terça-feira, 29 de maio de 2012

Monstros S.A. - Os Homens de Preto Voltam à Ação Uma Década Depois da Última Missão!


É muito raro uma ideia incrivelmente original aparecer nos cinemas, pegar todos de surpresa e ainda virar um sucesso de bilheteria. Pois isso aconteceu em 1998, com o primeiro "Homens de Preto". Mesmo sendo baseada em uma obscura e violenta história em quadrinhos - o que ninguém sabia e nem fez muita questão de saber -, a produção original fez de Will Smith um astro, "O" cara do momento. Ok. Depois de 14 anos e de uma continuação fraca e pouco inovadora, Smith continua sendo um dos astros mais rentáveis do planeta, só que não com a mesma força. Seu último sucesso foi o drama "Sete Vidas", mas como ele se sai melhor na mistura de humor e ação, precisava de um novo blockbuster. E qual é a melhor saída na atual Hollywood sem criatividade e voltada para franquias? Ou fazer remakes, ou fazer continuações. A opção escolhida foi a segunda, e o resultado é esse "Homens de Preto 3".

Para quem não se lembra, a trama acompanha os agentes K (o mal-encarado Tommy Lee Jones) e J (o boa praça Smith), que trabalham para uma agencia que controla e combate alienígenas disfarçados como humanos na Terra. Essa premissa realmente permite um número inesgotável de "missões", mas metade da graça dos filmes está na química e empatia da dupla principal. Devido a problemas no roteiro - que teve três versões e chegou a causar uma pausa das filmagens, algo bem grave para uma produção dessa escala - a participação de Jones nas filmagens ficou prejudicada. E, sem ele, a história não ia funcionar. O que fazer?


Para isso, o protagonista e produtor Will Smith tirou da manga uma carta que queria usar em um filme há muito tempo: a boa e velha - além de clichê - viagem no tempo. Você pode se perguntar: Conseguiram usar isso sem perder a essência ou o foco da história? Sim, eles conseguiram. Inclusive, o modo como essa viagem se dá é uma das melhores sacadas do filme - um assunto tão batido, mostrado de maneira tão original e interessante. Mas essa volta ao passado não é gratuita. Tommy Lee Jones pode até aparecer menos tempo em cena, mas seu personagem não poderia simplesmente sumir. A solução foi fazer sua versão mais nova assumir a missão. E aí está o trunfo do filme: Josh Brolin.

Famoso por filmes como "Onde Os Fracos Não Têm Vez" e "O Gângster", o ator é conhecido por seu bom humor e, principalmente, pelo dom de imitar trejeitos e vozes - mesmo sem parecer muito o ex-presidente George W. Bush, ficou igual a ele em "W." com um desempenho fantástico. Aqui, ele se transforma completamente em Lee Jones: o jeito carrancudo, olhar sério e o jeito de falar. A voz, inclusive, é TÃO parecida que muitos fãs pensaram que o veterano ator tinha dublado Brolin em cena. Não foi o caso - a voz é dele mesmo. Sua presença em cena dá uma renovada no verniz da série, e ele chega a roubar algumas cenas de Will Smith.


Ah sim, vale ressaltar isso: o filme é totalmente focado na figura de Will Smith. Se antes ele dividia o tempo em cena com o agente K, aqui ele é o grande protagonista. Ou seja: se você gosta do ator e de seu humor, vai amar o filme. Se não... bem... ele aparece bastante, esteja avisado. Mesmo com alguns momentos um pouco forçados, Smith ainda tem tiradas boas, e consegue divertir e manter o filme como entretenimento acima da média. As piadas que fazem menção ao presidente Obama ou à situação dos negros no ano de 1969 beiram a genialidade.

Um dos problemas de "Homens de Preto 3" é - quem diria - o excesso de alienígenas e monstros. Explico: nos filmes anteriores, o interessante era não mostrar seres de outros planetas toda hora. Eles apareciam em momentos chave, só quando tinham que aparecer. Isso mantinha o interesse da platéia. Nessa terceira parte, eles estão presentes em todas as cenas, o que enfraquece um pouco a atmosfera de suspense que marcou os outros filmes. A cena do restaurante chinês é um bom exemplo: ela começa da melhor maneira possível e nos faz pensar "legal, eles estão fazendo certo!". Só que depois, quando acontece uma emboscada, chega a parecer que estamos no meio de um episódio de Star Wars. São dezenas de seres deformados - que já chegam no local sem disfarce (!) - e uma profusão de explosões e lasers. E a discrição, que era a marca dos Homens de Preto? Mesmo assim, é a cena com mais ação, e por isso o grande público vai adorar. É o que importa para o estúdio.


