sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Dentro de Casa - A Condição Humana em "Parasita", Palma de Ouro 2019.



Cannes não erra. Basta uma rápida pesquisa nos filmes premiados com a Palma de Ouro ao longo das 72 edições do Festival de Cinema, talvez o mais prestigiado do mundo. Ainda que alguns títulos possam ser menos acessíveis e muito experimentais, quase sempre os laureados são obras contundentes que exploram ao máximo a potência artística da Sétima Arte. São filmes que não permitem indiferença. E é o caso absoluto desse "Parasite". 

Logo após o prêmio para o Japão com "Assunto de Familia" (2018), a Coreia do Sul levou a Palma pela primeira vez com a nova ousadia de Bong Joon-ho. O cineasta tem uma assinatura visual brutalmente crua e é responsável por cults modernos como "O Hospedeiro" (2006), "Expresso do Amanhã" (2013) e "Okja" - super-produção exclusiva da Netflix que concorreu à Palma em 2017. Aqui, o diretor abre mão de elementos fantasiosos e efeitos especiais para mergulhar (quase que literalmente) na condição humana. Se "Parasita" tem momentos de pura tensão e suspense, é exatamente por chegar muito perto do que nos faz essencialmente humanos. Assusta (sem dúvida) e fascina (com máxima certeza). Unanimidade de público e crítica, é provavelmente uma das maiores experiências cinematográficas do ano - senão A maior. 

Nesses tempos em que franquias e sucessos de bilheteria apresentam narrativas cada vez mais preguiçosas e previsíveis, eis aqui um roteiro que consegue surpreender a cada nova cena, sem exceção. A climatização cuidadosa, as sofisticadas viradas de enredo, as reflexões sobre qualquer sociedade do século XXI, os certeiros arcos narrativos de cada personagem, as metáforas eficientes em escala mundial, tudo isso intenstificado pela afinação do maravilhoso elenco. O resultado é um absurdo. "Parasita" é um filme do agora, pertencente a 2019 em conteúdo e forma, mas prontíssimo para a Posteridade. Merece todas as palmas, inclusive a de Ouro. 


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Era Uma Vez no Sertão - A Máxima Inteligência de "Bacurau"




O Cinema Brasileiro, a História nos comprova, sempre teve um inimigo implacável: o grande público brasileiro. É uma cruel verdade, precisamos concordar. Qualidade nunca nos faltou, e um rápido passeio por nossa filmografia revela indiscutíveis obras brilhantes de impacto internacional. Porém nossa produção nacional sofre com o esquecimento coletivo e falta de curiosidade geral. Nomes fundamentais como Carmen Santos, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Humberto Mauro seguem esnobados pelo público moderno - enquanto lendas vivas como Walter Lima Jr., Ruy Guerra e Helena Ignez seguem em plena atividade sem a devida ovação popular. Não irei me alongar sobre o notório descaso cultural. Fato é que o nome de Kleber Mendonça Filho surge como um feliz caso à parte. Além de cineasta apaixonado e com assinatura própria, o pernambucano é inteligentíssimo. "Bacurau" é uma prova cabal disso. Explico, e para isso parto de uma idéia bem simples. O grande público brasileiro, o mesmo que desde sempre esnoba filmes nacionais em cartaz, gosta mesmo é de Cinema Americano. Qualquer pesquisa básica pode comprovar que mais de 70% dos espectadores do país gostam mesmo é de filme "made in USA" - seja pelo alto orçamento com linguagem acelerada ou pelo jeitão cult de produção independente que ganha Oscar. Não faz diferença, o importante é ser americano - e com isso não tem Cinema Europeu premiado que possa competir. "OK", é um reflexo cultural de muitos fatores históricos do último século. Diante disso tudo, entra o brilhantismo e inteligência de "Bacurau". 


