terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Era Uma Vez Na América - A Nova Onda de Quentin Tarantino


Ame ou odeie, Quentin Jerome Tarantino é um dos mais cultuados diretores em atividade. Cineasta símbolo da década de 90, o americano vive acompanhado de polêmicas, sempre envolvendo o uso da violência em seus filmes. Não, o diretor não tem uma mente psicótica. A verdade é que grande parte do público e da crítica muitas vezes não sabe entrar na brincadeira proposta por ele. Desde que levou a Palma de Ouro em Cannes pelo genial "Pulp Fiction" (1994), Tarantino direcionou seu cinema para outra vertente: explorar ideias simples e inusitadas. Uma noiva que vira samurai para matar o homem que a traiu. Um dublê que tem como passatempo atropelar beldades com seu carro. Um grupo de judeus que resolve exterminar nazistas em plena Segunda Guerra. E, a bola da vez, um caubói negro em plena era escravocrata nos EUA do século XIX. Assim nasceu "Django Livre".

Cinéfilo de formação, Tarantino nunca escondeu sua paixão pelos clássicos do western spaghetti. Filmes como "Kill Bill - Vol.2" e "Bastardos Inglórios" já tinham ecos dos filmes de Sergio Leone e até faziam uso de certas músicas do famoso compositor Ennio Morricone. Para homenagear os dois ídolos, Tarantino chegou a chamar o roteiro original de "The Angel, the Bad and the Wise" - em referência à "The Good, The Bad and The Ugly" ("Três Homens em Conflito" por aqui), uma das obras-primas de Leone com trilha de Morricone. No fim das contas, optou por nomerar seu herói em homenagem à outro clássico do "bang bang": "Django", de 1966 - cujo protagonista, Franco Nero, faz uma impagável ponta no filme. Como fã do gênero, Tarantino nunca escondeu a vontade de fazer um western. Chegada a hora, era preciso um ator de respeito para encabeçar o projeto.


O personagem foi escrito com o todo-poderoso Will Smith em mente. Só que... O ator não aceitou o convite, por estar envolvido com outras produções. O fato é que não são poucos os atores interessados por encarnar um estiloso personagem de Quentin Tarantino na indústria. Ao saber do projeto, Jamie Foxx - vencedor do Oscar por "Ray" - correu atrás do diretor para convencê-lo de que era a escolha certa. A química foi instantânea, e ele foi aprovado. Foxx incorpora um rebelde espírito vingador, lembrando a todos que é sim um grande ator. Neto de uma ex-escrava, ele entrou tanto no personagem que até fez questão de usar seu próprio cavalo em cena. E lá está Cheetah no filme, contracenando com seu dono.

Em seus filmes, Tarantino revelou ao grande público rostos hoje famosos e adorados, como Uma Thurman, Michael Madsen, Tim Roth e até mesmo Samuel L. Jackson. A última aquisição do grupo foi o austríaco Christoph Waltz, premiadíssimo pelo genial Hans Landa de "Bastardos Inglórious". A relação entre ator-diretor foi a melhor possível, e o cineasta logo viu que poucos atores poderiam dar vida a seus excêntricos personagens de maneira tão eficiente. Pensando nisso, escreveu o Dr. King Schultz especialmente para Waltz, que inclusive o ajudou na criação de todo o roteiro. Escolha mais que acertada: o ator é puro carisma, do início ao fim - tanto que já levou um Globo de Ouro pelo personagem. Mais do que um faroeste autoral, Tarantino já tinha sua dupla dinâmica de caubóis.


Depois de conseguir atrair para seus ousados projetos astros do calibre de Bruce Willis, John Travolta, Robert De Niro e Brad Pitt, foi a vez de Leonardo DiCaprio entrar no barco. E nada de galãs para o cada vez mais talentoso sr. DiCaprio: aqui ele empresta seu famoso rosto a um excêntrico senhor de escravos, espécie de "vilão" da vez.. E o ator veste a camisa, apresentando um Calvin Candie repleto de trejeitos e jeitão afetado. Desde já, um dos pontos altos de sua carreira. Mas o destaque absoluto e especial vai para SAMUEL L. JACKSON (maiúsculo mesmo). Ou melhor, para o que teoricamente seria ele, de acordo com os créditos - até porque sem eles, ficaria bem dificil reconhecer o ator. Marcado por papéis de caras durões com umas pitadas de humor, Jackson revela aqui o monstro de ator que pode ser quando quer. O jeito de andar, falar, o olhar, gestual, visual... A composição que ele dá ao escravo racista (!) Stephen é completamente diferente de tudo que ele já fez. Injusto ter sido ignorado nos prêmios da Academia. Além de ser um dos personagens mais interessantes, é o melhor ator em cena. E nesse filme, nenhum dos dois méritos é pouco.

