sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Espião Que Sabia Demais - O Cinema Comemora 50 de James Bond


"Bond. James Bond." Foi no dia 5 de outubro de 1962 que o grande público pela primeira vez ouviu essa frase em uma sala de cinema. Era o primeiro contato com o mundo fantástico do agente secreto 007. Estava dada a largada para uma das franquias mais lucrativas e bem-sucedidas da história do cinema. Depois de enfrentar o enigmático Dr. No no filme de estreia, ele viria a encara vilões icônicos como o deformado Blofeld, o magnata Goldfinger, Oddjob e seu mortal chápeu laminado, Scaramanga e sua famosa pistola de ouro, o gigante Jaws com seus "Dentes de Aço" e por aí vai... Uma das galerias de vilões mais respeitáveis entre os heróis do cinema. Sob as ordens do chefe do MI6 conhecido apenas como M, o agente "secreto" mais famoso do mundo usou sua licença para matar em quase todos países do mundo - inclusive no Brasil, visitado e "homenageado" de forma bem caricata em "O Foguete da Morte", de 1979. Em suas missões, aproveitava para usar seu charme e conquistar todas mulheres que cruzassem seu caminho. Resultado: dormiu com nada menos que 65 (!!!) beldades - e isso só até agora! De brinde, os personagens da série passaram a ocupar um lugar afetivo na memória dos fãs, como era o caso do engraçado Q e seus apetrechos especiais e da charmosa secretária Miss Moneypenny, que vivia um eterno caso de amor não correspondido por 007. Independente da década, do protagonista e do título, o público nunca se cansava de voltar aos cinemas para ver o agente iniciar uma nova aventura com um tiro certeiro em direção à tela. 

Eis que, meio século depois, chegamos à estreia de "Operação Skyfall", a 23ª missão do agente - encarnado pela terceira vez no inglês Daniel Craig. Antes dele, o espião que todos amam foi interpretado (oficialmente) por cinco diferentes atores: Sean Connery (em seis filmes oficiais e um independente), George Lazenby (em um filme), Roger Moore (sete filmes), Timothy Dalton (dois filmes) e Pierce Brosnan (quatro filmes). E para comemorar os 50 anos de 007 nos cinemas em grande estilo, o "Kaio No Cinema" fez uma seleção com os seis filmes mais marcantes protagonizados por cada ator que já teve a sorte de se apresentar como o personagem. 


Vamos aos filmes! 

Daniel Craig - "Cassino Royale", 2006.



Verdade seja dita: TODO MUNDO estranhou e reclamou quando anunciaram um cara loiro, de olhos azuis e visual truculento como a nova encarnação de James Bond - principalmente a geração acostumada ao charme do galã Pierce Brosnan. Mas Daniel Craig superou as críticas iniciais, excedeu as expectativas e provou ser a escolha certa, adaptando seu agente para o século XXI da melhor maneira possível. Seu 007 erra, sangra, se precipita, se apaixona... Ou seja, é um heroi de carne-e-osso. O filme também ajudou: "Cassino Royale" tem um dos roteiros mais amarrados e redondos de toda a série, contando ainda com a estonteante Eva Green como uma das melhores Bond Girls e com um vilão crível, que só quer salvar sua pele e não dominar o mundo. Tudo isso pontuado com cenas de ação espetaculares - a perseguição inicial está, sem sombra de dúvida, entre as melhores feitas no cinema nessa última década. 


Pierce Brosnan - "Um Novo Dia Para Morrer", 2002.


Quando Brosnan assumiu o papel do agente secreto, em "GoldenEye"(1995), pareceu cair como uma luva no universo de Bond. Caiu nas graças do público com seu terno sempre impecável e ar debochado. Só que seu "reinado" durou menos do que o esperado, protagonizando apenas quatro filmes. Embora tenha sido a cara de 007 na década de 90, foi nessa última missão como o agente que ele melhor juntou os ingredientes de sua "fase". Missões absurdas que resultariam no colapso mundial, apetrechos tecnológicos que só os efeitos especiais poderiam tornar possíveis, cenas de ação explosivas/exageradas que só reforçavam a ideia de "super-homem" e ainda uma tirada cômica ao final de cada golpe dado em um inimigo... Está tudo lá. (Muitos) Exageros à parte, comprovou o sucesso de Brosnan como o personagem e fechou bem sua participação na franquia. 