Kleber Mendonça Filho, já respeitado crítico de Cinema, conquistou a "bolha artística" e diversos prêmios mundiais com sua obra. Cinco curtas-metragens, um longa documental e dois de ficção. Esses dois últimos, "O Som ao Redor" (2012) e "Aquarius" (2016), ilustraram em escala internacional seu estilo narrativo atípico, repleto de signos visuais e personagens autênticos. Tudo muito genuinamente brasileiro. Entre todos esses títulos, "Bacurau" sem sombra de dúvida, é a maior bilheteria e repercussão interna de Kleber Mendonça Filho, com sessões lotadas e boca-a-boca incansável. O famoso "É um filmaço, nem parece filme brasileiro!", frase muito desagradável que continuam a gritar por aí. O motivo para isso é compreensível: "Bacurau" é orgulhosamente Cinema Americano. E um filmaço, sim. O cineasta-autor teve a máxima esperteza e brilhantismo de fazer um western moderno, com bastante espaço para doses de ação violenta e críticas político-sociais. Algo que John Ford e Howard Hawks muito bem ensinaram lá na metade do século passado. Caso os ecos americanos não estivessem altos o suficiente, dá-se um jeito até de colocar disco-voador (!) na parada. "Bacurau" é tão orgulhosamente Cinema Americano que literalmente tem inglês no meio. A genial jogada de mestre é que essas escolhas são conscientes e nunca gratuitas. "Bacurau" é orgulhosamente Cinema Americano, mas com legítima roupagem brasileira. Todas cenas exalam e pulsam o Brasil do agora. E aqui vale um destaque especial: em seu terceiro longa de ficção, o cineasta pela primeira vez divide os créditos de direção com Juliano Dornelles, Diretor de Arte de quase todos seus filmes. Essa simbólica união criativa apenas reforça a importância da estética em "Bacurau". Um filme orgulhosamente Americano, porém muito orgulhosamente Brasileiro em sua ambientação, nos personagens regionais, na MPB arrepiante da trilha, no contexto político e social, no tom urgente. "Bacurau" é um fenômeno: um filme americano orgulhosamente brasileiro. Não é sempre que um ícone marcante como Sônia Braga convida a persona internacional de Udo Kier para um suco de caju. Abraçar esse tom e narrativa com tamanha propriedade é de se admirar e aplaudir de pé mesmo. 

Essa espécie de "Era Uma Vez no Sertão" parece muito mais uma obra de Quentin Tarantino que seu nono filme recém-lançado. E aí o público brasileiro que iria lotar salas pra ver Tarantino se surpreende diante de "Bacurau" e solta aquele "Ué, nem parece filme brasileiro!". Mas é, e Orgulhosamente Brasileiro. "Bacurau" conquistou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes, o que deve ser muito celebrado. Porém muito acima disso, a sagacidade da parceria Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles conquistou uma parcela do público que normalmente desprezaria tal lançamento nacional. A bilheteria superou 2 milhões de reais na primeira semana, uma vitória muito além dos números. A cada explosão de violência Tarantinesca, há um símbolo genuinamente brasileiro em destaque. Sejam os ecos do cangaço, sejam os santos regionais, seja uma mão em forma de sangue na parede. Quer metáfora visual mais eficaz para o país? Poucos filmes conseguiram ser tão orgulhosamente brasileiros. Para evitar ou alimentar discussões, muito simples: vá assistir "Bacurau". E se for, vá na paz. 


sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Eu Acredito no Cinema - uma declaração de amor gratuita e involuntária




Em tempos de angústias e dores, eu acredito no Cinema
E acredito piamente, com a mesma fé e devoção do mais fiel religioso. Meus deuses respondem por diversos nomes e nacionalidades, todos com o mesmo impacto de ressignificar a existência através dos mais belos milagres visuais. E ave Antonioni, Wilder, Fellini, Kubrick, Dreyer, Lang, Oliveira, Mauro, Welles e muitos outros - alguns até ainda encarnados entre nós, embora já com lugar garantido à Eternidade. Eu acredito na poesia de Chaplin ao realizar - numa cabana com frio, fome e desilusão - a mais bela apresentação já executada com pães. Eu acredito na postura segura de Buster Keaton enquanto uma casa cai em sua cabeça, sem acertá-lo. Acredito na grandiosa cidade de Metropolis, tão impossível de ser realizada nos anos 20, e ainda assim lá tão imponente e atemporal. Acredito no olhar de Lillian Gish e em tudo que sua profundidade pode despertar. Ou nas lágrimas da Joana D'Arc de Falconetti, as mais sinceras que uma câmera já captou. Acredito em Carmen Santos e sua onipotência em cada frame. Acredito nas mil faces de Lon Chaney, Alec Guinness e Peter Sellers. Acredito em Norma Desmond e em Charles Foster Kane. Acredito que dançar na chuva até pode ser legal, desde com Gene Kelly ao lado. Acredito nas estrelas da Atlântida, dispostas a iluminar qualquer tipo de escuridão. Ou na luz das crianças que invocam Orfeu Negro ao som de Tom Jobim em algum morro do Rio de Janeiro. Desconfio da Humanidade dos indiferentes diante de Danúbio Azul no espaço. E muitas vezes imagino o imenso vazio que me sobraria sem a Magia do Cinema. Pois certamente não consigo separar Cinema da noção de Magia - um de seus "descobridores", um legítimo mágico e ilusionista movido pela irresistível indagação "e se?". E se?, a tal pergunta que move o mundo desde sempre. No meu caso, "e se não houvesse Cinema?"... Realmente não sei. Não é algo imaginável, cá entre nós. No princípio não era o verbo, e sim as sinfonias visuais que carregavam em imagens silenciosas a essência do mundo. Fosse mudo, sonoro, colorido, repleto de efeitos especiais ou 3D. Independente da trama, personagem ou direção de Arte. É no Cinema que renovo as energias e esperanças em um Futuro que vale a pena ser vivido e compartilhado. A luz do projetor rumo à tela atravessa minha vida e lhe renova o significado. É onde justifico meu mais sincero sorriso e acordo diariamente para continuar o sonho, acordado. É o que vivo, leio, pratico, escrevo, sinto, respiro. Apesar de todo caos, e acima dele, é no que acredito. Sem medo de ser julgado, e com toda intensidade possível. Posso suspirar aliviado. 
Eu acredito no Cinema.

