terça-feira, 3 de julho de 2012

"O Sentido da Vida" - Ou "Por que "2001 - Uma Odisséia no Espaço" é um dos Melhores Filmes da História"


Qualquer lista de "Melhores Filmes" que se preze tem um lugar cativo para "2001 - Uma Odisséia no Espaço". A ficção científica dirigida por Stanley Kubrick e lançada em 1968 foi seminal em todos os sentidos: além de expandir o horizonte de possibilidades do cinema de até então, ela mudou o modo do homem olhar para si mesmo e para o que existe além da Terra - seja lá o que for. Seus vários detalhes em aberto ainda geram debates e análises, que resultam em livros, teses e documentários. Mais do que ter inspirado TODOS os filmes de ficção científica posteriores, "2001" ultrapassou o gênero. É cinema em sua mais pura forma. Agora... Por que tudo isso? Ok, vamos lá.

Depois de realizar um trabalho burocrático para os estúdios ("Spartacus") e lançar dois filmes que escandalizaram o mundo com seus temas e abordagens polêmicas ("Lolita" e "Dr. Fantástico"), Kubrick alcançou todo o respeito que precisava dos produtores. Ele tinha chegado, enfim, no estágio que sempre buscou: podia fazer os filmes que quisesse, da maneira que quisesse. Assim, ele logo formaria, ainda em 1964, uma parceria com Arthur C. Clarke, um famoso escritor de ficções científicas. Enquanto Clarke transformava em livro (e roteiro) seu conto "The Sentinel", Kubrick mergulhava em uma intensa pesquisa científica que o levaria a trabalhar com engenheiros e cientistas profissionais da NASA. Se ele iria fazer um filme sobre o espaço, seria da forma mais realista e exata possível.


Isso nos leva a um detalhe importante: a produção do filme ocorreu no ano de 1967. Era o auge da corrida espacial entre os EUA e a União Soviética, só que o homem ainda não tinha chegado sequer perto da Lua. Isso só viria a acontecer em 1969, como se sabe. Só que Kubrick chegou lá primeiro. O que seria visto em seu filme (de 1968) era algo muito próximo da realidade, algo que nenhum homem jamais tinha imaginado. A relação dos astronautas com a gravidade, a aparência dos planetas, a funcionalidade das naves... Nada daquilo existia na mente das pessoas. Ok, a Terra imaginada por ele era mais azul - mas ninguém tinha visto a aparência da Terra do espaço ainda. Tudo veio da cabeça daquele homem. E estamos falando de um filme feito quase uma década antes de "Star Wars". Hoje, ao assistir o filme original de George Lucas, percebemos que alguns efeitos especiais eram bem precários comparados aos modernos. Curioso pensar que isso não ocorre quando vemos "2001". Os efeitos eram tão precisos e sutis que não envelheceram nem um pouco. O filme poderia ter sido feito hoje em dia.

É injusto tentar explicar ou resumir a "trama" do filme. Na verdade, temos pequenos episódios que juntos formam um panorama sobre o ser humano, a evolução e a busca por algo além da vida, além do nosso planeta. E é aí que entra a misteriosa e controversa figura do monolito.  Presente em todos os "episódios" do filme, o monolito é o maior enigma do complexo roteiro feito por Kubrick e Clarke. Para alguns, representa o pensamento humano; para outros, a vida extraterrestre. Há até quem acredite que ele é a representação do que seria "Deus". Para resumir, "2001" é, em sua totalidade, tudo o que "A Árvore da Vida" tanto queria ser e não conseguiu plenamente: uma completa experiência sensorial.


E chegou a hora de falar de um capítulo à parte dessa produção: o som. Sem exagerar nem um pouco, afirmo que "2001" é O melhor casamento entre som e imagem que o cinema já viu. Ao invés de manter  uma constante e irritante trilha sonora de fundo para suas cenas, Kubrick faz intenso uso do silêncio. Detalhes da cena, como a respiração do astronauta ou o barulho dos sensores da nave, se tornam a música perfeita na composição de suas cenas. E nada de lasers ou explosões: o som não se propaga no vácuo, é bom lembrar. Kubrick lembrava. Ao invés de ficar chato ou arrastado, tudo funciona às mil maravilhas. Em certos momentos, inclusive, o filme se porta como se fosse mudo. Não acontece nenhum diálogo nos primeiros 25 minutos nem nos últimos 23. 0 cinema é uma arte visual, e "2001"é PURO cinema, em cada fotograma.

