Corta para o Festival de Cannes, edição de 2012. Bertolucci, agora confinado à uma cadeira de rodas - devido à uma operação mal-sucedida na coluna -, estreia seu novo filme no grande evento de cinema de arte. Todas as atenções vão para "Io e Te", e todos os holofotes para o diretor italiano e sua dupla de atores, Jacopo Olme e Tea Falco - essa, por acaso, eleita a musa da edição do festival graças a esse trabalho. A produção, retorno do diretor aos cinemas após nove anos de hiato, é um filme modesto e simples. Mas em toda sua simplicidade, consegue ser um dos mais sensíveis e eficientes retratos da juventude a dar as caras no cinema por um bom tempo, muito graças à direção segura e inspirada de Bertolucci. Ah, detalhe: ele é um senhor de 71 anos de idade. Pois é.
Talvez pelo caratér mais "comportado" do filme, o burburinho em torno dele não tenha gerado a polêmica esperada. O resultado triste é que o filme ainda não estreou oficialmente no circuito brasileiro, sendo exibido apenas timidamente em mostras e festivais. O grande diferencial desse filme, o "fator bate-e-fica" sempre presente nos filmes de Bertolucci, é a sua abordagem da adolescência. Normalmente preso a produções clichês cheia de intrigas estudantis e desejos sexuais, esse período de descobertas é representado e analisado através de basicamente dois personagens em um único cenário. O ritmo da narrativa é calmo, mais voltado para o trabalho dos atores, como de costume na filmografia de Bertolucci. A inspirada trilha sonora só nos ajuda a mergulhar no universo dos dois irmãos problemáticos - cortesia do incrível gosto musical de Bertolucci, que passeia de The Cure a David Bowie. No final da projeção, uma certeza fica: Bertolucci, pelo conjunto da obra, é um dos maiores cineastas ainda vivos - se é que alguém ainda tinha dúvidas disso.
O fato curioso é que Bernardo Bertolucci, do alto de suas mais de sete décadas de vida, consegue explorar o tema "Juventude" muito melhor do que muitos diretores da chamada "Nova Geração". Isso nos leva a pensar, não? Chega a ser irônico pensar que diretores veteranos consigam abordar essa temática de forma tão mais certeira do que alguns jovens cineastas contemporâneos. Um exemplo claro disso são os filmes do americano Gus Van Sant. Poucas obras do cinema recente conseguem captar tão bem o universo adolescente como "Elefante" (2003) e "Paranoid Park" (2007). Indecisão, tensão, inconformismo, rebeldia, tudo que povoa essa fase inevitável de nossas vidas está lá. Tudo isso, inclusive, pulsa em "Io e Te".
Esse curioso caso não acontece apenas nesse gênero. Enquanto vários diretores novatos e promissores se aventuravam em filmes de suspense/ação que pouco cativavam ou engrenavam, eis que alguém do calibre de William Friedkin - diretor de clássicos eternos do cinema como "Operação França" e "O Exorcista" - saiu da aposentoria para mostrar como se faz. Aos 77 anos, Friedkin lançou recentemente "Killer Joe", protagonizado por um surpreendente Matthew Mcconaughey - ao lado do diretor na foto abaixo. Repleto de humor negro e personagens marcantes, o filme foi um dos grandes destaques do cinema americano em 2012. Mesmo assim, só passou no Brasil pelo Festival do Rio, e a estreia está prevista para o primeiro semestre de 2013.
Para terminar, é inevitável citar a questão da tecnologia 3D, ainda mais gritante. Depois do fenômeno "Avatar", o artifício da terceira dimensão passou a ser presença quase obrigatória em filmes de super-heróis, robôs e efeitos especiais. Muitas vezes, o efeito estava lá apenas para reforçar cenas de ação e explosão, sem uma real exploração da imersão e climatização que ele permite. Isso até o diretor alemão Werner Herzog lançar "A Caverna dos Sonhos Esquecidos"(2010). Era um uso inovador e envolvente da ferramenta do 3D. Pouco depois, veio o também alemão Win Wenders com o lírico e poético "Pina" (2011). A cereja do bolo seria o consagrado americano Martin Scorsese com o brilhante "Hugo Cabret" (2011). Eram os diretores veteranos e experientes mostrando à nova geração como usar um recurso criado por ela e para ela.
Com todo esse texto, não quero dizer que ninguém mais sabe fazer cinema hoje em dia ou que só os diretores veteranos deviam produzir continuar dirigindo. Na verdade, o objetivo aqui é evidenciar esses mestres como uma verdadeira "Fonte da Juventude". Não apenas no sentido de continuarem a produzir grandes pérolas do cinema como nos velhos tempos, mas como uma inevitável fonte de inspiração e aprendizado para aqueles que pensam que o cinema está fadado a blockbusters sem alma. É de fato reconfortante quando aparece no circuito alguém que trás consigo um sopro de inovação e criatividade, como foi o caso com Jason Reitman ("Juno"), Mark Webb ("500 Dias Com Ela") ou Nicolas Winding Refn ("Drive"). Diante das (super)produções cada vez mais previsíveis que pipocam por aí, nunca é tarde para nos inspirarmos ao olhar um pouco pra trás - e nem precisa ser tanto, os mestres estão na atividade ainda! Quem sabe assim, em um futuro breve, um grande e tocante filme como "Io e Te" não acabe ficando fora do circuito.