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Uma Overdose de Nostalgia - Era Uma Vez... na Hollywood de Tarantino




Imagine que você é, acima de tudo, um grande cinéfilo. Uma pessoa que realmente ama assistir filmes e prestar atenção nos pequenos detalhes, nas diferentes abordagens narrativas, até nos estilos atípicos que acabam com o rótulo de "cult". Agora imagine que você, sendo tudo isso em essência, consiga se tornar um dos cineastas mais idolatrados e reconhecidos do mundo inteiro. Essa é a vida de Quentin Jerome Tarantino. Um dos nomes que redefiniram o Cinema para o século XXI, o americano tem uma reputação invejável e ultravalorizada - levando em conta que tem em seu currículo "apenas" nove filmes. Resumindo a ideia: Tarantino, 56 anos e Palma de Ouro + Oscar no currículo, faz o que quiser. Faz do jeito que quiser. Faz no tempo que quiser. Faz com o dinheiro que quiser. 

Seu novo longa-metragem, "Once Upon a Time In Hollywood", é uma prova gritante disso. Abrindo mão de seu estilo frenético-pop com explosões de violência visual, Tarantino segue a experimentação de "Os Oito Odiados" (2015) e mais uma vez tenta algo diferente do seu habitual. Claro que os diálogos carismáticos estão lá, assim como um jeitão "cool" involuntário. Porém esse não é o foco de seu novo filme. Nostalgia é a palavra de ordem, o resumo da ópera - podemos chamar de ópera, são quase 3h de duração sem a menor pressa. Tarantino faz uso (com muita propriedade) de sua absoluta nostalgia cinéfila para fazer vários filmes dentro de um. Como está lidando com a figura de um astro decadente da clássica Hollywood, aproveita pra gravar sequências de filmes de guerra, ou então tensos momentos de um suspense policial, ou programas B de televisão, ou voltar aos Westerns. Após "Django Livre" (2012) e o já citado filme anterior, parece que o diretor realmente tem um fraco por faroestes - é quase o terceiro em sequência! Por trás dos figurinos de Velho Oeste, pistolas ao Sol, cavalos e muitos cowboys, "Era Uma Vez em… Hollywood" é quase um western ambientado em 1969. Ali no meio da bagunça, o autor Tarantino dá um jeito de inserir Sharon Tate, Polanski, Steve McQueen, Bruce Lee e outras figuras icônicas que marcaram sua formação como amante da Sétima Arte. É mais um tributo de fã que uma obra realmente original. Apesar de todo luxo e de tantas estrelas no elenco, talvez seja a obra mais irregular de toda filmografia do diretor. Isso porque, com tantos elementos ricos em mente, o diretor não se decide por uma linguagem ou sequer uma narrativa. 


A trama do astro decadente (DiCaprio, claramente apenas se divertindo em cena) e sua amizade com o dublê instável (Pitt, em seu melhor jeitão blasé) dá tantos saltos repentinos que em certo momento o roteiro assume um narrador desconhecido, só pra situar o público. Flashbacks acabam se tornando quase curtas-metragens dentro de uma única longa cena. Em determinados momentos, a edição usa letreiros e pausas que destoam completamente do resto da montagem. Não se trata de um tom cômico ou estilo narrativo, são apenas artifícios soltos e desconexos. Coisa de quem não deve nada a ninguém - é aquele papo, Tarantino pode fazer o que bem quiser. 

Os dramas internos e reflexões humanas dos personagens estão mais ricos a cada novo filme, porém por vezes acabam perdidos (ou baleados, ou atropelados, ou esfaqueados, ou queimados) em um grande calderão aquecido por seu próprio criador. Veteranos cultuados como Al Pacino e Bruce Dern, anunciados como papéis coadjuvantes de destaque, surgem de forma reduzida e quase simbólica. O mesmo vale para velhos conhecidos dos fãs como Michael Madsen, Kurt Russel e Zoë Bell. Talvez presentes, cá entre nós, apenas para o público lembrar que é mesmo um filme de Quentin Tarantino. E não deixa de ser: estão lá as frases prontas para futuras estampas, a trilha sonora vintage escolhida a dedo, as altas doses de podolatria e muitos xingamentos por minuto. Mas será que os fãs mais puristas vão lidar bem com essa versão mais madura e nostálgica do cineasta?