Mesmo mantendo o ritmo frenético e cômico, o diretor Barry Sonnenfeld (o mesmo das partes anteriores), dá uns deslizes. Além de um vilão pouco carismático - "Boris, o Animal" só funciona mesmo em sua primeira cena - o diretor abre mão de personagens marcantes que farão falta aos fãs: o chefe boa-praça Zed - cuja ausência é explicada logo no começo -, os sarcásticos aliens que preparavam o café na agência e  Frank, aquele pug que roubava todas as cenas em que aparecia. Ele é apenas citado em duas cenas, mas é pouco. Faz falta. Mas esses pontos negativos são equilibrados com boas sacadas. Além de mostrar Lady Gaga, Justin Bieber e Mick Jagger como alienígenas escondidos no planeta, o modo como incluíram o artista pop Andy Warhol na trama é simplesmente GE-NIAL. Bill Hader, comediante do Saturday Night Live, está irreconhecível e hilário como o excêntrico personagem. Mesmo assim, nada supera o sempre sério Tommy Lee Jones cantarolando "Empire State of Mind".

E com tudo isso, eu quis dizer que "Homens de Preto 3" é um filme que se sai muito bem na sua proposta: entreter e divertir. Os efeitos especiais são muito bem feitos e o humor prevalece, mas mesmo assim, ainda bate uma saudade do original feito há 14 anos. Apesar da reviravolta final inspirada, seria demais esperar que o filme fosse tão marcante quanto o primeiro. Mas considerando que se passaram 10 anos desde o último, dá pra ver que a ideia ainda funciona bem. Claro que com o carisma do (agora) trio principal, tudo fica mais fácil. Ao que tudo indica, o terceiro "Caça-Fantasmas" vai pelo mesmo caminho. Agora é esperar pela quarta parte - que, com certeza, não vai demorar de novo tanto tempo pra invadir os cinemas e colocar a Terra mais uma vez em risco.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

Gênio Indomável - A Vida, a Obra e o Deboche de Orson Welles


Não basta ser genial, é preciso saber brincar com isso. Muitos diretores o fizeram, é verdade, mas nenhum chegou perto da bossa e ousadia de George Orson Welles. Sim, o primeiro nome dele era George, embora quase ninguém saiba. Da mesma forma, poucos sabem a história do homem por trás de obras singulares e inovadoras, responsável por uma das maiores obras-primas do cinema.

Em um cineclube recente, organizado para comemorar o aniversário de Welles - que faria 97 anos no dia 6 de maio -, tive a oportunidade de ver "Verdades e Mentiras"(1973), seu último filme. E todas as evidências que apontavam para sua genialidade culminaram ali. Um filme interessantíssimo, diferente e pouco comentado - razão para não ser tão conhecido e estudado como os outros do diretor. Mas o principal: é um filme extremamente personalizado. O tom, a edição, o uso dos personagens... SÓ Welles poderia tê-lo feito. Mas voltemos ao início.


Welles nasceu em Wisconsin, nos Estados Unidos de 1915. Órfão de mãe aos 9 anos e de pai aos 15, o americano teve que se virar sozinho desde cedo. Botou na cabeça que seria pintor, e assim começou a fazer quadros. Bastou receber algumas críticas negativas para largar o pincel. Afinal, nunca lidaria bem a rejeição. Partiu para os palcos, estreando aos 13 anos. E assim começaram os elogios que foram alimentando seu ego até proporções desastrosas.  Aos 18 anos, já era um ator famoso no circuito de teatro experimental. Mas ele queria mais.

E assim foi parar no New York Federal Theatre Project, onde pôde (aos 20 anos!!) estrear na direção de seu primeiro espetáculo. Pequeno detalhe: era uma versão de "Macbeth", de Shakespeare, encenada no Harlem e apenas com negros no elenco. Para os EUA da época, algo tão arriscado quanto polêmico. Mas ao invés de acabar com sua carreira, a peça só fortaleceu sua fama. Ele não parou, e em 1937 fez uma montagem de "Julio Cesar", também de Shakespeare, situada na Itália fascista. Mais polêmica, mais fama para Welles. Só que ele, como sempre, queria mais.


Além do trabalho no teatro, Welles era também conhecido por seu trabalho na rádio CBS. Sua voz marcante, uma das melhores já registradas no cinema, fazia sucesso no seriado radiofônico "O Sombra".  Welles era ainda responsável por um programa de variedades. No dia 1 de novembro de 1938, sem ter o que apresentar, ele resolveu improvisar. Sem maiores avisos, começou a adaptar o livro de H.G.Wells, "Guerra dos Mundos". Só que ele fez tudo ao vivo e como se fosse uma REAL invasão de seres de outro planeta. O noticiário parou os EUAs, enquanto todos acreditavam que alienígenas estavam realmente destruindo cidades. O pânico foi geral e muitos fugiram de casa - dizem até que alguns se suicidaram. Tudo apenas mais uma brincadeira de Orson Welles. Essa podia tê-lo levado para a cadeia. Ao invés disso, o levou para Hollywood.