Só pelo quarteto fantástico de atores já citados, "Django Livre" é um filmaço que merece ser visto. Mas não é só isso. Vamos aos fatos. É o melhor filme do Tarantino? Não, não é. E nem era seu objetivo ser. Mas provavelmente é o mais divertido.O filme recebeu críticas pelo teor racista e por não ser fiel a alguns fatos da História Americana. Essas críticas vieram das tais "pessoas que não sabem brincar" - lembra delas do início do texto? "Bastardos Inglórios" já mostrava que o Tarantino não quer dar aulas de História, e sim reiventá-la a seu gosto. Afinal, é aí que entra em ação a "magia do cinema". Até a histórica organização racista Khu Khux Klan é parte da trama, mas sua participação serve mais como um alívio cômico do que como uma abordagem didática das iniciativas e crenças do grupo. E é assim que deve ser vista. Se a violência é, por vezes, gratuita, o mesmo não se pode dizer dos diálogos e citações - há no filme, além de inúmeras referências à clássicos do western e do blaxploitation (Shaft!), links diretos com "Bastardos Inglórios" e "Pulp Fiction". Cortesia da insanamente arquitetada mente do diretor e roteirista. Boa sorte para os fãs que se aventurarem a achar!


Tarantino é um diretor pop e não tem vergonha disso. Não é qualquer um que consegue inserir um agitado rap no meio de uma trama que se passa séculos atrás e mesmo assim fazer a mistura funcionar perfeitamente. A trilha sonora, inclusive, é a mais inspirada e perfeita já usada por Tarantino até aqui. Uma obra-prima à parte. Sejamos justos: chamar Tarantino de "diretor imaturo" é injustiça. Aos que o acusam de fazer sempre o mesmo filme, recomendo tanto "Bastardos Inglórios" quanto o mais recente título. Neles, qualquer um vê um diretor que tem sim seu estilo próprio e característico, mas sabe usá-lo de forma fluente à favor do que propõe. Como fazia um tal de Hicthcock. E as citações que antes envolviam o significado da música "Like A Virgin" ou a nomenclatura dos sanduíches do McDonalds hoje dão lugar a metáforas envolvendo Siegfried e Brunhilde, da mitologia nórdica. Imaturo? Acho que não.

"Django Livre" não é um filme perfeito. Até chega perto, não fosse, talvez, a longa duração - é o mais longo filme de Tarantino, com 165 minutos - ou algumas decisões pouco inspiradas do roteiro em sua segunda metade. Ainda assim, é um dos grandes destaques do ano, causando riso, tensão, arrepio e satisfação. Mais importante: é um filme que nos faz lembrar o porquê de irmos no cinema. Jamie Foxx disse em uma entrevista que após a gravação de uma tomada, Tarantino berrou para a equipe: "Ok, temos essa tomada. Mas vamos gravá-la mais uma vez para garantir. Sabem por que? Porque nós amamos fazer filmes!". E é isso que dá pra sentir no ar após os créditos finais: Quentin Tarantino ama escrever, dirigir, atuar (a participação do diretor é simplesmente hilária) e fazer filmes! Isso não é pouco. Não à toa, mesmo tendo apenas 8 (!) filmes no currículo, é um dos diretores mais adorados e cultuados do mundo. E, ame ou odeie, vai continuar sendo por um bom tempo.


Para celebrar Quentin Tarantino, não deixe de conferir a homenagem que fiz para o diretor: Tarantino's On, por Kaio Caiazzo

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Fonte da Juventude - Os Tempos Modernos Pelas Lentes de Veteranos do Cinema


Bernardo Bertolucci é um cineasta que merece todas as palmas e prêmios. Depois de realizar sua poética obra-prima em 1970 ("O Conformista"), ele chocou o mundo com "O "Último Tango em Paris"(1972) e ganhou o Oscar por "O Último Imperador" (1987). Quando não precisava provar para mais ninguém sua incrível sensibilidade e talento, apresentou ao mundo "Os Sonhadores"(2003). O filme foi alçado instantaneamente ao posto de "cult", transformando Eva Green em uma das musas do cinema contemporâneo. Mais do que isso: era um Bertolucci pop, renovado, que conseguia falar e retratar a juventude como alguém que a conhecia muito bem.

Corta para o Festival de Cannes, edição de 2012. Bertolucci, agora confinado à uma cadeira de rodas - devido à uma operação mal-sucedida na coluna -, estreia seu novo filme no grande evento de cinema de arte. Todas as atenções vão para "Io e Te", e todos os holofotes para o diretor italiano e sua dupla de atores, Jacopo Olme e Tea Falco - essa, por acaso, eleita a musa da edição do festival graças a esse trabalho. A produção, retorno do diretor aos cinemas após nove anos de hiato, é um filme modesto e simples. Mas em toda sua simplicidade, consegue ser um dos mais sensíveis e eficientes retratos da juventude a dar as caras no cinema por um bom tempo, muito graças à direção segura e inspirada de Bertolucci. Ah, detalhe: ele é um senhor de 71 anos de idade. Pois é.