Timothy Dalton - "Permissão Para Matar", 1989.


Quase vinte anos antes de Daniel Craig injetar mais realismo na franquia 007 com seu "reboot", o diretor John Glenn e Timothy Dalton já arriscavam uma aventura de James Bond mais "pé no chão". O resultado foi esse filme, possivelmente o mais violento da série. A ideia era arriscada: apresentar um James Bond em busca de vingança por um amigo que tinha sido torturado e morto. Para piorar, ele perdia sua licença para matar e o apoio do MI6, tendo que agir por conta própria. O resultado foi uma certa descaracterização do personagem, deixando o filme com cara daqueles clássicos de ação que passam no "Domingo Maior", bem anos 80. Mas é aqui que fica claro o estilo durão do agente de Dalton - desaprovado pelos fãs mais fervorosos. E nada de magnatas querendo dominar o mundo: aqui o vilão era um violento traficante de drogas, cujo capanga foi o primeiro papel de um certo Benicio Del Toro. Ame ou odeie, vale uma conferida.

Roger Moore -  "Viva e Deixe Morrer", 1973. 


 Esse pode até não ser o melhor filme da fase Moore - muitos berrarão "O ESPIÃO QUE ME AMAVA!!"-, mas é aqui que melhor aparecem as características marcantes desse período. O irônico Moore encarnou Bond nas aventuras mais fantasiosas e exuberantes - e, por vezes, mais divertidas - do agente. Não apenas o visual, mas o próprio tom dos filmes tinha mudado. Nesse, o primeiro filme apresentando Moore, os anos 70 - com toda sua moda, música, estilo, ideiais - pulsam na tela da primeira à última cena. Tudo com direito a trilha sonora original de Paul McCartney, cenas em Nova York, vilão com um "mortal" braço mecânico, jacarés, perseguição de lancha, cartas de tarô, cobras, vudu e rituais satânicos. É, deu para sentir o clima.

George Lazenby -  "A Serviço Secreto de Sua Majestade", 1969.


Temos aqui o filme mais criticado e renegado de toda a franquia, muito devido à presença do então modelo George Lazenby como o primeiro "novo Bond" da saga de 007 nos cinemas. Apesar da fama e do preconceito geral, acredite: Lazenby não manda tão mal assim. Seu agente tem menos personalidade que os demais, é verdade, mas ele consegue segurar as rédeas. Até porque essa é uma das tramas mais interessantes adaptadas dos romances originais de Ian Fleming. Para se ter uma ideia, além de ser uma das aventuras mais realistas, conta ainda com o casamento (sim, casamento!) de James Bond - o que, por si só, já é motivo de sobra para ver o filme.  O elenco de rostos marcantes - do qual fazem parte Telly Savalas e Diana Rigg - dá um estilo visual bem marcante ao filme, que ainda tem um dos cenários mais misteriosos e exóticos já visitados por 007: Piz Gloria, uma instalação bem no meio dos Alpes Suíços. Isso sem falar na trilha sonora composta por John Barry especialmente para o "novo Bond" que entrava em ação. Ajuda muito o resultado, pode ter certeza.  Definitivamente, um filme que merece uma chance.


Sean Connery - "Golfinger", 1964.


Não tem jeito. É simplesmente impossível falar dos filmes de 007 sem citar esse que foi o maior sucesso do espião nos cinemas. Trabalho mais marcante de Sean Connery na pele de James Bond, "Goldfinger" é apontado por muitos cinéfilos e críticos como O filme definitivo de Bond. Tudo que se espera da franquia começou ali: a sequência de ação antes dos créditos, uma marcante música de abertura com imagens de armas e mulheres, a cena cômica em que o agente Q apresenta os apetrechos especias a serem usados na missão - com uma cena proposital para o uso de cada um deles -, um vilão excêntrico com um plano mirabolante, um capanga com alguma "habilidade" marcante, uma bondgirl ousada e um grande clímax. Ah, isso sem falar na garota dourada morta na cama, a cena icônica que ajudou a eternizar a terceira aventura do agente. Enquanto fizerem filmes de 007, "Goldfinger" será um referencial e fonte de inspiração. Como indicam a música e o tema, é "puro ouro".