O olhar carinhoso (quem diria!) da direção faz uma curva da própria história para que nos apaixonemos pela Sharon Tate de Margot Robbie. De certa forma, ela é o ponto alto da grande bagunça, como se o filme fosse uma velada carta de amor. Porém apenas quem conhece o trágico destino da jovem atriz entenderá plenamente a nova brincadeira de Tarantino. Comparável ao "Ave, César" (2016) dos irmãos Coen em essência e abordagem (até em algumas cenas!), o novo filme de Tarantino não é mais que uma viagem nostálgica. Talvez muito longa e apaixonada - e tudo bem, paixão demais nunca é problema. Acima de um empolgante "novo filme de Quentin Tarantino", "Once Upon a Time In Hollywood" é uma assumida celebração da própria cinefilia. Tarantino pode - e faz! - o que bem quiser. Os fãs que entrem na onda. 



quinta-feira, 25 de julho de 2019

Lágrimas na Chuva - um tributo a Rutger Hauer ( 1944 - 2019 )


O Cinema, em proporção histórica e mundial, registrou diversas figuras fascinantes e hipnóticas. Poucas encarnaram o termo "Cult" de forma tão impactante quanto Rutger Hauer. São três as provas concretas e indiscutíveis disso: o replicante Roy Batty de "Blade Runner" (1982), o cavaleiro romântico Etienne Navarre de "O Feitiço de Áquila" (1985) e o frio assassino John Ryder de "A Morte Pede Carona" (1986). O ator holandês ofuscava qualquer elenco nas obscuras obras de sua seleta filmografia, um caso de flerte imediato e seguro com a câmera. Isso fica provado até nas pequenas participações em "Batman Begins" e "Sin City" (ambos de 2005) e na orgulhosa celebração de sua persona com "Hobo with a Shotgun" (2011). 


Rutger Hauer, cá entre nós, era cult até no exótico nome. Sua existência foi muitíssimo mais interessante do que o grande público poderia imaginar. Filho de atores teatrais, ele já decorava diálogos de Sófocles por pura diversão aos 10 anos. Após anos de apresentações ao ar livre em aldeias da Holanda, resolveu abandonar tudo e trabalhar num navio cargueiro por um ano, rodando o mundo. Ficou por Amsterdã, onde viveu como poeta errante na vida noturna da cidade. Um novo impulso e se alistou no Exército, onde rapidamente se cansou da rotina militar. Para ser dispensado, voltou às origens como ator e convenceu todos que tinha distúrbios mentais. E deu certo. Após parcerias artísticas com o igualmente cult cineasta Paul Verhoeven, Hauer conquistou e esnobou Hollywood. Fazia apenas os projetos que lhe interessavam, se permitindo longos períodos de férias e reclusão. Fundou uma instituição de pesquisas sobre AIDs, a Rutger Hauer Starfish Foundation, para onde ia todo o dinheiro que recebia dos filmes. 



Pouca gente sabe disso tudo. E poucos atores teriam tanta propriedade para aquele ecoante monólogo final de "Blade Runner": "I've seen things you people wouldn't believe". Essa cena é apenas a cereja do bolo de uma performance brilhante. O Roy de Rutger Hauer sempre foi o elemento mais fascinante e humano do pacote. "Todos esses momentos serão perdidos no Tempo, como lágrimas na chuva" foi inclusive um improviso do ator (!!!), digno de poeta errante europeu. Cada frase, cada gesto e cada olhar prontíssimos para a Eternidade. Seu corpo jovem saltitando entre ruínas sombrias é a versão rebelde e caótica do Peter Pan que não quer envelhecer. Como se não bastasse toda essência cult, Rutger Hauer abraça a morte em pleno 2019 - data da validade de seu replicante no filme. Talvez apenas os fãs compreendam a magnitude desse detalhe. Continuamos a observar as lágrimas na chuva. Time to die.



segunda-feira, 24 de junho de 2019

Conta Comigo - A Maturidade Nostálgica do Novo "Toy Story"




O primeiro "Toy Story" (1995) é um marco inquestionável na História do Cinema. Após uma sequência mais espetacular em 1999 e outra ainda mais emocionante em 2010, a saga dos agitados brinquedos de Andy fechou o que seria a melhor trilogia do gênero da Animação. Porém, como vivemos em tempos de franquias e nostalgia, uma quarta aventura foi confirmada. Fãs já crescidos,  que acompanharam os lançamentos anteriores em fases distintas da juventude, ficaram com certo pé atrás. O que é compreensível: a toda poderosa Disney/Pixar já veio apresentando sinais de desgaste criativo com desnecessárias continuações de "Carros" e "Os Incríveis". Incluir "Toy Story" nessa categoria seria no mínimo cruel. Felizmente, não tem pra ninguém quando a Pixar resolve jogar pesado. "Toy Story 4" é uma verdadeira expansão daquele irresistível universo já tão familiar. Nem o humano mais rabugento pode resistir ao reencontro com Woody, Buzz, Rex e outras figuras tão queridas. Todos estão lá, inclusive o Sr. Cabeça de Batata - dublado pelo falecido comediante Don Rickles e cujas (poucas) falas foram criadas a partir de arquivos de áudio do ator (!). Porém o destaque, felizmente, vai para novos personagens fascinantes e o retorno de uma velha conhecida. Lembra da doce Betty, pastora de porcelana com suas ovelhas? Ela não apareceu em "Toy Story 3" e aqui descobrimos o motivo. Dar um maior protagonismo à antes frágil personagem e à outras figuras femininas é um dos pontos altíssimos da nova aventura.

