terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Fonte da Juventude - Os Tempos Modernos Pelas Lentes de Veteranos do Cinema


Bernardo Bertolucci é um cineasta que merece todas as palmas e prêmios. Depois de realizar sua poética obra-prima em 1970 ("O Conformista"), ele chocou o mundo com "O "Último Tango em Paris"(1972) e ganhou o Oscar por "O Último Imperador" (1987). Quando não precisava provar para mais ninguém sua incrível sensibilidade e talento, apresentou ao mundo "Os Sonhadores"(2003). O filme foi alçado instantaneamente ao posto de "cult", transformando Eva Green em uma das musas do cinema contemporâneo. Mais do que isso: era um Bertolucci pop, renovado, que conseguia falar e retratar a juventude como alguém que a conhecia muito bem.

Corta para o Festival de Cannes, edição de 2012. Bertolucci, agora confinado à uma cadeira de rodas - devido à uma operação mal-sucedida na coluna -, estreia seu novo filme no grande evento de cinema de arte. Todas as atenções vão para "Io e Te", e todos os holofotes para o diretor italiano e sua dupla de atores, Jacopo Olme e Tea Falco - essa, por acaso, eleita a musa da edição do festival graças a esse trabalho. A produção, retorno do diretor aos cinemas após nove anos de hiato, é um filme modesto e simples. Mas em toda sua simplicidade, consegue ser um dos mais sensíveis e eficientes retratos da juventude a dar as caras no cinema por um bom tempo, muito graças à direção segura e inspirada de Bertolucci. Ah, detalhe: ele é um senhor de 71 anos de idade. Pois é.

  

Ao analisar o clima e ambientação de "Io e Te" rapidamente, podemos perceber alguns ecos de "Os Sonhadores" e ficar com a impressão de que o diretor viria a se repetir. Não é o caso. Apesar de alguns críticos maldosos terem insinuado uma relação incestuosa entre os irmãos protagonistas, Bertolucci apresenta uma obra muito menos ousada e polêmica do que de costume. Ainda assim, em certos momentos, o italiano brinda os espectadores com movimentos inusitados de câmera ou enquadramentos que o colocam acima de muitos cineastas em atividade. A atuação de Jacopo, à princípio incômoda, vai se adequando cada vez melhor à história - afinal, seu personagem é, de fato, incômodo e estranho. E se a bela Tea Falco não chegar a ser tão requisitada quanto Eva Green... Bem, não será por culpa de Bertolucci. Ele lhe entregou um papel de grande complexidade e a jovem atriz incorporou bem a personagem. Não fiquem surpresos se o nome dela passar a aparecer com mais frequência em um cinema perto de você.

Talvez pelo caratér mais "comportado" do filme, o burburinho em torno dele não tenha gerado a polêmica esperada. O resultado triste é que o filme ainda não estreou oficialmente no circuito brasileiro, sendo exibido apenas timidamente em mostras e festivais. O grande diferencial desse filme, o "fator bate-e-fica" sempre presente nos filmes de Bertolucci, é a sua abordagem da adolescência. Normalmente preso a produções clichês cheia de intrigas estudantis e desejos sexuais, esse período de descobertas é representado e analisado através de basicamente dois personagens em um único cenário. O ritmo da narrativa é calmo, mais voltado para o trabalho dos atores, como de costume na filmografia de Bertolucci. A inspirada trilha sonora só nos ajuda a mergulhar no universo dos dois irmãos problemáticos - cortesia do incrível gosto musical de Bertolucci, que passeia de The Cure a David Bowie. No final da projeção, uma certeza fica: Bertolucci, pelo conjunto da obra, é um dos maiores cineastas ainda vivos - se é que alguém ainda tinha dúvidas disso.


O fato curioso é que Bernardo Bertolucci, do alto de suas mais de sete décadas de vida, consegue explorar o tema "Juventude" muito melhor do que muitos diretores da chamada "Nova Geração". Isso nos leva a pensar, não? Chega a ser irônico pensar que diretores veteranos consigam abordar essa temática de forma tão mais certeira do que alguns jovens cineastas contemporâneos. Um exemplo claro disso são os filmes do americano Gus Van Sant. Poucas obras do cinema recente conseguem captar tão bem o universo adolescente como "Elefante" (2003) e "Paranoid Park" (2007). Indecisão, tensão, inconformismo, rebeldia, tudo que povoa essa fase inevitável de nossas vidas está lá. Tudo isso, inclusive, pulsa em "Io e Te".

Esse curioso caso não acontece apenas nesse gênero. Enquanto vários diretores novatos e promissores se aventuravam em filmes de suspense/ação que pouco cativavam ou engrenavam, eis que alguém do calibre de William Friedkin - diretor de clássicos eternos do cinema como "Operação França" e "O Exorcista" - saiu da aposentoria para mostrar como se faz. Aos 77 anos, Friedkin lançou recentemente "Killer Joe", protagonizado por um surpreendente Matthew Mcconaughey - ao lado do diretor na foto abaixo. Repleto de humor negro e personagens marcantes, o filme foi um dos grandes destaques do cinema americano em 2012. Mesmo assim, só passou no Brasil pelo Festival do Rio, e a estreia está prevista para o primeiro semestre de 2013.


Para terminar,  é inevitável citar a questão da tecnologia 3D, ainda mais gritante. Depois do fenômeno "Avatar", o artifício da terceira dimensão passou a ser presença quase obrigatória em filmes de super-heróis, robôs e efeitos especiais. Muitas vezes, o efeito estava lá apenas para reforçar cenas de ação e explosão, sem uma real exploração da imersão e climatização que ele permite. Isso até o diretor alemão Werner Herzog lançar "A Caverna dos Sonhos Esquecidos"(2010). Era um uso inovador e envolvente da ferramenta do 3D. Pouco depois, veio o também alemão Win Wenders com o lírico e poético "Pina" (2011). A cereja do bolo seria o consagrado americano Martin Scorsese com o brilhante "Hugo Cabret" (2011). Eram os diretores veteranos e experientes mostrando à nova geração como usar um recurso criado por ela e para ela.

Com todo esse texto, não quero dizer que ninguém mais sabe fazer cinema hoje em dia ou que só os diretores veteranos deviam produzir continuar dirigindo. Na verdade, o objetivo aqui é evidenciar esses mestres como uma verdadeira "Fonte da Juventude". Não apenas no sentido de continuarem a produzir grandes pérolas do cinema como nos velhos tempos, mas como uma inevitável fonte de inspiração e aprendizado para aqueles que pensam que o cinema está fadado a blockbusters sem alma. É de fato reconfortante quando aparece no circuito alguém que trás consigo um sopro de inovação e criatividade, como foi o caso com Jason Reitman ("Juno"), Mark Webb ("500 Dias Com Ela") ou Nicolas Winding Refn ("Drive"). Diante das (super)produções cada vez mais previsíveis que pipocam por aí, nunca é tarde para nos inspirarmos ao olhar um pouco pra trás - e nem precisa ser tanto, os mestres estão na atividade ainda! Quem sabe assim, em um futuro breve, um grande e tocante filme como "Io e Te" não acabe ficando fora do circuito.