terça-feira, 8 de outubro de 2013

Juventude Transviada – “De Menor”, um dos Grandes Destaques do Festival do Rio 2013.


Caru Alves de Souza é uma jovem cineasta de São Paulo. Como produtora da Tangerina Entretenimento, ela escreveu o roteiro de todos seus projetos. Fez os documentários “Mascarianas” (2008) e “Vestígios” (2011) para a TV Cultura antes de dirigir os curtas-metragens “Assunto de Família” (2011) e “O Mundo de Ulim e Oilut” (2012). Após essas experiências bem-sucedidas, era a hora de se aventurar no primeiro longa-metragem. O resultado estreou como um dos destaques da Première Brasil no Festival do Rio 2013.  E verdade seja dita: “De Menor” é uma das melhores produções nacionais dessa edição. Basta uma análise atenciosa para concordar que, em uma doce ironia com o título, trata-se de um filme de gente grande.

Também escrito por Caru, “De Menor” acompanha a personagem Helena, uma defensora pública de crianças e adolescentes no Fórum de Santos. Em paralelo com os problemas e inseguranças de sua profissão, ela cuida do meio-irmão Caio, com quem mora e tem uma relação de confiança – até o jovem começar a adotar comportamentos suspeitos. Diante dessa aparente simplicidade da trama, o que tornaria esse filme superior ou notável entre os outros lançamentos? Explico: é difícil ver um filme com tanta harmonia narrativa entre Direção, Fotografia e Edição. Ainda mais se pensarmos que se trata de um trabalho de estreia. A Direção sabe exatamente como quer abordar as ações, a Fotografia tem plena noção do que está enquadrando e revelando e a Edição tem total controle do ritmo adotado. E aqui entram as merecidas palmas para a câmera fluente do diretor de fotografia Jacob Solitrenick e para a sensibilidade do editor Willem Dias. Essa afinidade atrás das câmeras reflete na tela, tornando “De Menor” um filme incrivelmente agradável de assistir.



Já nas primeiras sequências, o filme demonstra estar seguro em toda a sua proposta. Embora isso seja esperado em qualquer produção que chega às telas de exibição, não é raro nos depararmos com filmes que se perdem em vários caminhos precipitados e soluções visuais equivocadas, deixando fugir o foco e a força de sua proposta central. Nesse sentido, “De Menor” funciona como um sopro de inspiração e originalidade na recente safra do cinema nacional.

A trama, propositalmente ou não, remete à obra do italiano Bernardo Bertolucci no momento em que centraliza grande parte das ações na complexa relação de dois personagens reunidos por uma situação altamente dramática. Assim como em “Io e Te”, mais recente filme do diretor, os conflitos e afinidades entre esses dois indivíduos – no caso, irmãos – são observados de forma íntima e intensa. Comparar a obra em questão com o cinema de Bertolucci é um dos elogios mais sinceros que posso fazer ao filme, e deve ser assim interpretado – como uma comparação elogiosa. Além disso, a escolha inspirada da trilha sonora eclética e pop que emula toda agressividade da adolescência faz relevante diferença no andamento do filme.


O filme conta com a participação de luxo dos grandes atores Rui Ricardo Dias – mais lembrado como intérprete do ex-presidente brasileiro na cinebiografia “Lula, o Filho do Brasil”(2010) – e de Caco Ciocler, mais uma vez exemplar em cena. Mesmo em personagens coadjuvantes, os atores conseguem alcançar momentos de brilho, seja esse brilho mais intenso ou mais discreto, de acordo com o que o momento pede. Mas, como já foi dito antes, a trama é focada em dois personagens: Helena e Caio. E para viver essa intensa e intimista relação, seria necessário encontrar dois atores jovens e incrivelmente talentosos. Missão dada, missão cumprida. “De Menor” tem na química entre Rita Batata e Giovanni Gallo seu ponto alto. São eles na foto comigo lá embaixo, após a exibição de estreia do filme. Juntos, os dois funcionam em plena sintonia e até se completam dramaticamente. O exemplo máximo dessa química é a cena na praia, logo no início, de uma leveza gritante e soluções visuais inspiradíssimas. Um sorriso involuntário toma qualquer rosto de assalto. O incrível trabalho e entrega da atriz Rita Batata merece uma atenção especial. Presente em praticamente todas as cenas do filme, é ela que carrega toda a carga dramática nos momentos-chave. O filme acaba, mas a força do seu olhar continua.

Vale também considerar a eficiente abordagem do universo escolhido: o ambiente de jovens infratores que veem seu futuro ser definido por “homens da lei” em tribunais de Justiça. Em diversos momentos, a diretora coloca diante da câmera jovens que, amadores ou não, passam genuinamente a mistura de ousadia e inocência tão marcante dessa juventude transviada. Mesmo com poucas falas, suas posturas e olhares entregam mais do que qualquer diálogo do roteiro poderia tentar reproduzir. A força dessas imagens e abordagens atravessa o filme. No final da projeção, nem nos damos conta de que se passaram apenas 77 minutos. Mas, nesse caso, a reduzida duração não é prejudicial. O filme funciona bem naquele tempo e ritmo, e alongá-lo poderia torná-lo redundante – afinal, a personagem completa sua jornada, da maneira que deveria ser. “De Menor” fica na cabeça como um trabalho eficiente, exemplar e inspirador, tanto tecnicamente quanto narrativamente. Em toda sua simplicidade, consegue alcançar e despertar muito mais do que muitas pretensiosas produções nacionais por aí. Mais do que isso, “De Menor” é a prova de que os nomes Caru Alves de Souza e Rita Batata mereciam ser lidos e ouvidos novamente em um futuro próximo. O Cinema Brasileiro de qualidade agradece.