E bota aventura nisso! Em tempos de Marvel e seus inúmeros heróis de ação, o diretor Josh Cooley investe em sequências de tirar o fôlego num roteiro acelerado e imensamente criativo. Após dirigir dois curtas no estúdio, Cooley estreia em longas já assumindo a principal franquia da Disney/Pixar! Os novos personagens, com destaques absolutos para Garfinho (Tony Hale, de "Arrested Development") e Duke Caboom (Keanu Reeves!) são um prato cheio para conquistar as novas gerações e levar a criançada às gargalhadas. São figuras hilárias que só a Pixar poderia criar - embora não o viesse fazendo há certo tempo. Ao fãs veteranos, o roteiro traz propostas ousadas e surpresas arrepiantes. Há espaço para piadas "maduras" e até citações à clássicos como "O Iluminado" (!) - aliás, alguns momentos são mais assustadores que muito filme "de terror" por aí. 

Uma coisa fica clara: os roteiristas/animadores têm plena convicção de que pelo menos metade do público nas salas dos cinemas já cresceu, e passou por momentos decisivos e duros desde a estreia original em 1995. São muitas as novas camadas exploradas. "Toy Story 4" aponta para um futuro alternativo de forma corajosa, respeitosa e promissora. O tempo passa de forma implacável e seus acontecimentos moldam o que nos tornamos, ok. Se crescer é inevitável, o importante é saber como fazer isso da melhor forma. "Toy Story 4", que tinha tudo pra ser apenas "mais um", é um bonito exemplo de como seguir adiante da maneira certa. Possíveis lágrimas, com a certeza de muitos sorrisos. 


quarta-feira, 12 de junho de 2019

Em Busca do Moinho Sagrado - Terry Gilliam e a Odisséia por Dom Quixote


O Cinema tem seus milagres: "The Man Who Killed Don Quixote" está em cartaz, enfim projetado numa telona! Uma longa odisséia que merece ser divulgada e celebrada, veja só:
Terry Gilliam está longe de ser um iniciante. Artesão dedicado e cartunista de formação, se tornou o único americano no revolucionário humor britânico do Monty Python. Ainda na década de 70, soltou as amarras para se dedicar a exuberantes obras autorais - são dele "Brazil" (1985), "As aventuras do Barão Munchausen" (1988) e "Os 12 Macacos" (1995), entre outras adoráveis loucuras. E foi por volta de 1987 que Gilliam começou a desenvolver seu projeto pessoal dos sonhos: adaptar a grandiosa saga de Dom Quixote de la Mancha para seu universo estético bem particular. Desde então, foram muitos (muitos!) os obstáculos e traumas para conseguir realizar o filme. Ele chegou a gravar parte do roteiro em 2000, tendo a produção paralisada por dilúvios que destruíram o equipamento e por problemas de saúde do protagonista Jean Rochefort. Já cultuado como um dos "roteiros infilmáveis de Hollywood", o projeto chegou a confirmar Johnny Depp no elenco e John Hurt como o icônico personagem. Depp saiu após diversos adiamentos e cortes do orçamento e Hurt se afastou para tratar o câncer que o matou. As gravações oficiais ocorreram entre 2015 e 2017, finalmente concluídas com outro elenco e equipe, de forma independente.
 
Tudo pronto para o lançamento oficial no Festival de Cannes 2018, mais uma reviravolta no caminho: um antigo produtor reivindica os direitos do filme e proibe a exibição no evento. Diante de tanto estresse e pressão, o Gilliam de 77 anos sofre um grave derrame. A justiça ficou ao seu lado e o filme encerrou o festival mais famoso do mundo sob merecidos aplausos. Gilliam resistiu à descrença dos estúdios, ao orçamento reduzido, à morte de dois atores principais e ao próprio peso da idade. Unindo forças à uma equipe jovem e ao velho amigo Jonathan Pryce como Quixote, o diretor conseguiu concluir o tão desejado projeto. Brigas legais com o tal produtor dificultaram a distribuição do filme pelo mundo, estreando em reduzidas salas. Demos sorte: está em cartaz no Rio, no Estação de Botafogo e no Cinépolis Lagoon. Provável que por pouquíssimo tempo, mas em cartaz! Nada mais justo que experimentar a obra onde o criador tanto lutou para projetá-la.

