domingo, 11 de novembro de 2012

"O Pequeno Lírio Partido" ou "Como Me Apaixonei Por Lilian Gish" - Uma Sincera Declaração


Cinéfilo no sentido mais intenso que a definição permite, eu tive a sorte de escolher o cinema como profissão relativamente cedo, aos 13 anos de idade. Mais do que isso, tive a sorte de conhecer e me apaixonar pelo cinema através de sua origem. Foi "Em Busca do Ouro", um filme mudo de Charlie Chaplin feito em 1925, que despertou em mim essa paixão maior que a vida. Depois de Chaplin, o grande ídolo inspirador, comecei a correr atrás de outros ícones daquela hipnótica fase muda. E assim vieram Lon Chaney, Buster Keaton, os primeiros clássicos de Méliès e por aí vai. Eu achava fascinante ver aqueles astros eternizados em fotogramas do início do século, como fantasmas que voltavam à vida graças à magia do cinema. Não demorou muito para eu chegar até "O Nascimento de Uma Nação", primeira obra-prima instantânea do cinema americando. Dirigido por David Wark Griffith em 1915, o grande épico de 3 horas de duração era um marco em todos os sentidos - toda linguagem cinematográfica, como hoje a conhecemos, nascia ali. No meu caso particular, um marco por outro motivo: foi onde pude ver pela primeira vez Lillian Gish.

É possível que você não tenha noção de quem seja a moça citada acima. Afinal de contas, até mesmo alguns cinéfilos por aí nunca viram um filme protagonizado por Lillian Diana Gish - o que pode até ser considerado um crime. Uma coisa é certa: depois de encarar seus traços felinos e olhar penetrante pela primeira vez, é difícil esquecê-la. E desde que ela surgiu aos meus olhos de forma encantadora em "O Nascimento de Uma Nação", passou a figurar na minha mente como uma das figuras mais marcantes daquela arte. Cada forma de seu delicado rosto parecia ter sido moldada para estar em um filme. E o seu olhar.. Ah, o olhar. Basta assistir qualquer uma das produções estreladas por ela para entender que os filmes acabavam, mas seu olhar continuava.

  

Lillian Gish teve uma das carreiras mais duradouras do cinema. Estreou em papéis juvenis em 1912, se mantendo na ativa até 1987. Isso mesmo, foram 75 anos dedicados ao trabalho de atriz, que exerceu no teatro, na televisão e no cinema - onde teve maior destaque.O auge de sua carreira foi a parceria com Griffith, diretor do clássico já citado. Depois de protagonizar um curta do diretor no início da carreira, em 1912, foi escalada para aquele que será sempre lembrado como seu maior sucesso no cinema. Enquanto houver gente estudando a arte de fazer filmes, "O Nascimento de Uma Nação" será revisto e lá estará ela. Depois da bem-sucedida experiência, ela voltou a trabalhar com o diretor em mais seis filmes. Entre eles, duas obras-primas belíssimas: "Intolerância"(1916) e "Lírio Partido"(1919), um de seus papéis mais icônicos. A relação com o diretor era tão próxima que a imprensa de fofocas - já existente na época, pois é - por várias vezes noticiou um possível romance entre os dois. Até o final de sua vida, Gish sempre se referiu ao diretor como "Mr. Griffith".

A carreira de Gish não foi restrita à parceria com Griffith. Anteriormente, ela estrelou várias produções de sucesso ao lado da irmã caçula Dorothy Gish. Isso até Dorothy perceber que estava sendo ofuscada pelo brilho da irmã. Já depois do sucesso e consagração, Lillian apareceria ainda na primeira versão de "Ben-Hur"(1925) em um discreto papel. O destaque de sua carreira na década de 20 seria "The Scarlet Letter"(1926), possivelmente seu melhor papel. Logo chegaria o cinema falado e Gish, assim como grande parte dos ícones do cinema mudo, seria deixada de lado pelos estúdios e pelo público. Só que som não era um problema para ela. Depois de fazer apenas dois filmes na década de 30, voltou a dar mais as caras na década seguinte. Por seu trabalho em "Duel In The Sun"(1946), conseguiu uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante. Quando o público começava a esquecer dela novamente, retornou já envelhecida para roubar a cena em "O Mensageiro Do Diabo"(1955), a última obra-prima que estrelaria. Sempre ligada à papéis frágeis, nesse filme ela empunharia armas para combater a terrível ameaça personificada em Robert Mitchum. Sua atuação só provaria a imensa versatilidade pouco explorada nos vários papéis sofridos que encarnou.


