quarta-feira, 12 de junho de 2019

Em Busca do Moinho Sagrado - Terry Gilliam e a Odisséia por Dom Quixote


O Cinema tem seus milagres: "The Man Who Killed Don Quixote" está em cartaz, enfim projetado numa telona! Uma longa odisséia que merece ser divulgada e celebrada, veja só:
Terry Gilliam está longe de ser um iniciante. Artesão dedicado e cartunista de formação, se tornou o único americano no revolucionário humor britânico do Monty Python. Ainda na década de 70, soltou as amarras para se dedicar a exuberantes obras autorais - são dele "Brazil" (1985), "As aventuras do Barão Munchausen" (1988) e "Os 12 Macacos" (1995), entre outras adoráveis loucuras. E foi por volta de 1987 que Gilliam começou a desenvolver seu projeto pessoal dos sonhos: adaptar a grandiosa saga de Dom Quixote de la Mancha para seu universo estético bem particular. Desde então, foram muitos (muitos!) os obstáculos e traumas para conseguir realizar o filme. Ele chegou a gravar parte do roteiro em 2000, tendo a produção paralisada por dilúvios que destruíram o equipamento e por problemas de saúde do protagonista Jean Rochefort. Já cultuado como um dos "roteiros infilmáveis de Hollywood", o projeto chegou a confirmar Johnny Depp no elenco e John Hurt como o icônico personagem. Depp saiu após diversos adiamentos e cortes do orçamento e Hurt se afastou para tratar o câncer que o matou. As gravações oficiais ocorreram entre 2015 e 2017, finalmente concluídas com outro elenco e equipe, de forma independente.
 
Tudo pronto para o lançamento oficial no Festival de Cannes 2018, mais uma reviravolta no caminho: um antigo produtor reivindica os direitos do filme e proibe a exibição no evento. Diante de tanto estresse e pressão, o Gilliam de 77 anos sofre um grave derrame. A justiça ficou ao seu lado e o filme encerrou o festival mais famoso do mundo sob merecidos aplausos. Gilliam resistiu à descrença dos estúdios, ao orçamento reduzido, à morte de dois atores principais e ao próprio peso da idade. Unindo forças à uma equipe jovem e ao velho amigo Jonathan Pryce como Quixote, o diretor conseguiu concluir o tão desejado projeto. Brigas legais com o tal produtor dificultaram a distribuição do filme pelo mundo, estreando em reduzidas salas. Demos sorte: está em cartaz no Rio, no Estação de Botafogo e no Cinépolis Lagoon. Provável que por pouquíssimo tempo, mas em cartaz! Nada mais justo que experimentar a obra onde o criador tanto lutou para projetá-la.

Releitura corajosa e onírica de tudo que se sabe sobre Don Quixote, o resultado parece um hipnótico e delirante sonho compartilhado com o público. "O Homem Que Matou Don Quixote" acaba sendo vários filmes em um só, muitos tons e abordagens dissonantes que ecoam o longo tempo de realização. O que não é exatamente um problema. Mais que uma narrativa, é uma experiência sensorial, uma jornada visual pela mente insana de um artista inquieto. Todos os excessos de Gilliam em cena, assim como todas virtudes que fizeram dele um diretor visionário e respeitado. Assistir esse filme em uma sala de cinema é uma vitória para todos que acreditam na Arte. Uma celebração a todos que dedicam a vida à essa loucura que é tirar um roteiro do papel e captá-lo com uma câmera. Custa dinheiro, requer muito esforço e sacrifícios, parte do sonho para tentar alcançar novamente o sonho. Independente do impacto ou reações internas, um milagre em si. Terry Gilliam, 78 anos, pode agora dormir um pouco mais tranquilo. Se tornou, finalmente!, um vitorioso exemplo do quanto não é fácil ou simples - e também de que desistir nunca é uma opção.