terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nos Tempos da Brilhantina - "American Graffiti", a obra-prima desconhecida de George Lucas


Cada geração tem o filme marcante que merece. Para meus pais, o filme em questão foi "Curtindo a Vida Adoidado"(1986). Para mim, foi "Superbad - É Hoje!" (2007). Filme produzido pelo atual "rei da comédia" Judd Apatow, mostra a última noite de três amigos antes de eles irem para a faculdade seguir com a vida. Ou seja, sua busca por garotas, bebidas e diversão. O interessante é que esse filme, embora poucos saibam, tem muitas características em comum com uma divertida produção de 1973, dirigida por ninguém menos que George Lucas. Isso mesmo, o homem por trás da saga Star Wars. Com vocês, "American Graffiti - Loucuras de Verão".

Em 1970, George Walton Lucas Jr. tinha acabado de lançar "THX 1138", uma cerebral adaptação de seu próprio curta de faculdade. Era um jovem diretor que sonhava em controlar seus projetos e que tinha como amigo o então pouco conhecido Francis Ford Coppola. Após o público rejeitar a versão - editada pelo estúdio - de seu filme de estréia, Lucas entrou em depressão. Mas bastou Coppola declarar que ele não conseguiria fazer um filmes leve e divertido para a inspiração voltar.


Disposto a fazer um filme "sobre e para jovens", Lucas escreveu e realizou "American Graffiti", cujas filmagens foram concluídas em apenas 29 dias. Na trama, Curt e Steve se metem em confusões por sua cidadezinha de interior no último dia do verão de 1962, antes de partirem para a universidade. A aceitação do público foi tão grande que ele recuperou o orçamento de 770 mil dólares em poucas semanas e recebeu 5 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor.

Mas o curioso é prestar atenção no elenco do filme. Disposto a escalar apenas atores desconhecidos para os papéis, Lucas acabou descobrindo um grupo que ficaria conhecido no cinema. Chega a ser engraçado ver Richard Dreyfuss ainda cheirando a talco em seu primeiro papel de destaque como o confuso Curt. Mais tarde ele seria alçado ao posto de astro por filmes como "Tubarão"(1975) e "Contatos Imediatos de Terceiro Grau"(1977), ambos sob o comando de Steven Spielberg - por sinal, um grande amigo pessoal de Lucas. Mais interessante é observar o posteriormente oscarizado diretor Ron Howard ("Uma Mente Brilhante", "O Código Da Vinci") atacando como ator no papel do orgulhoso Steve, em uma época em que até tinha cabelo.


O filme é repleto de rostos marcantes, mas nenhum é mais memorável do que o de Charles Martin Smith. Vendo seu personagem Terry "Toad" em ação, não é difícil saber de onde veio a inspiração para o personagem McLovin, que rouba a cena em "Superbad". Aqui as atenções se voltam para o hilário Smith. Seu tipo físico acabou o prendendo em personagens voltados para o humor, e isso dificultou a carreira posterior do ator, que só teve destaque novamente no filmaço "Os Intocáveis"(1987). Outro ponto alto do filme é a presença de Paul Le Mat, que faz em sua caracterização uma clara homenagem a James Dean. Ator mais carismático em cena, ele infelizmente foi um galã que não deu certo, sendo famoso apenas por esse filme. Pela atuação aqui apresentada, prometia muito mais.

Mas o destaque absoluto vai, sem dúvida, para a participação de cerca de 15 minutos de um futuro astro do cinema. "American Graffiti" é até hoje mais conhecido por ser o primeiro filme de Harrison Ford, antes dele sonhar ser eternizado como Indiana Jones. Ford se recusou a cortar o cabelo para as filmagens, já que o seu papel no filme era pequeno. Sugeriu então que seu personagem usasse um chapéu. E assim aparece em cena como o afobado Bob Falfa. A forte presença em cena chamou a atenção de Lucas, que quatro anos mais tarde o chamaria para o papel de um pirata espacial chamado Han Solo. O resto é história.


Antes de mais nada, esse filme é a grande prova do talento de George Lucas, que não está apenas resumido ao universo espacial de Star Wars. Depoimentos da época sugerem que Lucas tinha grande dificuldade na direção dos atores, contando com assistentes especiais voltados para essa tarefa. Mas sua sensibilidade como cineasta pode ser percebida em cada angulo de câmera usado. Mais voltados para os aspectos técnicos do longa, Lucas sabia aproveitar momentos inspirados dos atores. A cena em que Charles Martin Smith pula da moto que bate em um prédio logo no início do filme, não estava no roteiro. Na verdade, o ator perdeu o controle da moto, mas o Lucas decidiu por inserir aquilo no filme. Ponto para ele - e para o público, que já entrava no clima do filme na primeira cena.

A reconstituição do início da década de 60, ainda marcada pelas inovações tecnológicas e musicais da década de 50, é simplesmente perfeita, e ouso dizer que nenhum outro filme conseguiu (ainda) reproduzir aquele cenário de maneira tão natural e convincente. Além de ser um deleite para os fãs de carros antigos, a trilha sonora é um achado à parte, repleta de Chuck Berry, Buddy Holly e outros pioneiros do rock, o que só ajuda no efeito marcante das cenas tão bem planejadas por Lucas. Apresentando um humor ágil e inovador, ele ainda presta homenagem aos antigos radialistas que marcaram a cultura americana, centralizados na figura mística de Wolfman Jack, um famoso DJ americano das décadas de 60 e 70, que interpreta a si mesmo na cena mais bonita e inspirada do filme. Seus comentários ácidos e irônicos acompanham os personagens o tempo todoS e ajudam a definir uma era, cujo clima é cortado pelos frios letreiros que apresentam o destino dos personagens ao final da projeção.


