segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Uma Overdose de Nostalgia - Era Uma Vez... na Hollywood de Tarantino




Imagine que você é, acima de tudo, um grande cinéfilo. Uma pessoa que realmente ama assistir filmes e prestar atenção nos pequenos detalhes, nas diferentes abordagens narrativas, até nos estilos atípicos que acabam com o rótulo de "cult". Agora imagine que você, sendo tudo isso em essência, consiga se tornar um dos cineastas mais idolatrados e reconhecidos do mundo inteiro. Essa é a vida de Quentin Jerome Tarantino. Um dos nomes que redefiniram o Cinema para o século XXI, o americano tem uma reputação invejável e ultravalorizada - levando em conta que tem em seu currículo "apenas" nove filmes. Resumindo a ideia: Tarantino, 56 anos e Palma de Ouro + Oscar no currículo, faz o que quiser. Faz do jeito que quiser. Faz no tempo que quiser. Faz com o dinheiro que quiser. 

Seu novo longa-metragem, "Once Upon a Time In Hollywood", é uma prova gritante disso. Abrindo mão de seu estilo frenético-pop com explosões de violência visual, Tarantino segue a experimentação de "Os Oito Odiados" (2015) e mais uma vez tenta algo diferente do seu habitual. Claro que os diálogos carismáticos estão lá, assim como um jeitão "cool" involuntário. Porém esse não é o foco de seu novo filme. Nostalgia é a palavra de ordem, o resumo da ópera - podemos chamar de ópera, são quase 3h de duração sem a menor pressa. Tarantino faz uso (com muita propriedade) de sua absoluta nostalgia cinéfila para fazer vários filmes dentro de um. Como está lidando com a figura de um astro decadente da clássica Hollywood, aproveita pra gravar sequências de filmes de guerra, ou então tensos momentos de um suspense policial, ou programas B de televisão, ou voltar aos Westerns. Após "Django Livre" (2012) e o já citado filme anterior, parece que o diretor realmente tem um fraco por faroestes - é quase o terceiro em sequência! Por trás dos figurinos de Velho Oeste, pistolas ao Sol, cavalos e muitos cowboys, "Era Uma Vez em… Hollywood" é quase um western ambientado em 1969. Ali no meio da bagunça, o autor Tarantino dá um jeito de inserir Sharon Tate, Polanski, Steve McQueen, Bruce Lee e outras figuras icônicas que marcaram sua formação como amante da Sétima Arte. É mais um tributo de fã que uma obra realmente original. Apesar de todo luxo e de tantas estrelas no elenco, talvez seja a obra mais irregular de toda filmografia do diretor. Isso porque, com tantos elementos ricos em mente, o diretor não se decide por uma linguagem ou sequer uma narrativa. 


A trama do astro decadente (DiCaprio, claramente apenas se divertindo em cena) e sua amizade com o dublê instável (Pitt, em seu melhor jeitão blasé) dá tantos saltos repentinos que em certo momento o roteiro assume um narrador desconhecido, só pra situar o público. Flashbacks acabam se tornando quase curtas-metragens dentro de uma única longa cena. Em determinados momentos, a edição usa letreiros e pausas que destoam completamente do resto da montagem. Não se trata de um tom cômico ou estilo narrativo, são apenas artifícios soltos e desconexos. Coisa de quem não deve nada a ninguém - é aquele papo, Tarantino pode fazer o que bem quiser. 

Os dramas internos e reflexões humanas dos personagens estão mais ricos a cada novo filme, porém por vezes acabam perdidos (ou baleados, ou atropelados, ou esfaqueados, ou queimados) em um grande calderão aquecido por seu próprio criador. Veteranos cultuados como Al Pacino e Bruce Dern, anunciados como papéis coadjuvantes de destaque, surgem de forma reduzida e quase simbólica. O mesmo vale para velhos conhecidos dos fãs como Michael Madsen, Kurt Russel e Zoë Bell. Talvez presentes, cá entre nós, apenas para o público lembrar que é mesmo um filme de Quentin Tarantino. E não deixa de ser: estão lá as frases prontas para futuras estampas, a trilha sonora vintage escolhida a dedo, as altas doses de podolatria e muitos xingamentos por minuto. Mas será que os fãs mais puristas vão lidar bem com essa versão mais madura e nostálgica do cineasta?

O olhar carinhoso (quem diria!) da direção faz uma curva da própria história para que nos apaixonemos pela Sharon Tate de Margot Robbie. De certa forma, ela é o ponto alto da grande bagunça, como se o filme fosse uma velada carta de amor. Porém apenas quem conhece o trágico destino da jovem atriz entenderá plenamente a nova brincadeira de Tarantino. Comparável ao "Ave, César" (2016) dos irmãos Coen em essência e abordagem (até em algumas cenas!), o novo filme de Tarantino não é mais que uma viagem nostálgica. Talvez muito longa e apaixonada - e tudo bem, paixão demais nunca é problema. Acima de um empolgante "novo filme de Quentin Tarantino", "Once Upon a Time In Hollywood" é uma assumida celebração da própria cinefilia. Tarantino pode - e faz! - o que bem quiser. Os fãs que entrem na onda.