É bom deixar claro que esses filmes aqui citados não são necessariamente "os favoritos" do cinéfilo que vos escreve. O objetivo desse artigo não é fazer uma lista com "os melhores filmes da franquia", e sim apontar os que melhor definem a fase de cada ator que já deu rosto a James Bond. Muitas vezes é inevitável apontar um filme como predileto ou "número 1", mas isso sempre gera polêmica e discussões. É impossível alcançar unanimidade nesse quesito, e é até melhor que assim seja. Se tivesse que apontar um favorito, o posto ficaria com a segunda aventura do agente. "Moscou Contra 007", lançado em 1963, ainda era uma espécie de "filme teste", sem as marcas da série. O famoso "Bond, James Bond" nem é falado nele, para se ter noção. Talvez até por isso a produção funcione tão bem sozinha. Mais do que uma aventura de 007, "From Russia With Love" (no original) é um dos melhores filmes de espionagem já feitos.  A trama, feita no período da Guerra Fria e a abordando de forma bem direta, é calcada no realismo. Nada de exageros. As locações na Rússia transbordam um clima absurdo de suspense, encarnados na figura de Robert Shaw, um matador silencioso que merece estar no ranking de melhores vilões do agente secreto. Tudo funciona maravilhosamente nesse filme dirigido por Terence Young. Fica a dica.




E assim chegamos à "Operação Skyfall" com as expectativas nas alturas. Depois do fraco "Quantum Of Solace", tudo indica que a nova produção com Craig botará a franquia novamente nos trilhos com uma trama que, de tão arriscada e ousada, vem sendo escondida a sete chaves pelo estúdio. Sem falar que é a primeira vez que um filme de Bond é comandado por um diretor vencedor do Oscar. No caso, o excepcional Sam Mendes, diretor de obras-primas modernas como "Beleza Americana" e "Estrada Para a Perdição". Adicione o ator - também ganhador do Oscar - Javier Bardem como um visceral vilão e o consagrado Ralph Fiennes como um misterioso personagem e fica realmente difícil imaginar o que pode dar errado nessa mistura. 


O britânico Ian Fleming criou Bond há 60 anos, enquanto aproveitava o verão de 1952 em sua casa na Jamaica - curiosamente, batizada por ele de "Golden Eye". Quando lançou o romance "Cassino Royale" em 1953, não tinha noção de como mudaria a cultura pop mundial. Morreria dez anos depois, em 1963, durante as filmagens de "Goldfinger", exatamente o filme que daria início à "bondmania". Fleming não chegou a ver o grande sucesso que seu personagem alcançou pelo mundo. Mas ele, definitivamente, pode descansar em paz. Ao impedir que inúmeros inimigos pudessem realizar seus planos, 007 ironicamente conseguiu, ele mesmo, dominar o mundo. E enquanto há uma bala a ser atirada, alguma missão a ser cumprida, uma dama a ser cortejada e alguma taça de Martini (batido, não mexido) a ser bebida, o fascínio continua - todo resumido em um só nome. Bond. James Bond.




segunda-feira, 22 de outubro de 2012

"Em Busca da Terra do Nunca" - Wes Anderson Pinta um Quadro da Adolescência no Lírico "Moonrise Kingdom"


Wesley Wales "Wes"Anderson é um cara excêntrico. Basta ver ou ler qualquer entrevista dele para ter certeza disso. Logo, nada mais justo do que seu cinema e personagens também serem. Isso que o cineasta americano é: o atual "rei das famílias e personagens disfuncionais" no cinema. Tal característica está presente em todos seus filmes, é só conferir. "Os Excêntricos Tenenbaums", "A Vida Marinha Com Steve Zissou", "Viagem a Darjeeling" e até mesmo a animação "O Fantástico Sr. Raposo" são produções que contam com grande elenco em tramas bizarras repletas de humor negro - que viram instantaneamente "cults". Quando Anderson anunciou um novo projeto, essas marcas já eram esperadas pelos fãs de seu trabalho. Alguns até já falavam, com preconceito, que "lá vinha mais do mesmo". E eis que surge "Moonrise Kingdom".