No fim das contas, Lucas realiza com seu "American Graffiti" algo bem semelhante ao que Martin Scorsese fazia no mesmo ano com sua primeira obra-prima, "Caminhos Perigosos". Enquanto Scorsese focava nas violentas ruas de Nova York, Lucas investia na ingenuidade juvenil das pequenas cidades do interior. Enquanto Scorsese usava detalhes autobiográficos de sua infância em Little Italy, Lucas filmava cenas que vivera em sua juventude em Modesto, California. Um diretor de grande talento, que poderia ter feito muito mais coisa de qualidade além da fantástica saga espacial que o imortalizou na história do cinema. Não à toa, ajudou a marcar uma era.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

As Noites da Arábia - A Magia Atemporal de "O Ladrão de Bagdá"


A paixão irrefreável pelo cinema me levou a encontrar vários vídeos e montagens das melhores cenas e momentos dessa arte. Até fiz alguns deles, inclusive. O fato é que, invariavelmente, eu era surpreendido por uma lírica imagem de um homem montado em um cavalo cavalgando em direção aos céus. Tal cena me tocava intensamente, por deixar clara a magia do cinema. Cresci e amadureci sem descobrir de onde ela vinha.

Em outra ocasião, procurava imagens marcantes de filmes de aventura quando encontrei a foto hipnótica de um gênio gigante, idêntico ao do desenho "Aladdin" - que tanto marcou minha infância. Só que dessa vez, ele era de carne e osso. Lá estava o gênio, hipnótico e "real". O tempo passava, mas aquelas icônicas imagens continuavam fortes na cabeça. "Tenho que assistir a esses filmes", eu pensava.


Certo dia, no cineclube que frequento, a sessão da noite era "O Ladrão de Bagdá": uma aventura de 1940 que na verdade era a refilmagem do famoso clássico homônimo de 1924, estrelado por Douglas Fairbanks - esse, o primeiro herói do cinema. Fora isso, nada mais sabia sobre o longa. Começa o filme. Cenários suntuosos. Atores marcantes. Visual fantástico e hipnótico. Um homem atravessa os céus em um cavalo. A mais pura magia em celulóide. Mais um pouco e um gênio toma a tela de assalto. Tapetes voadores. Aranhas e polvos gigantes. Lá estavam todos os filmes de fantasia que eu tanto procurava, reunidos em um só.

Estrelada pelo "galã que não deu certo" chamado John Justin, "The Thief of Bagdad" foi uma "mega-produção" na época, a ponto do então todo-poderoso produtor Alexander Korda contratar 3 diretores (!) para filmar o roteiro preparado pelo próprio. Uma adaptação de "As Mil e Uma Noites", sagrado livro que tem a maioria das lendas e mitos indianos, persas e árabes. O grande apelo comercial do filme recaía sobre os incríveis efeitos visuais, que ainda hoje encantam - vide as cenas já citadas. Um truque usado até hoje foi usado pela primeira vez neste filme: a gravação em fundo azul para depois colocar o cenário colorido durante a edição. Técnicas e Technicolor para criar o melhor clima de ação e aventura possível. O resultado foram 3 Oscar da Academia de Cinema: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia e Melhores Efeitos Visuais e Sonoros.


O destaque vai para a presença de Conrad Veidt, eternizado como vilão na história do cinema por seus papéis em "O Gabinete do Dr. Caligari" (1919) e "Casablanca"(1942). Aqui, mais uma vez, usa seu aterrorizante olhar no papel do sinistro Jaffar - isso mesmo, o vilão de Aladdin em pessoa! Mas as atenções também se voltam para Sabu, ator indiano que ficou marcado por esse tipo de produção. Nunca emplacou outro sucesso, mas seu visual inspirou diretamente o personagem Hadji, do clássico desenho Johnny Quest.

O melhor é saber que, mais de 70 anos depois, a magia do filme continua funcionando. Mesmo parecendo ingênuo para os padrões atuais, "O Ladrão de Bagdá" lembra uma época em que entretenimento visual proporcionava mais qualidade e diversão do que "Transformers" ou filmes-pipoca atuais desse tipo. Algo que o primeiro "Piratas do Caribe" (2003) chegou bem perto de alcançar.


Tudo o que vem à nossa mente ao mencionarmos a Arábia e "As Mil e Uma Noites" pode ser encontrado em "O Ladrão de Bagdá". Inspirou diretamente produções como o já citado "Aladdin" e as aventuras de Indiana Jones, principalmente em "O Templo da Perdição" (1983). Não à toa, é um dos filmes favoritos de diretores consagrados, como Francis Ford Coppola e Martin Scorsese. Uma verdadeira jóia rara e muito valiosa, injustamente (ainda) esquecida em algum lugar do passado - mas preparada para cravar suas icônicas imagens na cabeça e no coração de muitas gerações do passado, do presente e do futuro. Alexander Korda ficaria orgulhoso do resultado.