Antonioni ficou famosos por fazer uso de planos longos e intenso uso do silêncio para ilustrar a complexidade das relações humanas. Seus filmes tinham um andamento mais lento e poético, que exigia entrega e paciência e seu público - daí o motivo de tamanha rejeição por parte dele. A carreira do diretor ia bem até ele sofrer um grave acidente vascular-cerebral em 1985. Com isso, em uma irônia do destino, o cineasta famoso por explorar o silêncio entre as pessoas perdeu a capacidade de falar. Apesar de mudo e debilitado fisicamente, Antonioni não poderia deixar de lado a paixão que o mantinha vivo. Ele tentaria superar aquilo para se manter ativo no cinema.
Na elaboração de seu novo projeto, Antonioni se uniu a um precioso e essencial aliado: o diretor alemão Wim Wenders, responsável por obras-primas como "Paris, Texas" (1984) e "Asas do Desejo" (1987). Foi no aclamado cineasta alemão (ao seu lado na foto acima) que Antonioni encontrou todo apoio e segurança necessários para levar à frente a ambiciosa missão de realizar um filme naquele estado de saúde. Além de enfraquecido pela doença, o italiano já estava com 83 anos de vida. Unir forças com Wenders, então com 50 anos e grande prestígio, foi seu grande trunfo. E assim se iniciou o projeto "Além das Nuvens".
Como já foi dito, os filmes de Antonioni eram famosos pelo silêncio - muito mais interior que exterior - que ditava o ritmo das cenas e movia os personagens. Talvez por isso mesmo seja irônico (olha a ironia aí de novo) que seu último filme fosse marcado por uma constante narração em off. A voz, no caso, é a do cineasta vivido pelo ator John Malkovich - um alter-ego explícito do próprio Antonioni. Impossibilitado de falar fora das telas, ele daria voz aos seus pensamentos através do diretor de cinema que divaga sobre as origens do processo criativo. Partindo desse artista em busca de inspiração para seu novo projeto - ecos de "8 1/2" (1963), obra-prima de Federico Fellini, amigo pessoal de Antonioni -, somos levados à encontros e desencontros que geram complexos casos de amor. E aí começa o desfile de rostos famosos na década de 90: Sophie Marceau, Jean Reno, Fanny Ardant e Peter Weller (o eterno Robocop).
"Além das Nuvens" foi lançado em 1995. Ao invés de exaltar a colaboração entre Antonioni e Wenders, a campanha de divulgação da época preferiu focar na trilha sonora composta pela banda U2. Com relativo sucesso de público e crítica, o filme conseguiu retornar a atenção para a vida e obra de Michelangelo Antonioni. Seria seu último longa-metragem. Depois dele, mais uma vez lutando contra a idade e suas condições adversas, o diretor ainda faria, aos 92 anos, um dos segmentos do projeto "Eros"(2004) - que contava também com dois curta-metragens dos diretores Steven Soderbergh e Kar Wai Wong. Antonioni estava prestes a completar 95 anos quando morreu no dia 30 de julho de 2007 - uma última ironia do destino, que levou no mesmo dia o cineasta Ingmar Bergman, outro gigante do cinema que era um desafeto público do italiano.
Como de costume, a Academia das Artes e Ciências Cinematográficas - mais conhecida como Oscar - demoraria tempo demais a reconhecer o talento e contribuição da obra de Michelangelo Antonioni para o Cinema. A entrega do Oscar Honorário pela carreira aconteceu em 1994, pouco antes do lançamento de "Além das Nuvens". O prêmio foi introduzido por Jack Nicholson, amigo pessoal do homem que o dirigiu em "Profissão: Repórter". Acompanhado de sua esposa e porta-voz Enrica Antonioni, Michelangelo superou dificuldades para subir no palco e irrompeu o duro silêncio para agradecer seu tardio reconhecimento. Porque Cinema é emoção - e disso, definitivamente, o senhor Antonioni entendia.
Veja a entrega do Oscar Honorário para Michelangelo Antonioni.