Por ser um intenso amante de música clássica, ela acabava se tornando um personagem próprio nos filmes de Kubrick: seja pelo Beethoven onipresente em "Laranja Mecânica" ou pelo lirismo de Shostakovich e Mozart em "De Olhos Bem Fechados", a trilha clássica sempre ditava o tom de suas obras. Mas aqui foi o auge. É impossível ouvir as notas de "Assim Falou Zarathustra" de Richard Strauss sem lembrar da abertura do filme ou da icônica cena do ancestral símio aprendendo a enxergar o osso como arma. Mesmo assim, nada se compara ao uso da valsa de Johann Strauss II, "O Danúbio Azul". O balé visual orquestrado por Kubrick casa perfeitamente com as lindas imagens que são verdadeiros quadros em movimento. Para isso, faz uso de um andamento mais lento que se torna hipnótico pela combinação da música de Strauss com as naves ou canetas flutuantes que preenchem a tela. Ainda hoje, é de arrepiar. Tanto que a NASA continua usando "O Danúbio Azul" para acordar seus astronautas em treinamento. Não é pouco.


Além dos incrivelmente realistas símios que protagonizam o primeiro "episódio" dentro do filme - um emocionante filme de ação em que nenhuma cena é dispensável -, poucos personagens são relevantes dentro da linha narrativa. Quando o símio joga o osso para o alto, temos o antológico corte que resume quatro milhões de anos de história humana nos dois segundos em que o osso no ar é substituído por uma nave no espaço. E quando as falas aparecem, são vazias e corriqueiras - assim como os personagens que as falam. Isso mostra não só a irrelevância das falas em uma arte visual, mas também do homem diante do universo que o filme propõe apresentar. Por uma ironia muito bem pensada por Kubrick e Clarke, o personagem mais carismático é o robô HAL-9000. Por mais que muitos acreditem, seu nome NÃO é uma referência à empresa americana de informática IBM - perceba que é só "diminuir" cada letra do alfabeto para formar "HAL". O próprio Clarke nega isso. Mas só um diretor brilhante - e a voz mansa de Douglas Rain, que nem chegou perto do set de filmagem - poderia transformar uma simples luz vermelha em um dos maiores vilões e personagens do cinema. E faz isso muito bem.

Nos 148 minutos de duração, nenhuma informação visual é gratuita ou desnecessária. Algumas cenas ainda surpreendem pela sua execução perfeita. Por exemplo: durante as pesquisas para o filme, Kubrick descobriu que seria necessário construir uma plataforma circular no espaço para que fosse criado um campo gravitacional a ser usado pelos astronautas. Ele pensou "Sem problemas". E assim foi construída uma imensa plataforma circular para as filmagens, uma verdadeira roda gigante que servia como set para a base dos astronautas. Pode ser considerado loucura para alguns, mas são essas coisas que justificam a alcunha de gênio que ainda hoje acompanha fielmente o nome de Stanley Kubrick.


O ápice de toda imaginação visionária do diretor americano está na última meia hora de projeção. No momento em que o astronauta sobrevivente Dave, interpretado por Keir Dullea, ultrapassa a velocidade da luz, Kubrick entrega ao público uma viagem psicodélica de 10 minutos pelo que seria a eternidade espacial. E nesse momento, "2001" se torna 3D antes mesmo do efeito virar mania mundial.  Tudo culmina na polêmica sequência final, onde passado, presente e futuro se encontram em um luxuoso quarto de hotel. A ideia era ser tão confuso quanto envolvente, e é possível que nem Dullea soubesse bem o que estava fazendo ali. São várias as teorias acerca de seu real sentido, mas o objetivo dessa análise não é apresentar uma delas. Como o próprio autor Clarke diria: "Se alguém entendeu "2001" totalmente, nós falhamos seriamente na realização do filme". Kubrick ouviria isso com um cínico sorriso no rosto.

Muitos espectadores despreparados vão achar o filme "chato, sem sentido ou inconclusivo". Isso é normal. Mas é bom lembrar do nome do filme. Kubrick propôs uma "Odisséia no Espaço", apresentar um lugar aonde nenhum homem tinha ido. Ele nos deu a visão mais próxima e realista do que seria esse lugar, sem ação desenfreada ou explosões para todos os lados. E mais do que dar uma resposta pronta para tudo no final, Kubrick estava preocupado com a viagem em si. Todos seus filmes são assim, é só ver. "Laranja Mecânica", "Barry Lyndon", "O Iluminado"... Todos eles apresentam um final "inconclusivo". Mas o importante é o trajeto até ele, as experiências que temos ao longo do caminho. Kubrick filmou menos do que planejava em vida. Por ser muito detalhista, chegou a lançar, no final da carreira, apenas dois filmes em quase vinte anos. Por não conseguir visualizar seu mais pretensioso projeto, "Inteligência Artificial", entregou-o para seu fã Steven Spielberg - o mesmo Spielberg que considerava "2001" o grande "Big Bang" da geração que tomaria os cinemas nos anos 70, da qual fazia parte. Kubrick morreu repentinamente em 1999, aos 70 anos. Ironicamente, não chegou ao ano que tanto marcou sua carreira. Nem concluiu seu último filme, "De Olhos Bem Fechados", lançado postumamente. Em sua própria vida, foi a prova de que o importante não é chegar ao destino da viagem, mas sim fazê-la.