Releitura corajosa e onírica de tudo que se sabe sobre Don Quixote, o resultado parece um hipnótico e delirante sonho compartilhado com o público. "O Homem Que Matou Don Quixote" acaba sendo vários filmes em um só, muitos tons e abordagens dissonantes que ecoam o longo tempo de realização. O que não é exatamente um problema. Mais que uma narrativa, é uma experiência sensorial, uma jornada visual pela mente insana de um artista inquieto. Todos os excessos de Gilliam em cena, assim como todas virtudes que fizeram dele um diretor visionário e respeitado. Assistir esse filme em uma sala de cinema é uma vitória para todos que acreditam na Arte. Uma celebração a todos que dedicam a vida à essa loucura que é tirar um roteiro do papel e captá-lo com uma câmera. Custa dinheiro, requer muito esforço e sacrifícios, parte do sonho para tentar alcançar novamente o sonho. Independente do impacto ou reações internas, um milagre em si. Terry Gilliam, 78 anos, pode agora dormir um pouco mais tranquilo. Se tornou, finalmente!, um vitorioso exemplo do quanto não é fácil ou simples - e também de que desistir nunca é uma opção.


sábado, 1 de junho de 2019

O Homem que Caiu na Terra - "Rocketman", mais um espetáculo de Elton John !




A História do Cinema comprova que cinebiografias de ícones da Música são quase sempre garantia de sucesso na bilheteria e prêmios para os protagonistas. Esse fato foi renovado com o estrondo mundial de "Bohemian Rhapsody", que levou o Queen novamente ao topo das paradas e garantiu o Oscar para o Freddie Mercury de Rami Malek. É quase impossível evitar comparações imediatas com essa cinebiografia do cantor, pianista e ídolo Elton John. As produções até possuem um importante crédito em comum: Dexter Fletcher, diretor de "Rocketman", assumiu as gravações finais de "Bohemian Rhapsody" após a polêmica demissão de Brian Singer - que permaneceu creditado oficialmente, enquanto Fletcher ganhou a simbólica "Produção Executiva". Tirando esse curioso ponto em comum, é bom deixar claro que são projetos muito diferentes. E são três os fatores principais dessa diferença. 

Primeiro: enquanto diversos fatos e datas da vida de Freddie Mercury foram modificados numa "licença poética" para potencializar o peso dramático da narrativa, o próprio Elton John teve participação ativa na concepção e roteiro do que precisava ser abordado no filme. Ele mesmo exigiu que não aliviassem a abordagem de seus vícios (álcool, drogas e sexo) para diminuir a classificação indicativa da produção, afinal "sua vida não foi PG-13". O músico assina a Produção Executiva ao lado de Matthew Vaughn - diretor inglês que revelou o carismático ator Taron Egerton em "Kingsman" (2014). Sua "benção" torna o filme uma obra extremamente corajosa e confessional, garantindo um impacto emocional ainda mais ecoante. Segundo: ao invés de optar por uma mera compilação de hits, "Rocketman" pega o invejável repertório do cantor e o explora de forma sonora e visualmente espetacular. A Música se torna linguagem narrativa em momentos delirantes e fantasiosos que flertam com os grandes musicais e dão maior profundidade ao desenvolvimento dos personagens. Terceiro: a transformação absoluta do protagonista. Rami Malek, o ator, nada tinha a ver com Mercury e realmente conseguiu trazer o vocalista do Queen de volta à vida no visual e gestual impecáveis. O mesmo vale para Taron Egerton, claramente muito galã para encarnar o rechonchudo Elton John. Porém o cuidado com os figurinos e maquiagem é tão certeiro que por vezes precisamos piscar e olhar com atenção: seria uma imagem de arquivo ou o próprio ator? Seu grande diferencial é que Egerton realmente solta a voz em todas as músicas em cena. Em nenhum momento ouvimos os áudios originais do cantor, e sim Egerton dando sua interpretação às canções que movem seu personagem. Um detalhe rico e determinante para o resultado final. 

Evidente que obras distintas não pedem tamanhas comparações, mas essa lista serve apenas para destacar o quanto "Rocketman" é um absoluto triunfo em forma e conteúdo. Um presente caprichado para os fãs e um convite irresistível aos não-convertidos em algumas das baladas mais apaixonantes do século passado. Pulsante, autêntico e orgulhosamente exuberante, "Rocketman" é o espetáculo musical da temporada. Que venham os prêmios. 



domingo, 17 de março de 2019

Caçadores do Ídolo Perdido - As Vidas e Aventuras de Paul Fejos





Onde está Paul Fejos? A pergunta é simples e direta.

