Caru Alves de Souza é uma jovem cineasta de São Paulo. Como
produtora da Tangerina Entretenimento, ela escreveu o roteiro de todos seus projetos.
Fez os documentários “Mascarianas” (2008) e “Vestígios” (2011) para a TV
Cultura antes de dirigir os curtas-metragens “Assunto de Família” (2011) e “O
Mundo de Ulim e Oilut” (2012). Após essas experiências bem-sucedidas, era a
hora de se aventurar no primeiro longa-metragem. O resultado estreou como um
dos destaques da Première Brasil no Festival do Rio 2013. E verdade seja dita: “De Menor” é uma das
melhores produções nacionais dessa edição. Basta uma análise atenciosa para
concordar que, em uma doce ironia com o título, trata-se de um filme de gente
grande.
Também escrito por Caru, “De Menor”
acompanha a personagem Helena, uma defensora pública de crianças e adolescentes
no Fórum de Santos. Em paralelo com os problemas e inseguranças de sua
profissão, ela cuida do meio-irmão Caio, com quem mora e tem uma relação de
confiança – até o jovem começar a adotar comportamentos suspeitos. Diante dessa
aparente simplicidade da trama, o que tornaria esse filme superior ou notável
entre os outros lançamentos? Explico: é difícil ver um filme com tanta harmonia
narrativa entre Direção, Fotografia e Edição. Ainda mais se pensarmos que se
trata de um trabalho de estreia. A Direção sabe exatamente como quer abordar as
ações, a Fotografia tem plena noção do que está enquadrando e revelando e a
Edição tem total controle do ritmo adotado. E aqui entram as merecidas palmas
para a câmera fluente do diretor de fotografia Jacob Solitrenick e para a
sensibilidade do editor Willem Dias. Essa afinidade atrás das câmeras reflete
na tela, tornando “De Menor” um filme incrivelmente agradável de assistir.
Já nas primeiras sequências, o filme
demonstra estar seguro em toda a sua proposta. Embora isso seja esperado em
qualquer produção que chega às telas de exibição, não é raro nos depararmos com
filmes que se perdem em vários caminhos precipitados e soluções visuais
equivocadas, deixando fugir o foco e a força de sua proposta central. Nesse sentido,
“De Menor” funciona como um sopro de inspiração e originalidade na recente
safra do cinema nacional.
A trama, propositalmente ou não, remete
à obra do italiano Bernardo Bertolucci no momento em que centraliza grande
parte das ações na complexa relação de dois personagens reunidos por uma
situação altamente dramática. Assim como em “Io e Te”, mais recente filme do
diretor, os conflitos e afinidades entre esses dois indivíduos – no caso,
irmãos – são observados de forma íntima e intensa. Comparar a obra em
questão com o cinema de Bertolucci é um dos elogios mais sinceros que posso
fazer ao filme, e deve ser assim interpretado – como uma comparação elogiosa. Além
disso, a escolha inspirada da trilha sonora eclética e pop que emula toda
agressividade da adolescência faz relevante diferença no andamento do filme.
O filme conta com a participação de
luxo dos grandes atores Rui Ricardo Dias – mais lembrado como intérprete do
ex-presidente brasileiro na cinebiografia “Lula, o Filho do Brasil”(2010) – e de
Caco Ciocler, mais uma vez exemplar em cena. Mesmo em personagens coadjuvantes,
os atores conseguem alcançar momentos de brilho, seja esse brilho mais intenso
ou mais discreto, de acordo com o que o momento pede. Mas, como já foi dito
antes, a trama é focada em dois personagens: Helena e Caio. E para viver essa
intensa e intimista relação, seria necessário encontrar dois atores jovens e
incrivelmente talentosos. Missão dada, missão cumprida. “De Menor” tem na
química entre Rita Batata e Giovanni Gallo seu ponto alto. São eles na foto comigo lá embaixo, após a exibição de estreia do filme. Juntos, os dois
funcionam em plena sintonia e até se completam dramaticamente. O exemplo máximo
dessa química é a cena na praia, logo no início, de uma leveza gritante e
soluções visuais inspiradíssimas. Um sorriso involuntário toma qualquer rosto
de assalto. O incrível trabalho e entrega da atriz Rita Batata merece uma
atenção especial. Presente em praticamente todas as cenas do filme, é ela que
carrega toda a carga dramática nos momentos-chave. O filme acaba, mas
a força do seu olhar continua.
Vale também considerar a eficiente
abordagem do universo escolhido: o ambiente de jovens infratores que veem seu
futuro ser definido por “homens da lei” em tribunais de Justiça. Em diversos
momentos, a diretora coloca diante da câmera jovens que, amadores ou não,
passam genuinamente a mistura de ousadia e inocência tão marcante dessa
juventude transviada. Mesmo com poucas falas, suas posturas e olhares entregam
mais do que qualquer diálogo do roteiro poderia tentar reproduzir. A força
dessas imagens e abordagens atravessa o filme. No final da projeção, nem nos damos
conta de que se passaram apenas 77 minutos. Mas, nesse caso, a reduzida duração
não é prejudicial. O filme funciona bem naquele tempo e ritmo, e alongá-lo
poderia torná-lo redundante – afinal, a personagem completa sua jornada, da
maneira que deveria ser. “De Menor” fica na cabeça como um trabalho eficiente,
exemplar e inspirador, tanto tecnicamente quanto narrativamente. Em toda sua
simplicidade, consegue alcançar e despertar muito mais do que muitas pretensiosas
produções nacionais por aí. Mais do que isso, “De Menor” é a prova de que os
nomes Caru Alves de Souza e Rita Batata mereciam ser lidos e ouvidos novamente em
um futuro próximo. O Cinema Brasileiro de qualidade agradece.