A verdade é que o cinema nunca esqueceu Lillian Gish e sempre reconheceu sua importância. Mesmo que muito tardiamente, a Academia de Artes e Ciências Cinematográfica lhe deu um Oscar Honorário Especial em 1971, pela "superlativa contribuição no progresso do cinema como arte". Nessa época, já era reconhecida pelo aposto de "A Primeira Dama do Cinema Americano". Em 1984 foi a vez de receber o American Film Institute Life Archievement Award, a maior honraria do Instituto Americano de Cinema. Foi a segunda mulher a recebê-lo, depois apenas de Bette Davis. E em 1987, já com 94 anos (!), resolveu se juntar à também envelhecida e premiada Davis para sua última aparição nos cinemas. O filme era "Baleias de Agosto", que fechou com chave de ouro a carreira dessas duas atrizes icônicas e geniais.

Nascida em 1893, Lillian Gish se preparava para completar o centenário quando morreu tranquilamente enquanto dormia, aos 99 anos, em 1993. Nunca se casou nem teve filhos. A única coisa que deixou nesse mundo foram seus filmes. Os registros das peças em que atuou foram perdidos, muitos negativos dos filmes também ficaram esquecidos no tempo. Mas seus grandes clássicos estão aí para quem quiser procurá-los. Sei que é possível achá-los porque eu mesmo consegui encontrar - e me apaixonar - pela maioria deles. Durante a década de 70, ela apresentou na TV americana o programa "The Silent Years", que apresentava um filme mudo clássico todo sábado de noite - Por que esse tipo de programa não existe mais? Também me pergunto... Enfim. Em um programa de 1975 disponível em um de meus DVDs, pude ver a abertura em que ela introduzia o seu "Lírio Partido". Depois de contar alguns detalhes curiosos das filmagens e da relação com Griffith, Gish, já envelhecida, dá um sorriso para a câmera e nos deseja um bom filme. Subitamente depois de sua fala, antes da tela escurecer, ela olha para o lado séria e ajeita sua postura, como se estivesse se congelando novamente em seus tempos de glória. Para os seus fãs, era exatamente isso que ela estava fazendo.


E depois de ler tudo isso, poderia até me perguntar: "Nossa, como é que ninguém ouviu falar dela mesmo assim?". Mas é até compreensível. Lillian Gish nunca teve uma carreira tão popular quanto a de, por exemplo, Mary Pickford. As duas eram muito amigas e mantiveram contato até o final de suas vidas, mas Pickford era a estrela de comédias populares que se apoiavam em seu imenso carisma. Tanto que ela foi a primeira a receber o título de "Namoradinha da América". O casamento com o astro Douglas Fairbanks e seu envolvimento na fundação da United Artists foram fatos que só ajudaram a aumentar seu imenso sucesso. Enquanto isso, Gish se envolvia em projetos mais sérios e dramáticos. Era impossível não sofrer com as perdas e angústias de seus personagens, que raramente tinham um final feliz. Lillian Gish era, ela mesma, um verdadeiro lírio partido no meio de tantas exóticas estrelas como Theda Bara, Clara Bow e Gloria Swanson. Mas poucas atrizes brilharam como ela em um fotograma. E ela ainda brilha, décadas e quase séculos depois de ter sido imortalizada naqueles filmes. Independente do tempo, seu misterioso e hipnótico olhar continua entre nós.
E enquanto existir cinema, junto com ele estará o olhar de Lillian Gish.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Duro de Matar - James Bond Faz uma Viagem ao Passado no Nostálgico "Skyfall"


