sábado, 7 de setembro de 2013

A Insustentável Leveza do Ser - "Frances Ha", uma das Maiores Surpresas do Ano


Existem filmes discretos por natureza, que simplesmente não chamam muita atenção do grande público e dependem da boa vontade dos cinéfilos que se propõe a descobri-lo. Isso se intensifica ainda mais quando ele é em preto-e-branco e com toda aura de cinema alternativo independente. É o caso de "Frances Ha", feito em 2012 e apenas agora lançado no Brasil. Mas acredite: o filme é uma grata surpresa - uma das melhores do ano, inclusive.

O título aparentemente não revela muito do gênero ou da trama. Afinal, do que se trata "Frances Ha"? O filme segue uma jovem moradora de Nova York (na verdade ela não tem um apartamento fixo) que planeja entrar para uma companhia de dança (embora não seja realmente uma dançarina) e resolve se jogar de cabeça em seus sonhos (sejam eles promissores ou não). Ah sim: o nome dela é Frances. E é isso. Com uma história tão simples, o que chamaria tanta atenção nesse filme? A resposta está na pergunta: sua simplicidade, mesmo que apenas aparente, é um dos grandes trunfos aqui. Mas seu ponto alto tem nome e sobrenome - chegaremos a ele no próximo parágrafo.


O diretor Noah Baumbach já era queridinho no cinema independente americano por obras como "A Lula e a Baleia" (2005) e "Margot e o Casamento" (2007). Depois de flertar com um público maior - sem muito sucesso - com "O Solteirão"(2010), Baumbach encontrou no set a parceira perfeita para seu novo trabalho. No caso, uma jovem americana de 28 anos com uma visão bem clara de seu mundo: Greta Gerwig, o ponto de maior brilho do filme. Depois de viver uma doce faz-tudo em "O Solteirão", Gerwig resolveu apostar em um roteiro que tinha escrito e o apresentou ao diretor. Ele não apenas se apaixonou pelo projeto, como só aceitou fazê-lo se tivesse Greta como a protagonista. E o resultado é uma obra leve, descontraída, melancólica, estilosa e irresistível. Em outras palavras, é Cinema da melhor qualidade.

Falando em Greta Gerwig, a moça merece um parágrafo só pra ela. Bonita e talentosa, a atriz poderia encarnar a protagonista como mais uma jovem em busca do amor e do sucesso na carreira, destinada a um final feliz. Não é o que acontece. Sua Frances é insegura, ingênua, brincalhona e espontânea. Sem grandes pretensões, age por puro instinto - o que muitas vezes gera decisões e ações irresponsáveis. No meio de tantas "mocinhas" escritas para encabeçar comédias românticas clichês e manjadas, a Frances de Gerwing se destaca por ser uma pessoa de verdade. Não há concessões dramáticas ou cinematográficas: o que vemos ali é alguém real. Não à toa, a loira atriz de 29 anos já foi coroada como a nova musa do cinema indie. Muito justo, na verdade. Podem ficar de olho nela, que essa vai longe. 


A abordagem escolhida por Baumbach é um perfeito equilíbrio das características dos diretores Jim Jarmush e Woody Allen. Enquanto o universo parece saído da cabeça de Jarmush, os personagens e diálogos remetem à Allen em sua melhor fase. Não há rostos conhecidos em cena - e isso garante que os personagens de "Frances Ha" se portem como pessoas de verdade. Não há finais felizes, momentos clichês, destinos cruzados ou "coisas que só acontecem em filmes". A câmera discreta apenas capta a vida como ela é, fazendo uso de um ritmo e trilha sonora irresistíveis. Tudo flui em plena sintonia e o filme se torna algo extremamente gostoso de se ver. 

No fim das contas, "Frances Ha" funciona como um perfeito espelho da moderna geração de pré-adultos que se apega a prazeres mais imediatos para tentar esquecer as incertezas quanto ao futuro. Para quem vê de longe, seus 86 minutos podem parecer muito pouco, mas suas mudanças de andamento foram meticulosamente planejadas - não dá pra imaginar o filme mais longo ou mais curto. É preciso ter coração de pedra ou muito preconceito com cinema alternativo para resistir ao seu charme. Nascido para ser cult, "Frances Ha" é uma força da natureza que atrai qualquer espectador para seu universo monocromático. Entre tantos filmes que tentam ditar um novo modo de vida ou alienar as platéias com tramas bobinhas e efeitos especiais, está aqui um que só quer ilustrar, de forma simpática e simples, a insustentável leveza do ser. E consegue, pode acreditar.