Talvez você nunca tenha lido sobre esse nome, o que infelizmente é esperado. Permita que eu o apresente. Nascido na Budapeste de 1897, Pál Fejös desenvolveu paixão precoce pelo Teatro. Logo decidiu: era aquilo que iria fazer, se tornaria um diretor teatral. A família conservadora imediatamente cortou o barato e lhe exigiu um diploma "sério". Ele acatou e jogou pesado: se formou em medicina (!). Canudo em mãos, se despediu dos parentes e partiu para os Estados Unidos - era hora de focar em seu sonho. Rapidamente foi parar em Hollywood, lugar que pessoalmente nunca lhe causou simpatia. Não demorou para chamar a atenção de diversos produtores, por seu modo inventivo e rápido de gravar. 

Fejos foi uma figura ativa e requisitada no final da década de 20. O pouco tempo no coração da indústria foi o suficiente para uma obra-prima inquestionável: "Lonesome", um dos tesouros periods mais valiosos da fase silenciosa do Cinema. Feito na exata transição entre o Mudo e os "Talkies", é um híbrido, uma obra experimental, inovadora e absurdamente romântica. Em pouco mais de uma hora, resume todo potencial ecoante e mágico do Cinema. Ele ainda faria o denso "The Last Performance", explorando ao máximo a imensidão do olhar icônico de Conrad Veidt, e o ambicioso "Broadway", primeiro longa falado a custar mais de um milhão de dólares (!!). Os três títulos citados, todos realizados no mesmo ano 1929 (!!!), já seriam suficientes para lhe reservar um lugar no panteão de gênios da imagem. Não parou por aí. Saudoso do clima europeu e já esgotado das excentricidades americanas, Fejos largou tudo no auge do sucesso. Preferiu experimentar as possibilidades narrativas do som na França - onde dirigiu o luxuoso "Fantômas" (1932), remake de filmes de suspense pioneiros da década de 10. 



Depois de anos gravando na Dinamarca, se cansou de trabalhar com ficção e histórias comerciais. A companhia Nordisk Film reconhecia sua grandeza e lhe garantiu total liberdade criativa, desde que não os abandonasse. Maroto, Fejos indicou que só teria interesse em filmar locações ainda inexploradas. Diante de um grande mapa, arriscou apontar para a ainda semi-desconhecida região de Madagascar. Para sua surpresa, dito e feito! Com a benção e investimentos dos produtores, lá foi ele com uma equipe corajosa e reduzida. Entre 1935/36, se inseriu em tribos e aldeias ancestrais, onde desenvolveu um valioso olhar documental. Fascinado pela simplicidade e pureza daquelas civilizações, acompanhou suas rotinas e rituais de perto. As imagens e registros ali feitos cruzariam o mundo em diversos eventos acadêmicos de Antropologia e História. Contagiado por essa descoberta de "novos mundos", Fejos demonstrou interesse em explorar áreas isoladas da América do Sul. Ao longo de ousadas viagens pelo Peru, Fejos liderou expedições por 18 cidades incas até então perdidas - descobriu e registrou tudo para a posteridade. Seu material visual e etnográfico teve importância absurda para o século XX. Tocado pelo tanto que vivenciou através do contato direto com diferentes povos e culturas, Paul Fejos dedicou os últimos anos de sua vida à Antropologia. Abandonou as câmeras e as viagens para se tornar Diretor de Pesquisa da Wenner-Gren Foundation. Respeitadíssimo no meio, foi professor nas universidades de Stanford, Yale e Columbia. 

Cineasta, Doutor, Explorador e Antropólogo - basicamente um Indiana Jones com uma câmera! Um húngaro, estrangeiro em Hollywood e em quase todos países que viveu, que conduziu o olhar curioso de sua câmera inquieta para a descoberta de novos mundos. Só que você não ouviu falar dele. Nem mesmo cinéfilos dedicados, estudantes dessa Arte, chegam facilmente ao nome de Fejos. Muitos de seus filmes simplesmente se perderam. Os pouquíssimos hoje catalogados e difundidos por seletos grupos foram redescobertos e restaurados por pesquisadores apaixonados do Festival Italiano de Pordenone ou da Criterion Collection. Ele é mais um exemplo cruel de como o imaginário coletivo pode enterrar, quase completamente, o legado de ídolos desconhecidos. Onde estão os merecidos tributos? As exibições públicas para difundir a sutileza visual de sua Arte? Os cursos e palestras sobre sua contribuição para a cultura num sentido muito mais amplo? Onde está seu nome entre tantas figuras fascinantes do século passado? Não que esse humilde texto ajude em muita coisa, é claro. Porém, de forma plenamente sincera e apaixonada, deixo aqui a inquietante pergunta: 

Onde está Paul Fejos ? 


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

"Nós sempre teremos Haiti" - O esquecimento de "Os Farsantes", 1967.