Quando chegou em Hollywood, Welles era considerado um deus. Todos respeitavam e idolatravam sua mente jovem e inovadora. Seu ego apenas aumentava à medida que os estúdios lhe davam total liberdade criativa e financeira sobre seus projetos. Quando recusou dirigir a adaptação de "Guerra dos Mundos"- afinal, o romance fez sua fama! -, teve sinal verde para filmar um roteiro original, mas teria orçamento reduzido e atores desconhecidos no elenco. "Não será problema", ele pensou. Resultado: "Cidadão Kane".  Com apenas 25 anos (!!!), Welles realizou sua primeira e maior obra-prima, revolucionando o próprio cinema. Planos longos, profundidade de campo, edição rápida, uso de flashbacks... Tudo era novo. E em 2011, o filme completou 70 anos permanecendo como um dos melhores filmes da história - até mesmo O melhor, segundo alguns. 



O problema é que Welles, ego à flor da pele, peitou a indústria, o estúdio e magnatas importantes - como o milionário William Randolph Hearst, em quem o personagem Charles Foster Kane foi claramente inspirado. Ele mesmo interpretou o protagonista, para deixar bem claro quem era o responsável por aquilo tudo. Isso bastou para que todos seus financiadores passassem a boicotar sua carreira. Depois de "Cidadão Kane", Welles continuaria em Hollywood, mas sem o apoio e incentivo de antes. Seu filme seguinte, "Soberba" foi cortado pelos estúdios, o que o levou a desistir do projeto "It`s All True", que chegou a filmar no Brasil - e mais tarde virou um documentário com o material registrado.

Pior do que o boicote financeiro foi o boicote ideológico. Os filmes de Welles passaram a ser vistos como algo ilegítimo, e eram pouco valorizados. Ele tinha que finalizar tudo com dinheiro do próprio bolso, mas o reconhecimento injustamente não vinha. Até obras como "O Estranho"(1946), suspense repleto de clichês que se salvava pelo seu toque de maestria na criação de um ambiente sombrio e envolvente, era esnobado pela crítica e público. O sucesso só voltou, em menores proporções, com "A Dama de Xangai"(1947), um grande filme protagonizada por ele e sua então esposa Rita Hayworth, a eterna "Gilda".


Depois disso, sua carreira entrou em declínio, e ele só ficou marcado em mais um filme: "O Terceiro Homem"(1949) - que, apesar de muitos acharem, não foi dirigido por ele, mas por Carol Reed. Apesar de aparecer pouquíssimo tempo em cena, Welles conseguiu, com seu carisma e presença hipnótica, carregar nas costas todo o suspense dessa obra-prima. E após eternizar ali a sua imagem, passou a aparecer mais raramente no cinema. Fez obras de valor inquestionável, como "A Marca da Maldade"(1958) e "O Processo"(1962) - e ainda o "Verdades e Mentiras" citado no início do texto. Nesse último, aparecia como ele mesmo, fechando em grande estilo sua carreira de diretor.

Na frente das câmeras, a figura de um Orson Welles esbelto e galante deu lugar a um homem obeso e envelhecido, que fazia aparições ocasionais em filmes como "Moby Dick"(1956) e "Cassino Royale"(1967). Sempre com o mesmo tom debochado e superior, mas já sem o mesmo brilho. E desmotivado com a indústria e beleza que o deixaram de lado, passou a usar a úncia coisa que ainda era agradável e única: sua voz. Seu último trabalho foi como dublador do desenho "Transformers"... Perdido no meio de seus inúmeros projetos nunca realizados ou concluídos, teve um ataque cardíaco fatal em 1985. Tinha apenas 70 anos, mas o visual denunciava alguém que já tivera muitas conquistas e vivia amargurado por tê-las deixado fugir pelas próprias mãos.


Agora, quase 30 anos após sua morte, chega ao país a mostra "O Legado de Orson Welles", que visa apresentar as obras desse diretor para novas platéias. Mais do que isso, livros, exposições e estudos continuam evidenciando diariamente o valor de seu trabalho para o cinema mundial. Já não há mais dúvidas quanto a isso. Agora só falta o grande público descobrir que Orson Welles é muito mais do que "Cidadão Kane"- o que, cá entre nós, já seria motivo de orgulho para qualquer um. Só que não basta ser genial, é preciso saber brincar com isso. Ele, definitivamente, sabia.