quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Acrobata e o Poeta - A Verdadeira História de Uma das Maiores "Rivalidades" do Cinema

São muitas as polêmicas discussões entre os cinéfilos de plantão: Seria "Cidadão Kane" o maior filme de todos os tempos? "O Poderoso Chefão - Parte II" é melhor que o primeiro? Quem seria o verdadeiro "pai do cinema", os irmãos Lumière ou George Méliès? E por aí vai. Mas entre todas essas indagações, uma das mais complicadas é aquela que envolve dois gênios indiscutíveis do cinema: a que tenta comparar Buster Keaton e Charlie Chaplin.

É um assunto delicado. Charles Spencer Chaplin e Joseph Frank Keaton Jr. atuaram nos primórdios do cinema, mais ou menos no mesmo período. Durante a década de 20, principalmente, reinaram absolutos como os maiores astros da comédia. E como reis de um mesmo gênero, ficaram famosos como grandes "rivais". A rivalidade de fato nunca existiu: foi uma criação da mídia e dos estúdios para formar um grupo seleto de fãs fiéis a cada um deles. Isso não só deu certo como dura até hoje. Mas vamos aos fatos.


Embora os dois atuassem no mesmo gênero de filme, as abordagens eram bem diferentes. Chaplin foi além da comédia e se tornou um ícone, uma das figuras mais famosas do século XX. Virou até adjetivo - que crítico de cinema nunca descreveu um personagem como "chapliniano"? Por isso, todos conhecem Chaplin, fãs de cinema ou não. Por outro lado, poucas pessoas ouviram falar de Buster Keaton. Até entre alguns cinéfilos, ele é apenas mais um nome em algum parágrafo sobre a fase muda do cinema. Isso porque sua carreira, ainda que muito importante e relevante, é menos divulgada do que devia.

Buster Keaton era um exímio acrobata e artista do vaudeville. Seu humor era mais físico, composto por gags visuais muito elaboradas para a época - e executadas pelo próprio! Filmes como "Nossa Hospitalidade"(1923) e "A General"(1926) demonstram seu incrível talento técnico em ousadas cenas de corridas, fugas e quedas. Era humor visual da melhor qualidade. Os fãs mais fervorosos de Chaplin destacavam a falta de "alma" na obra de Keaton, famoso por manter uma expressão séria e impassível em todos os seus filmes. Era exatamente parte da sua graça.Chaplin, por sua vez, era um sensível poeta da imagem, usando sua incrível genialidade para dosar risos e lágrimas como poucos. Filmes como "O Garoto" (1921) e "Luzes da Cidade" (1931) equilibram de maneira quase perfeita drama e comédia.


Com o passar dos anos, muitos críticos passaram a defender a ideia de que as obras de Keaton ofereciam uma "experiência cinematográfica" mais efetiva. De fato, ele fazia uso de mais efeitos visuais e técnicos, com câmeras em movimento e truques de cena revolucionários. Enquanto isso, Chaplin produzia um cinema mais simples, adotando uma câmera basicamente estática. Não fazia enquadramentos ou movimentos muito inovadores - sabia exatamente o que fazer em cena no espaço que iria filmar. Resumindo: Keaton focava mais nos aspectos técnicos e visuais de seus filmes, enquanto Chaplin dava mais importância para a emoção e crítica social por trás da obra. Talvez por essa diferença, a obra de Chaplin tenha envelhecido melhor. Mas isso não tira o valor da genial contribuição de Keaton para a evolução do cinema. Ou, pelo menos, não devia tirar.

O diferencial determinante no "processo de esquecimento" promovido pelo grande público foi a chegada do som no cinema. Tanto Keaton quanto Chaplin eram contra o uso de som na "arte da imagem", mas o segundo tornou sua oposição mais evidente. Durante um período em que o público buscava filmes sonoros com diálogos rápidos, explosões e tiros, Chaplin arriscou e lançou "Luzes da Cidade"(1931) e "Tempos Modernos"(1936) como filme corajosamente mudos, que até criticavam os efeitos sonoros.  Quando resolveu aderir ao cinema falado, com "O Grande Ditador", o fez de forma marcante - com o famoso discurso final. Se iria enfim falar, seria algo para ser lembrado. Por outro lado, Keaton amargurou o fracasso em alguns filmes falados de baixa qualidade, impostos pelo estúdio. Diferente de Chaplin, ele não tinha mais autonomia na direção e criação de seus projetos. Seu processo de esquecimento tinha começado.


Enquanto Chaplin seguia fazendo pequenas obra-primas sonoras, Keaton amargurava no alcoolismo, fazendo pontas pequenas demais para o seu brilho. Em "Crepúsculo dos Deuses" (1950), aparecia por menos de um minuto em cena - e sem direito a nenhuma fala. Para corrigir esse erro e deixar claro que não havia rivalidade nenhuma entre eles, Chaplin o convidou para dividir a cena com ele em "Luzes da Ribalta", em 1952. Seria um mero coadjuvante, mas ainda assim com um grande destaque em cena. Enfim, dois titãs do humor juntos em ação!

Apesar de ter sido perseguido, processado e posteriormente expulso dos Estados Unidos por questões políticas, Chaplin sempre foi um ícone reconhecido. Era adorado e venerado por todos, de meros expectadores a cineastas consagrados. O reconhecimento de Keaton veio apenas na década de 60, quando foi redescoberto pelos membros da Academia Francesa de Cinema. Lá, foi alçado ao posto de gênio que poucos sabem que ele ocupa. Quando foi homenageado em Cannes, já no final da vida, respondeu amargamente aos aplausos efusivos que recebeu: "A homenagem é bonita, mas esses aplausos chegaram a mim com 30 anos de atraso."


No fim das contas, quem foi mais importante e relevante na história do cinema? Keaton ou Chaplin? Chaplin ou Keaton? É a velha questão de quem veio antes, a galinha ou o ovo. Como amante da sétima arte, não acho justo fazer campanha a favor de um ou de outro. Basta ver seus filmes para perceber como cada um adicionou muito ao cinema de maneira bem distinta. Ouso dizer que nenhum filme seria o mesmo hoje se um dos dois não tivesse existido ou seguido outra carreira. Se Chaplin tivesse virado poeta e Keaton um acrobata, o cinema seria uma arte menos completa e mágica. Assistindo obras-primas como "Em Busca do Ouro" (que Chaplin lançou em 1925) e "Sherlock Holmes Jr." (um curta genial de Keaton, de 1924) dá para entender o que estou tentando dizer. No caso, podemos até mesmo nos dar o luxo de ter dois reis no reino da comédia. Chaplin ou Keaton? Pois digo: Chaplin E Keaton.

E, como diriam as simpáticas cartelas ao final de seus filmes, "The End".