito a pena. Pois vale. Vale demais.