O título original desse filme é "The Comedians". Engana, e muito: quase não há brecha para o humor nas duas horas e meia desse pretensioso thriller político. Uma olhada rápida na ficha técnica já nos atrai para o elenco. E não é pra menos. O super casal Elizabeth Taylor e Richard Burton, basicamente Brad & Angelina dos anos 60, encabeça um elenco de rostos marcantes numa trama de Amor&Guerra no então exótico Haiti. Tudo se desenrola durante o real período do regime violento de Papa Doc, líder que dominou o país entre 1958 e 1971 - portanto, era vivo durante as gravações e lançamento. Tanto que era inviável gravar em locação, o que levou a equipe à igualmente exótica República de Dahomey. Produzido e dirigido pelo ator inglês Peter Glenville, o filme não esconde: tenta ser uma espécie de "Casablanca" (1942) em toda oportunidade que aparece. É no máximo um primo muito (muito!) distante e involuntariamente modesto. 

O resultado é repleto de ótimas intenções, porém acaba vítima do próprio ritmo irregular. Em determinados momentos longos e sem timing, o tédio parece abater os próprios atores em cena. É o caso de Peter Ustinov - vencedor de dois Oscars de coadjuvante e sempre pulsante em cena - que dessa vez parece apenas… estar ali. O casal Taylor & Burton só se encontra para beijos apaixonados e sofrência, o que enfraquece o potencial do angustiado protagonista. Quase que exatamente um Brad Pitt maduro da época, Burton apresenta um anti-herói cético, covarde e até mesmo frágil, que tenta manter as aparências e quase sempre falha. Há valor nesse combo, certamente. Há também outros aperitivos aos curiosos. James Earl Jones, eterna voz de Darth Vader e Mufasa, tem papel importante e Lillian Gish, eterna musa de Griffith e do Cinema Mudo, surge colorida e falante. Já setentona e aparição de luxo, consegue roubar algumas cenas e não permite que sua personagem seja irrelevante - o que aconteceria se fosse outra atriz em seu lugar. 

Porém, o ponto alto de "Os Farsantes" ou "The Comedians" é aquele que melhor encarna ambos títulos. Nome, sobrenome e título: Sir Alec Guinness. Como de costume em sua aclamada (e ainda pouco popular) carreira, Guinness abusa no carisma e ofusca todo o resto. Seu eloquente Major Jones aparece pouco, mas acaba por ditar os rumos de quase tudo que acontece. Quando está em cena, não há outro elemento a ser olhado. É extremamente fácil não se conectar com nenhum outro personagem e dificílimo permanecer indiferente ao dele. Em resumo: ver Guinness se divertindo nas diferentes camadas do personagem é motivo suficiente para encarar esse pomposo thriller datado e quase brega. Pode confiar.



sábado, 5 de janeiro de 2019

Caros Amigos - O Abraço Final de "O Amor em Fuga", 1979.




François Truffaut e Antoine Doinel foram grandes amigos. Mais do que seu alter-ego na ficção, o personagem vivido pelo ator Jean-Pierre Léaud foi uma presença constante e fundamental na vida do cineasta francês. Protagonista de seu primeiro longa, a intocável obra-prima "Os Incompreendidos" (1959), Doinel foi novamente visitado pelo diretor em um curta-metragem e outros três longas ao longo das duas décadas seguintes: "Antoine and Colette" (1962), "Beijos proibidos" (1968), "Domicílio Conjugal" (1970) e esse "O Amor em Fuga". Neles, acompanhamos suas desventuras por diferentes amores, humores e fases da vida. 

"L’Amour en Fuite" foi o quinto e último abraço entre os dois. A palavra de ordem é Nostalgia: diferente dos filmes anteriores, motivados por tramas particulares, esse é caracterizado - quase que condicionado - à flashbacks das produções anteriores. Doinel, agora pai divorciado e preso a um emprego desinteressante, continua com alma juvenil e irrefreáveis paixões platônicas. Um moço apaixonado, como o próprio diretor - num dos mais belos exemplos de Arte como Espelho da própria existência. O clima de "episódio final" é inquestionável: quase todos personagens dos capítulos passados retornam para um balanço geral. Truffaut até sugere algumas subtramas promissoras, logo abafadas sem muita explicação. Tudo é leve, sem compromisso, quase verdadeiramente desnecessário. Porém o laço carinhoso entre criador e criatura é tão singelo e autêntico que não dói nada assistir. Há uma absoluta beleza no simples, e poucos conseguiram captar isso de forma tão apaixonada quanto Truffaut. 

Ainda que não figure entre as obras mais inspiradas de sua filmografia, foi indicado ao Urso de Ouro no Festival de Berlim e teve grande destaque na França - principalmente pela música-título, cantada por Alain Souchon. Se havia o suspense de um possível reencontro futuro com Antoine Doinel, o cruel roteiro da vida interferiu nos planos: François Truffaut morreria em 1984, com apenas 52 anos, deixando órfãos Doinel e toda uma legião mundial de fãs. Ainda que tenha realizado outros filmes até o último ano de vida, talvez seja essa sua autêntica despedida - uma sincera saudação ao fiel amigo e ao fugitivo amor que sempre captou com a câmera. Acima de uma mera comédia romântica, o ponto final de uma bonita amizade.