domingo, 25 de setembro de 2016

"A Infância de Ivan", de Andrei Tarkovsky, 1962.



O russo Andrei Tarkovsky é um dos cineastas mais cultuados e intrigantes de todo Cinema Mundial. Antes de realizar obras controversas e líricas como "Solaris" (1972), "O Espelho" (1975) e "O Sacrifício" (1986), ele estreou na direção de um longa-metragem com essa tocante ode visual anti-bélica. Mas "A Infância de Ivan" - no original "Ива́ново де́тство" - é muito mais que um mero filme de guerra. Ao retratar a inocência perdida de um jovem soviético forçado à vida adulta na lama e sangue da Segunda Guerra Mundial, o diretor faz um ousado e cru retrato do horror de um dos períodos mais nefastos da História da Humanidade. 

Baseado em um conto de Vladimir Bogomolov, o roteiro abre espaço para um desnecessário triângulo amoroso envolvendo dois soldados e uma enfermeira local. Não que isso seja um problema, já que permite ao diretor orquestrar belíssimas cenas e enquadramentos. Sua câmera inovadora nunca está parada, com movimentos calculados e certeiros que formam arrepiantes pinturas em movimento. Em certos momentos, parece até que seus personagens flutuam ou mergulham no mundo de sonhos, em técnicas inexplicáveis para o período. Tarkovsky ainda ensaiava seu estilo característico de filmar e "esculpir o tempo", já de forma impactante: o filme lhe garantiu o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Aqui temos um exemplo claro do que Ingmar Bergman quis dizer quando declarou que "nenhum outro diretor registrou o mundo real e o mundo dos sonhos como Tarkosvky". 

Até os mais leves delírios do protagonista são repletos de dor e crueldade, exatamente por serem… delírios. O diretor ainda é ousado ao usar assustadores áudios e imagens reais do fim da guerra, para ilustrar todo caos que não pode se repetir - enquanto um dos personagens indaga se "teria sido aquela a última guerra da humanidade". Infelizmente, sabemos que não, em um baque surdo que ecoa de forma duradoura. E apenas o silêncio cai bem ao final desse que pode ser o filme definitivo sobre o impacto de qualquer guerra na pureza de uma criança.