domingo, 13 de dezembro de 2020

Bonequinha de Luxo - A Língua e o Carisma de Ossi Oswalda


A rebelde moça da imagem me conquistou na hora, pela carismática ousadia em plena Fase Muda do Cinema. Afinal, o ano era 1919 e os costumes eram outros - no caso, ultra conservadores. A imagem é do filme "Die Puppe / The Dool", divertidíssima farsa assinada pelo brilhante Ernst Lubitsch. O cineasta logo se tornaria mestre absoluto do Humor debochado e inteligente. Billy Wilder inclusive manteve por toda vida um quadro com a frase "O que Lubitsch faria?" em seu escritório, para guiar os processos criativos. Não é pouco! Voltando à carismática careta da moça, já era autêntica em nome: Oswalda, Ossi Oswalda. Após anos como bailarina e dançarina nos teatros de Berlim, ela conquistou Lubitsch e foi por ele dirigida em 12 filmes. Fizeram tudo isso apenas em quatro anos (!!), entre 1916-1920. 

Seu sucesso com o público foi tão grande que logo ficou conhecida como "a Mary Pickford Alemã" - num período em que, acredite, era ótimo ser comparada à "namoradinha da América". Em 1925 foi contratada pela UFA (então o maior estúdio de cinema do mundo) e chegou a ter um affair com Wilhelm, Príncipe Herdeiro da Alemanha. Invejável. 

A cruel pedra em seu caminho foi sonora… Quando surgiram os filmes falados, ela insistiu da Arte silenciosa. Só conseguiu papel em dois "talkies" pequenos e esnobados pelo público. Conseguiu juntar energias para fugir do Nazismo de Hitler e se estabeleceu em Praga nos anos 40. Pouco tempo depois, declarou falência. A carismática e popular Ossi Oswalda morreu em absoluta miséria, com apenas 50 anos. Tragicamente, no mesmo ano de 1947 em que seu velho amigo Ernst Lubitsch teve um infarto fatal - porém muito celebrado e ativo em Hollywood.

 


Embora muitas das obras estreladas por Ossi Oswalda sejam consideradas perdidas, é possível encontrar filmes na íntegra no Youtube ou por qualquer pesquisa rápida. Títulos centenários que comprovam a genialidade atemporal de Lubitsch e também da moça linguaruda. Como "Ich möchte kein Mann sein / I Don’t Want To Be A Man", outra parceria da dupla de 1918 onde Ossi se veste/comporta como homem e taca o terror na Alemanha. Oswalda foi uma mulher ousadíssima e livre muito antes dessa postura ser aplaudida pela sociedade. E talvez por isso mesmo, foi pelo Tempo silenciada e esquecida - como os clássicos que estrelou.
 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Cidadão Cav - O mais Internacional dos Brasileiros, Alberto Cavalcanti ( 1897 - 1982 )



 Quem foi Alberto Cavalcanti ?

Infelizmente, uma pergunta que poucos saberiam responder.

Mas ok - quem foi, esse tal de Alberto Cavalcanti?
Anos antes do nosso gigantesco Humberto Mauro enquadrar em sua câmera um Cinema com assinatura e textura de Brasil, um carioca nascido em Botafogo era destaque absoluto na Vanguarda Francesa. Sim. O ano era 1926 e Cavalcanti, já respeitado como cenógrafo e produtor, assumia a direção para captar a vida mundana de Paris com realismo invejável. Talvez o diferencial de seu "Rien que les Heures" fosse exatamente esse curioso olhar de estrangeiro. Ou melhor, de "cineasta do mundo", pois Cavalcanti foi o mais internacional dos cineastas brasileiros.

Não bastasse a produtiva carreira na França, o auge veio na Inglaterra: lá adaptou Dickens no clássico "As Vidas e Aventuras de Nicholas Nickleby" (1947) e gravou o cult absoluto "Dead of Night" (1945). Poucos cineastas tinham tanto respeito e moral no Ealing Studios, o que lhe garantiu presença em diversas produções estrangeiras e festivais internacionais. Aliás, uma década antes da (merecidíssima) Palma de Ouro de "O Pagador de Promessas" (1962), Cavalcanti entrou na seleção oficial do Festival de Cannes com "O Canto do Mar" (1953) - todinho gravado em Pernambuco e repleto de ecos do que mais adiante seria nomeado "Cinema Novo" por outra geração.
Brasileiro em essência, Cavalcanti foi convidado para o luxuoso cargo de Diretor de Produção da ambiciosa Companhia de Cinema Vera Cruz, tentativa de levantar uma Hollywood no interior de São Paulo. Por experiência vasta e prática, sabia que o país não tinha condições ideais para um estúdio de cinema daquele porte - o que gerou conflitos internos que o afastaram da companhia e, de certa forma, do país. Antes de partir, preparou e entregou o projeto do INC (Instituto Nacional do Cinema) diretamente para Getúlio Vargas. Driblou limitações de orçamento e encontrou sucesso popular nacional com "Simão, O Caolho" (1952) e "Mulher de Verdade" (1954) - todos em São Paulo. Não chegou a gravar no Rio, sua cidade natal.

Voltou para Europa direto para a casa de Bertolt Brecht na Alemanha, onde trabalhou com o próprio dramaturgo na adaptação da peça "Herr Puntila und Sein Knecht Matti", filme lançado em 1955 com aprovação total do autor. Amigo de Jean Renoir e Serguei Eisenstein, Alberto Cavalcanti não encontrou igual simpatia dos cineastas brasileiros. Morreu aos 85 anos em Paris, onde a classe artística o reconhecia e viveu intenso luto seguido de mostras e retrospectivas. Por aqui, se tornou discreto nome de uma rua no Recreio. Sua obra não aparece em livros sobre Cinema Brasileiro e nem é citada em faculdades de Cinema da cidade onde nasceu. Apenas uma biografia oficial dedicada à sua figura, escrita por Sergio Caldieri no já distante ano de 2005.

