segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Uma Odisséia No Espaço - Alfonso Cuarón Promove Completa Imersão com "Gravidade"


Pra começar, vou direto ao ponto: não deixe de assistir "Gravidade" em 3D nos cinemas. Pronto, agora vamos aos argumentos.

"Gravidade" foi o filme de abertura do Festival de Veneza 2013. A expectativa em torno da produção era alta: não se tratava apenas do primeiro filme de Cuarón desde 2006, mas de uma complexa ficção científica que vinha sendo gravada desde 2011. A presença dos Oscarizados Sandra Bullock e George Clooney no elenco - somente os dois, na verdade - aumentaram ainda mais o burburinho. Mas as apostas deram certo e o filme arrebatou todos os presentes em sua estreia. Após a esperada exibição, falava-se em Oscar, em obra-prima, em "história do Cinema sendo feita". Por que tudo isso?


"Gravity" conseguiu um orçamento de 80 milhões ancorados principalmente no talento e prestígio de Alfonso Cuarón. Um dos melhores cineastas em atividade no mundo, o mexicano já tinha no currículo grandes filmes como "E Sua Mãe Também" (2001) e "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), o único da popular franquia que tinha uma marca autoral forte. Depois da subvalorizada ficção científica "Filhos da Esperança" (2006), Cuarón passou a se dedicar a esse novo projeto, outra ficção científica autoral. Após a aprovação da ideia, Cuarón assumiria as funções de co-roteirista, produtor, co-editor e diretor (!). E isso é visto em cena: o que poderia ser uma mera superprodução repleta de efeitos especiais e nenhuma emoção se revela uma experiência sensorial envolvente com a forte marca de um olhar cinematográfico. Cuarón sabe exatamente o que está fazendo - e o faz muito bem.

Muitos reclamaram do roteiro do filme. De fato, tudo é muito simples: "Gravidade" acompanha dois astronautas sobreviventes em uma estação espacial danificada. São personagens com pouco controle de suas ações, por estarem mergulhados em condições limitadas e arriscadas. Os acontecimentos mais determinantes acontecem nos cerca de 20 minutos iniciais de projeção. A partir daí, seguimos os astronautas por suas desventuras, sensações e experiências quase mortais, tentando mudar seus destinos a todo custo. O filme precisa de apenas 90 minutos para isso, funcionando perfeitamente nesse arco de tempo quase real. A narrativa nos faz acompanhar a personagem de Sandra Bullock quase em primeira pessoa. Ela está realmente muito bem em cena - não é uma atuação digna de Oscar, mas de justos aplausos para uma atriz tão marcada por papéis menos complexos. Ela consegue levar o filme sozinha nas costas - no caso, na roupa espacial -, mas conta também com o carisma de George Clooney para ajudar. Com bem menos tempo em cena, Clooney não se esforça muito para ir além de sua persona, mas ao menos mostra que seria uma agradável e simpática companhia para quem alguém eventualmente perdido no espaço.


O ponto alto de "Gravidade" não são seus atores e muito menos seu roteiro: é o modo como toda situação e ação são mostradas em cena. A abertura é um longo e elaborado plano sequência que, em sua técnica e complexidade, já se torna antológico. O queixo de quem assiste pesa, um arrepio se torna involuntário e, em questão de minutos, já nos vemos completamente sugados para aquela realidade ali proposta. A câmera de Cuarón passeia sem limites pelo espaço, como se fosse mais um corpo solto entre os astronautas - até mesmo entrando em seu capacete em certos momentos, dando uma total sensação de imersão. É como estar dentro de um game ultra-realista ou  ainda um simulador dos bons. E aí que entra a importância do efeito 3D. O artifício, para a alegria do público acostumado a filmes desnecessários no formato, é aqui usado com extremo cuidado e relevância - tão fluente quanto em "Avatar", tão charmoso quanto em "A Invenção de Hugo Cabret" e tão lírico quanto em "As Aventuras de Pi". Mas há uma diferença marcante: aqui, o 3D se torna um personagem fundamental para a imersão completa. Se "imersão" é a palavra que define a experiência de assistir "Gravidade", o 3D se torna o passaporte ideal para isso. Quem se deixar levar na viagem, vai concordar que, em questões técnicas e visuais, o filme beira a perfeição.

Não tenho dúvidas de que o sr. George Méliès (1861-1938), ilusionista francês que primeiro levou o cinema ao espaço com o clássico "Viagem à Lua" (1902), ficaria extasiado com a capacidade de "Gravidade" em fascinar o público com suas maravilhosas trucagens - no caso, digitais. Também ouso dizer que Stanley Kubrick (1928-1999) ficaria satisfeito em encontrar no novo filme de Cuarón um digno acompanhante de seu "2001 - Uma Odisséia no Espaço" (1968) na lista de filmes que melhor representam o espaço nas telas. George Lucas ficaria louco com a qualidade dos efeitos e provavelmente relançaria as trilogias de Star Wars buscando uma imersão semelhante. Citar o nome de Cuarón entre esses gênios da sétima arte já diz muito sobre o que achei desse filme. Resumindo em ideias gerais, "Gravidade" arrebata, envolve, emociona, assusta, diverte, faz rir, faz chorar (sempre tem alguém que não consegue resistir), arrepia e nos leva a levitar nas poltronas. Mais que tudo isso, "Gravidade" nos faz lembrar do por quê vamos ao cinema. Por isso mesmo, fica a dica: não deixe de ir.