segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

In My Life - Adolescência de John Lennon é revisitada em "O Garoto de Liverpool"


Quando o nome de John Lennon é citado, é normal vir à cabeça das pessoas a imagem do homem de cabelos longos e óculos escuros com a camisa "New York City", eternizada na fotografia tirada na época do lançamento de seu maior hit, "Imagine". Mas a realidade que poucos conhecem é a sofrida e rebelde adolescência do ex-beatle em Liverpool, antes de fundar a banda que mudaria a história da música - e, de certa forma, do mundo. E é esse o foco do filme "O Garoto de Liverpool"("Nowhere Boy", no original).

Na trama, acompanhamos Lennon na fase em que ele descobre o paradeiro da mãe, de quem fora afastado ainda criança, morando desde então com a fria tia Mimi. E é ao conviver mais com Julia, sua animada e extrovertida mãe, que ele descobre sua paixão pela música. Essa o ensina a tocar banjo e o apresenta à Elvis Presley, que viraria ídolo do aspirante a cantor, inspirando sua postura e visual no início da carreira. Mas esse contato materno logo leva aos conflitos que movem o filme.

O grande triunfo do filme é focar na parte menos conhecida do homem que viraria o mito. Só os fãs dos Beatles notarão as pequenas menções feitas à história da banda, como as rápidas aparições do orfanato Strawberry Field e da rua Penny Lane, que inspirariam músicas do quarteto. A primeira cena do filme, inclusive, é uma menção ao filme "A Hard Day's Night", que os Beatles fizeram em 1964, detalhe que poucos irão notar. Desse modo, o filme não fica com cara de uma filmografia convencional, e isso acaba dando maior credibilidade aos personagens.


Não é exagero falar que o filme tem seu ponto alto nos atores. Aaron Johnson, que já tinha se destacado em "Kick Ass - Quebrando Tudo", surpreende em uma atuação magnética que atrai toda a atenção. Poucos ligarão o pacífico John Lennon à figura arrogante, irresponsável e grossa desempenhada por um topetudo Johnson, que causa grande estranhamento inicial. Mas assim como o Lennon real, o personagem se desenvolve ao longo no filme, e ao final todos acreditam que aquele é o homem por trás do ícone. Johnson se torna Lennon diante de nós, numa transformação que nos faz entender a tênue diferença entre atuar e se tornar. Atenção especial à voz do ator, idêntica à do cantor. Outra atriz que dispensa elogios é a sempre magnífica Kristin Scott Thomas , que arrasa na pele da dura tia Mimi, que cria o garoto. Sua personagem é do tipo que não sabe demonstrar os sentimentos, escondendo o amor pelo garoto atrás da postura rígida. Anne-Marie Duff também faz um belo trabalho na pele de Julia Lennon, que inspiraria a música "Julia" presente no Albúm Branco, uma das melodias mais bonitas escritas por Lennon.


Para dar vida aos jovens Beatles, Paul McCartney e George Harrison (é bom lembrar que Ringo não dá as caras aqui, pois só entrou na banda meses antes de estourarem), a diretora optou por escolher atores que não parecessem fisicamente com os músicos. Afinal, o filme é sobre Lennon, e não sobre a gênese da banda. Mesmo assim, Thomas Sangster, que dá vida ao jovem McCartney, consegue demonstrar a origem da amizade e eterna competição que ocorreria entre os dois músicos no futuro. O verdadeiro Paul, hoje com 68 anos, inclusive desmente o soco que teria levado de Lennon, retratado no filme.

Outra sábia escolha da diretora foi focar a trilha sonora nas músicas que inspiraram Lennon e os jovens membros do grupo Quarrymen, ao invés da escolha óbvia que seria os sucessos iniciais da banda. Assim, dá-lhe Elvis e outros sucessos dos anos 50 que representaram a origem do que se chama de "Rockn'Roll". Atenção especial à música "Maggie Mae", que Lennon aprendeu com a mãe e que seria oficialmente gravada pelos Beatles para o último álbum, "Let It Be", lançado em 1970. A fotografia do filme também é perfeita, e certos quadros parecem verdadeiras pinturas em movimento, graças às belas paisagens inglesas.


A polêmica do filme, dessa vez, ficou do outro lado das câmeras: durante as filmagens, Johnson se apaixonou pela diretora do longa, Sam Taylor Wood, que tem 43 anos. E assim começou o romance que culminou no casamento dela com o ator de 20 anos. A diferença de idade não foi problema, e o casal já tem uma filha que nasceu no final do ano passado.

O filme, de 2009, é lançado aqui em boa hora, no momento em que é comemorado ao redor do mundo os 70 anos que o cantor estaria fazendo se não tivesse sido assassinado há 30 anos a tiros por um "fã". No fim das contas, "Nowhere Boy" é uma pequena grande produção, que agrada mesmo àqueles que não são fãs do quarteto de Liverpool. Afinal, não é a história dos Beatles ali mostrada, e sim a do homem (no caso, garoto) por trás deles. A história do garoto de lugar nenhum.