O clima ainda era calmo no Centro do Rio de Janeiro na noite em que o filme foi exibido - no caso, o dia 15 de junho de 2013. Apenas dois dias depois, uma manifestação popular faria história no mesmo cenário, onde mais de 100 mil pessoas - na maioria jovens - se reuniram e ocuparam toda Avenida Rio Branco em um dos maiores protestos pacíficos da história do país - sem dúvida, um dos mais bonitos e inspiradores. Talvez não por acaso, uma grande presença de jovens e estudantes podia ser notada na sala do Municipal na noite daquele sábado.
Em 1925, então com 27 anos, Eisenstein recebeu uma encomenda especial: o convite para fazer um filme em comemoração à revolução iniciada em 1905. Era a partida para a realização de sua obra mais estudada. Pegando como base o caso real de um motim ocorrido a bordo do encouraçado Potemkin da Esquadra do Mar Negro, o diretor começou a orquestrar toda sua adaptação em torno daquele fato. O navio representaria a nação, os marinheiros insatisfeitos o seu povo, os capitães cruéis o governo autoritário. Até mesmo a religião seria representada de forma simbólica - e um tanto irônica. Em um momento em que Hollywood se firmava com suas super produções apoiadas no carisma de astros famosos, em que a Alemanha focava em seu pessimista e alucinante Expressionismo e a França experimentava novas abordagens através de Vanguardas, Eisenstein orquestrava um verdadeiro manifesto na União Soviética. Quando um dos marinheiros, cansado das humilhações e condições de vida, resolve quebrar o prato que devia limpar (veja aqui a cena), os olhos do mundo inteiro se voltaram para aquelas imagens. Tudo bem que a edição fragmentada do diretor reforça o impacto da cena, mas o mundo da primeira metade daquele século sabia bem qual era aquele sentimento, enfim representado no cinema.
Ver as fortes imagens em uma tela grande no Municipal só intensifica o espetáculo. A presença da orquestra em cima do palco - ela normalmente fica no fosso, deixando o palco livre para o grande telão - acabou dividindo as atenções e tirando um pouco o destaque do filme em si, mas nada que diminua a força da iniciativa. Assistir "O Encouraçado Potemkin" devia ser obrigatório no mundo em que vivemos. Goste ou não da abordagem do diretor ou das ideologias por ele defendidas, é um registro de um dos momentos mais significativos da História Mundial Moderna - mesmo falando de quase um século atrás. Um dos poucos filmes a ser considerado Patrimônio Cultural da Humanidade, "O Encouraçado Potemkin" continua influente e inspirador em vários aspectos, sejam eles cinematográficos, sociais ou até mesmo políticos. Afinal, como não ligar o despertar dos leões de pedra da cidade durante os ataques (veja aqui a cena) com o que tem acontecido com a população brasileira nos últimos dias ?? Ao que tudo indica, o navio continua imponente no mar da História.