Depois de uma matéria especial em homenagem aos filmes de 007, vamos deixar de lado os "entretanto" e partir para os "finalmente": "Skyfall" é o melhor presente que os fãs poderiam receber na comemoração dos 50 anos da franquia. Depois do fraco "Quantum Of Solace", tudo que James Bond precisava era de um filme como esse para voltar à boa forma. Mais do que isso, temos aqui um filmaço. E isso nos leva à outra afirmação: Sam Mendes é o cara. Diretor da indiscutível obra-prima moderna "Beleza Americana", Mendes nunca fez algo ruim na carreira. Produções como "Estrada Para a Perdição", "Soldado Anônimo" e "Foi Apenas Um Sonho" são provas disso. Quando seu nome foi anunciado no comando do novo capítulo de James Bond, as expectativas foram às alturas. Mas você, caro leitor, pode relaxar na sua cadeira. Mendes deu conta do recado.

Muitas coisas mudaram durante as 22 aventuras oficiais do espião. A mudança mais brusca veio recentemente, em 2006, com o "reboot" do universo do personagem. Saiu o charmoso Pierce Brosnan, entrou o truculento Daniel Craig. Não foi só o ator principal que mudou, mas toda abordagem da série. O clima realista começou a ditar a regra - um reflexo de obras como a trilogia Bourne. Esse realismo prevaleceu nas duas últimas aparições de James Bond nos cinemas. A iniciativa deu certo, mas sempre houve o risco de uma descaracterização do personagem. Afinal, por mais real que quisesse parecer, não bastava ser um mero filme de ação - era preciso ter a "marca" 007. A franquia já sofreu essa descaracterização uma vez, no criticado "Permissão Para Matar", segundo e último filme com Timothy Dalton. Depois desse filme, a franquia ficou parada por seis anos e precisou voltar ao estilo antigo com Brosnan. Deu certo. O estúdio tinha clara noção disso. Então, para comemorar a data especial nos cinemas, a solução era apostar na nostalgia.


A luxuosa música-tema cantada por Adele é um indício claro do que está por vir. A estrutura clássica dos filmes do agente está de volta, para nenhum fã botar defeito. Só que nova trama consegue o feito de misturar a abordagem mais próxima da realidade (envolvendo divulgação de agentes secretos em redes sociais) com a grandiosidade que se espera de uma nova aventura de 007 (cortesia dos cenários exóticos em Xangai e na Turquia). A ação, aliás, é uma grata surpresa: mesmo não estando familiarizado com o gênero, Mendes não decepciona na condução das cenas. A sequência de abertura - que culmina em uma intensa batalha em cima de um trem em movimento - e a perseguição pelo metrô de Londres são dois pontos altos da produção.

O perigo real e imediato está presente da primeira à última cena, algo já anunciado pelo próprio trailer, que deixava um clima de episódio final no ar. Mas acalme-se, não é o caso aqui. Uma coisa fica (positivamente) bem clara: nesse mundo mais realista em que James Bond foi inserido, ninguém é infalível ou imortal - nem mesmo o próprio Bond. Esse estado de espírito permite a entrada de um dos maiores pontos positivos da trama: Javier Bardem. Que o espanhol é um baita ator ninguém mais deveria duvidar, mas o que ele faz aqui é absurdo. A começar pela introdução do personagem. Enquanto os vilões de 007 surgem sempre com explosões ou entradas de efeito, seu Raoul Silva é apresentado em um longo plano sequência, no qual fala um discurso mais que inspirado. É o diferencial de se ter um bom diretor e um bom ator trabalhando juntos. Bardem sofre uma transformação completa, tanto no visual quanto nos trejeitos. Seu vilão tem ecos de Hannibal Lecter e até mesmo do Coringa de Heath Ledger, tudo isso sem deixar de ser fantásticamente original. A genialidade do personagem nos leva a questionar como nunca pensaram em um oponente assim para Bond antes. É para aplaudir em pé, um vilão de respeito que já deixou sua marca na franquia.


