sábado, 5 de janeiro de 2019

Caros Amigos - O Abraço Final de "O Amor em Fuga", 1979.




François Truffaut e Antoine Doinel foram grandes amigos. Mais do que seu alter-ego na ficção, o personagem vivido pelo ator Jean-Pierre Léaud foi uma presença constante e fundamental na vida do cineasta francês. Protagonista de seu primeiro longa, a intocável obra-prima "Os Incompreendidos" (1959), Doinel foi novamente visitado pelo diretor em um curta-metragem e outros três longas ao longo das duas décadas seguintes: "Antoine and Colette" (1962), "Beijos proibidos" (1968), "Domicílio Conjugal" (1970) e esse "O Amor em Fuga". Neles, acompanhamos suas desventuras por diferentes amores, humores e fases da vida. 

"L’Amour en Fuite" foi o quinto e último abraço entre os dois. A palavra de ordem é Nostalgia: diferente dos filmes anteriores, motivados por tramas particulares, esse é caracterizado - quase que condicionado - à flashbacks das produções anteriores. Doinel, agora pai divorciado e preso a um emprego desinteressante, continua com alma juvenil e irrefreáveis paixões platônicas. Um moço apaixonado, como o próprio diretor - num dos mais belos exemplos de Arte como Espelho da própria existência. O clima de "episódio final" é inquestionável: quase todos personagens dos capítulos passados retornam para um balanço geral. Truffaut até sugere algumas subtramas promissoras, logo abafadas sem muita explicação. Tudo é leve, sem compromisso, quase verdadeiramente desnecessário. Porém o laço carinhoso entre criador e criatura é tão singelo e autêntico que não dói nada assistir. Há uma absoluta beleza no simples, e poucos conseguiram captar isso de forma tão apaixonada quanto Truffaut. 

Ainda que não figure entre as obras mais inspiradas de sua filmografia, foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim e teve grande destaque na França - principalmente pela música-título, cantada por Alain Souchon. Se havia o suspense de um possível reencontro futuro com Antoine Doinel, o cruel roteiro da vida interferiu nos planos: François Truffaut morreria em 1984, com apenas 52 anos, deixando órfãos Doinel e toda uma legião mundial de fãs. Ainda que tenha realizado outros filmes até o último ano de vida, talvez seja essa sua autêntica despedida - uma sincera saudação ao fiel amigo e ao fugitivo amor que sempre captou com a câmera. Acima de uma mera comédia romântica, o ponto final de uma bonita amizade.