  

Ao analisar o clima e ambientação de "Io e Te" rapidamente, podemos perceber alguns ecos de "Os Sonhadores" e ficar com a impressão de que o diretor viria a se repetir. Não é o caso. Apesar de alguns críticos maldosos terem insinuado uma relação incestuosa entre os irmãos protagonistas, Bertolucci apresenta uma obra muito menos ousada e polêmica do que de costume. Ainda assim, em certos momentos, o italiano brinda os espectadores com movimentos inusitados de câmera ou enquadramentos que o colocam acima de muitos cineastas em atividade. A atuação de Jacopo, à princípio incômoda, vai se adequando cada vez melhor à história - afinal, seu personagem é, de fato, incômodo e estranho. E se a bela Tea Falco não chegar a ser tão requisitada quanto Eva Green... Bem, não será por culpa de Bertolucci. Ele lhe entregou um papel de grande complexidade e a jovem atriz incorporou bem a personagem. Não fiquem surpresos se o nome dela passar a aparecer com mais frequência em um cinema perto de você.

Talvez pelo caratér mais "comportado" do filme, o burburinho em torno dele não tenha gerado a polêmica esperada. O resultado triste é que o filme ainda não estreou oficialmente no circuito brasileiro, sendo exibido apenas timidamente em mostras e festivais. O grande diferencial desse filme, o "fator bate-e-fica" sempre presente nos filmes de Bertolucci, é a sua abordagem da adolescência. Normalmente preso a produções clichês cheia de intrigas estudantis e desejos sexuais, esse período de descobertas é representado e analisado através de basicamente dois personagens em um único cenário. O ritmo da narrativa é calmo, mais voltado para o trabalho dos atores, como de costume na filmografia de Bertolucci. A inspirada trilha sonora só nos ajuda a mergulhar no universo dos dois irmãos problemáticos - cortesia do incrível gosto musical de Bertolucci, que passeia de The Cure a David Bowie. No final da projeção, uma certeza fica: Bertolucci, pelo conjunto da obra, é um dos maiores cineastas ainda vivos - se é que alguém ainda tinha dúvidas disso.


O fato curioso é que Bernardo Bertolucci, do alto de suas mais de sete décadas de vida, consegue explorar o tema "Juventude" muito melhor do que muitos diretores da chamada "Nova Geração". Isso nos leva a pensar, não? Chega a ser irônico pensar que diretores veteranos consigam abordar essa temática de forma tão mais certeira do que alguns jovens cineastas contemporâneos. Um exemplo claro disso são os filmes do americano Gus Van Sant. Poucas obras do cinema recente conseguem captar tão bem o universo adolescente como "Elefante" (2003) e "Paranoid Park" (2007). Indecisão, tensão, inconformismo, rebeldia, tudo que povoa essa fase inevitável de nossas vidas está lá. Tudo isso, inclusive, pulsa em "Io e Te".

Esse curioso caso não acontece apenas nesse gênero. Enquanto vários diretores novatos e promissores se aventuravam em filmes de suspense/ação que pouco cativavam ou engrenavam, eis que alguém do calibre de William Friedkin - diretor de clássicos eternos do cinema como "Operação França" e "O Exorcista" - saiu da aposentoria para mostrar como se faz. Aos 77 anos, Friedkin lançou recentemente "Killer Joe", protagonizado por um surpreendente Matthew Mcconaughey - ao lado do diretor na foto abaixo. Repleto de humor negro e personagens marcantes, o filme foi um dos grandes destaques do cinema americano em 2012. Mesmo assim, só passou no Brasil pelo Festival do Rio, e a estreia está prevista para o primeiro semestre de 2013.


Para terminar,  é inevitável citar a questão da tecnologia 3D, ainda mais gritante. Depois do fenômeno "Avatar", o artifício da terceira dimensão passou a ser presença quase obrigatória em filmes de super-heróis, robôs e efeitos especiais. Muitas vezes, o efeito estava lá apenas para reforçar cenas de ação e explosão, sem uma real exploração da imersão e climatização que ele permite. Isso até o diretor alemão Werner Herzog lançar "A Caverna dos Sonhos Esquecidos"(2010). Era um uso inovador e envolvente da ferramenta do 3D. Pouco depois, veio o também alemão Win Wenders com o lírico e poético "Pina" (2011). A cereja do bolo seria o consagrado americano Martin Scorsese com o brilhante "Hugo Cabret" (2011). Eram os diretores veteranos e experientes mostrando à nova geração como usar um recurso criado por ela e para ela.

Com todo esse texto, não quero dizer que ninguém mais sabe fazer cinema hoje em dia ou que só os diretores veteranos deviam produzir continuar dirigindo. Na verdade, o objetivo aqui é evidenciar esses mestres como uma verdadeira "Fonte da Juventude". Não apenas no sentido de continuarem a produzir grandes pérolas do cinema como nos velhos tempos, mas como uma inevitável fonte de inspiração e aprendizado para aqueles que pensam que o cinema está fadado a blockbusters sem alma. É de fato reconfortante quando aparece no circuito alguém que trás consigo um sopro de inovação e criatividade, como foi o caso com Jason Reitman ("Juno"), Mark Webb ("500 Dias Com Ela") ou Nicolas Winding Refn ("Drive"). Diante das (super)produções cada vez mais previsíveis que pipocam por aí, nunca é tarde para nos inspirarmos ao olhar um pouco pra trás - e nem precisa ser tanto, os mestres estão na atividade ainda! Quem sabe assim, em um futuro breve, um grande e tocante filme como "Io e Te" não acabe ficando fora do circuito.