 Enquanto o vilão é dos mais inspirados, não se pode dizer o mesmo das badaladas Bond Girls. Aqui, elas são meros detalhes. Mas, sejamos justos, detalhes importantes, que não poderiam faltar no caminho de James Bond. Bérénice Marlohe preenche a tela com sua hipnótica beleza nos poucos momentos em que aparece e Naomie Harris, a princípio deslocada em cena, acaba por cumprir bem seu papel de... Bem, melhor ficar quieto... Veja o filme! O elenco conta ainda com a adesão de figuras de peso. É o caso de Ralph Fiennes, em um papel que ainda vai dar muito o que falar, e o veterano Albert Finney, fazendo uma participação de luxo que provavelmente o agora aposentado ex-Bond Sean Connery recusou.

Para falar a verdade, a grande Bond Girl de "Skyfall" é, quem diria, Dame Judi Dench!! Não que ela seja um par romântico do agente secreto (não pense besteira!), mas sua participação na trama é vital. Encarnando pela sétima vez M, a chefe do Serviço Secreto Britânico, Dench nunca teve tanto tempo e destaque em cena desde sua estreia em "Goldeneye", primeiro filme com Pierce Brosnan, há 17 anos. Para falar a verdade, em nenhuma outra aventura da franquia o chefe de 007 - sempre interpretado por homens antes dela assumir o papel - teve tamanha importância na trama. A química entre Dench e Craig solta faíscas na tela. Aos 77 anos, a atriz ganhadora do Oscar - de Melhor Atriz Coadjuvante por "Shakespeare Apaixonado" - mostra todo seu talento dramático (e, quando necessário, cômico) para a nova geração que a liga diretamente a esse papel. São delas as cenas mais arrepiantes de "Skyfall". Palmas, brindes e fogos para Judi Dench!


Quanto à Daniel Craig, ele nunca esteve tão à vontade como James Bond. É aqui que o ator inglês consegue enfim dosar a marcante brutalidade de seu agente com aquele charme inerente à todos que se apresentam como "Bond, James Bond". Sim, há o momento da apresentação, assim como o da bebida característica e de outros detalhes que os fãs percebem mesmo sem querer. A interpretação de Craig é o reflexo de um homem atordoado pelo seu passado e pela profissão. Seu Bond vive no limite, tendo que voltar às origens para se libertar de vez de seus fantasmas. E é aí que entra o título da nova produção. Não, Skyfall não é o nome de uma Operação, embora os tradutores brasileiros nisso acreditem. O retorno às origens, tanto literal quanto estrutural (dentro da franquia), é mais um ponto positivo do filme, adicionando mais uma interessante camada a um dos maiores ícones do cinema.

Há duas maneiras de se ver "Skyfall": uma como fã e outra como expectador normal.  Os meros expectadores podem considerar "Skyfall" um filme de ação acima da média, um dos melhores protagonizados por James Bond nos últimos tempos. Mas o verdadeiro ponto forte do filme é o desenvolvimento dos personagens, cortesia de Sam Mendes. Apoiados neles, a edição, direção de arte e fotografia casam perfeitamente. Para os fãs da saga de 007 nos cinemas, "Skyfall" vai um pouco além. Além das inúmeras referências e citações à capitulos anteriores, através de falas, piadas ou até mesmo de carros(!), o filme traz de volta velhos conhecidos que vinham fazendo falta na série. A cena final é uma fusão de gerações, com novos e velhos tempos se misturando. Os verdadeiros fãs entenderão, e ficarão arrepiados até a espinha. A franquia 007 vai voltando à sua consagrada fórmula da melhor maneira possível. James Bond completa 50 anos de atividade em plena forma, e quem sai com um sorriso satisfeito no rosto somos nós. Com prazer, posso afirmar: o fascínio continua.