Deixando de lado os termos técnicos e sérios de um crítico de cinema, vamos direto ao assunto: QUE FILME BONITO! Tudo bem, todo mundo já sabe que tipo de filme esperar de Wes Anderson. E sim, está tudo lá, como o esperado. Mas quando a tela ligeiramente granulada toma a sala de cinema de assalto, com imagens que parecem verdadeiras pinturas em movimento, é impossível não ser puxado para aquele universo tão singular e curioso. Os estilosos créditos iniciais, o som de uma doce música clássica ao fundo, a direção de arte espetacular, o uso de cores e movimentos de câmera que chegam a lembrar Stanley Kubrick... Tudo funciona às mil maravilhas. E o público percebe quando dá certo. O resultado é um deleite visual, um suspiro que se mantém durante toda a projeção.


A tema aqui é a adolescência, com todos seus dramas e anseios. O roteiro é um primor, onde os personagens e acontecimentos vão sendo apresentados sem nenhuma pressa. Quem conhece Wes Anderson sabe que seus filmes têm um andamento próprio. Mas isso não prejudica o produto final. Temos um longa-metragem redondo, de 94 minutos, que apesar de parecer meio corrido em certos momentos, nunca parece lento demais. Pode-se dizer, inclusive, que é seu filme mais acessível ao grande público. 

O elenco, como era de se esperar, é um destaque à parte. O diretor volta a trabalhar com os queridinhos Jason Schwartzman e Bill Murray, mas isso é mero detalhe. Schwartzman tem um papel bem curto, enquanto Murray dessa vez não tem a chance de brilhar com seu personagem apagado e pouco relevante. Mais marcantes são as novas aquisições da galeria astros que Anderson dirigiu: um Bruce Willis longe da figura de herói imortal que o consagrou, Edward Norton estudando seu talento cômico e Tilda Swinton em uma ponta de luxo. Até um envelhecido Harvey Keitel dá as caras em uma participação especial. Mas o destaque absoluto, claro, vai para os jovens do elenco. Afinal, relembrando: é um filme sobre adolescência.

Sabe todos os clichês sobre o primeiro amor e suas descobertas? É meio inevitável fugir deles, devemos admitir. Mas merecem palmas os diretores que conseguem dar uma nova solução e abordagem a esse momento com o qual todos nos identificamos. É o que acontece aqui. Os acontecimentos de "Moonrise Kingdom" podem parecer um pouco exagerados ou surreais em certos momentos. Mas por trás daquilo, está a velha história de um garoto e uma garota se descobrindo e lutando para ficar juntos. Os atores Kara Hayward e Jared Gilman - que é a cara da Tilda Swinton... Será que é o filho dela? - estão perfeitos e marcantes em suas interpretações. A dupla é puro carisma. E a escolha a dedo de cada um dos escoteiros só ajuda na fórmula final. Se é o elenco adulto e consagrado que dá credibilidade ao projeto, é o elenco infanto-juvenil que injeta alma em cada fotografa. 


No decorrer das ações que movem o filme, percebemos mais e mais que os adultos parecem perdidos e confusos no mundo que deveria ter neles uma figura de autoridade. São as crianças que tomam as grandes decisões e iniciativas narrativas. Durante toda a projeção, elas têm postura de adultos, às vezes até violentas. Mas elas precisam dessas posturas para conseguir sobreviver ao ambiente em que estão.  Ao mesmo tempo em que parecem buscar uma "Terra do Nunca" onde possam viver para sempre, distantes de tudo, eles precisam antes saber viver naquele mundo do qual querem fugir. Desse ponto de vista, o filme vai além da questão amorosa da adolescência, se apresentando como um filme sobre o amadurecimento - tanto dos adultos quanto dos mais jovens.

Não bastassem os conflitos identificáveis da trama envolvente, a trilha sonora de Benjamin Britten só facilita a viagem. E a direção de arte é a cereja do bolo. Antes de qualquer coisa, "Moonrise Kingdom" é um filme bonito de se ver, composto por imagens que falam sozinhas. Alguns fotogramas gritam para virar quadros, de tão líricos e inspirados. Perto do final da projeção, a câmera vai se afastando da casa com a mesma discrição com que entrou no início. Nesse momento, a garota, Suzy, lança um discreto olhar para câmera enquanto a câmera emula uma espécie de "Adeus" àquele universo maravilhoso que visitamos. É nesse momento que nos lembramos, timidamente, o porquê de irmos ao cinema. É o momento em que sentimos a magia de entrar e sair de um "mundo novo", acessível apenas através de uma sala escura com uma projeção. Todo diretor que consegue despertar isso em pelo menos um espectador já é digno de prêmio. Ou seja, e basicamente: palmas para Wes Anderson.