Mais um nome ativo, inovador, brilhante, fundamental e cruelmente esquecido da História do nosso Cinema Brasileiro. Seus filmes nacionais podem ser conferidos na íntegra no Youtube, além de diversos trechos das produções mudas que comprovam seu posto entre os gigantes da Imagem. Nunca é tarde para a descoberta e fascínio. Quem foi Alberto Cavalcanti?
Infelizmente, uma Vida que poucos sabem celebrar.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Cineasta Fantasma - A Obra perdida de Harry d'Abbadie d'Arrast


O homem de chapéu nessa foto, acredite se quiser, é Charles Chaplin sem o característico visual icônico. Ao seu lado está o cineasta Harry d'Abbadie d’Arrast. Você provavelmente nunca ouviu falar dele. Até mesmo os cinéfilos mais dedicados e cults pouco leram sobre ele. A razão é simples e cruel: toda sua obra foi perdida

Documentos e fotografias confirmam que ele foi assistente de Chaplin nas gravações da obra-prima "Em Busca do Ouro" (1925), mas seu nome não está nos créditos. Fritz Lang, gênio revolucionário na fase inicial do Cinema, diversas vezes declarou que d’Arrast realizou "oito dos mais belos filmes da História". Nunca serão vistos. Todos foram perdidos em incêndios ou por descaso dos estúdios. Esse verdadeiro extermínio era muitíssimo frequente antes dos anos 50, quando as mudanças para filmes Sonoros e Coloridos fez muitos produtores se livrarem de material antigo então considerado "obsoleto e descartável". Pelo menos 50 filmes assinados por John Ford são considerados perdidos. Isso não acontecia apenas nos Estados Unidos: dados históricos garantem que foram destruídos 80% dos filmes mudos na Itália e 70% na França. O massacre também foi intenso no Japão - dos 53 filmes que Ozu realizou, 21 desapareceram. 

Apenas com o surgimento das Cinematecas e órgãos de proteção à produção cinematográfica, as obras passaram a ser devidamente arquivadas e restauradas. Harry d'Abbadie d'Arrast não teve essa sorte. Nascido na Argentina, fez fama em Hollywood e teve sua obra brutalmente apagada da História. Morreu em 1968 sem receber nenhuma homenagem. Um cineasta-fantasma nos arquivos envelhecidos do século passado. 

*Porém, um grandioso milagre : uma cópia incompleta de sua comédia sonora "Laughter" (1930) foi recentemente descoberta e está disponível no Youtube. Estrelada por Nancy Carroll e Fredric March, a produção chegou a ser indicada ao Oscar de Melhor Roteiro daquele ano! Inspirou o remake alemão "Die Männer um Lucie" (1931) - também considerado perdido. Uma modesta salvação do esquecimento absoluto, um pequeno vislumbre para esse silencioso fantasma celebrado por Lang e outros sobreviventes daquela época. 



quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

"A Very Naughty Boy!" - Um Brinde ao Python Terry Jones ( 1942 - 2020 )



A página oficial do Monty Python postou, na manhã do dia 22 de Janeiro de 2020, a contagem que nenhum fã do grupo gostaria de ler. "Two down, four to go." Foi o modo anárquico e bem-humorado de anunciar a morte de um de seus membros fundadores e mais carismáticos. Terry Jones revelou publicamente seu diagnóstico de um tipo raro de demência em 2016, e desde então sua saúde se tornou cada vez mais frágil. Há mais de cinco décadas, Jones teve a ideia de formar um grupo de humor com o amigo Michael Palin, quando os dois ainda cursavam Literatura Inglesa na nobre e respeitada universidade de Oxford. Quem diria. Vale lembrar que até então os "times de humor" não eram habituais pelo mundo - um caso à parte na própria Inglaterra era o The Goon Show, restrito ao rádio. Pois logo se juntaram a Jones e Palin os excêntricos Graham Chapman, Eric Idle, John Cleese e o (único) americano Terry Gilliam. 
O resto é História - e das mais absurdamente hilárias! 

Além de membro ativo em cena, com uma coleção invejável de personalidades, Terrence Graham Parry Jones foi figura chave na organização e sucesso do grupo. Roteirista apaixonado, escreveu quase todo material original que o grupo gravou. Co-dirigiu "Em Busca do Cálice Sagrado" (1975) com o outro Terry do grupo, e depois assumiu sozinho o comando de "A Vida de Brian" (1979, o auge criativo e cultural do sexteto) e "O Sentido da Vida" (1983). Ou seja: era o cineasta oficial da gangue!
 
Terry Jones se torna o segundo membro oficial a apagar a luz, após a distante morte de Graham Chapman em 1989. Ainda que tenha sido uma vida festejada e já fosse uma perda esperada - e afinal, um cara de tantos sorrisos não merecia sofrer! -, é impossível fugir do tom agridoce de despedida. Terry Jones foi um simpático amigo cuja mão não apertei - mas quase próximo, em todo aquele entusiasmo e energia contagiante, por tantas maratonas e risadas compartilhadas. Que seja uma recepção com festa e danças, como no Paraíso de "The Meaning Of Life"! E como diria o próprio: Spam! Spam! Spam, Spam!
O Monty Python's Flying Circus perde hoje uma de suas asas. Two down, four to go.