sexta-feira, 29 de março de 2013

O Retorno do Rei - Fritz Lang Volta ao Municipal com a Magia do Épico "Os Nibelungos"


Quem acompanha as publicações do "Kaio No Cinema" sabe que é bem comum encontrar citações aos filmes de Fritz Lang (1890-1976). O motivo é bem simples: embora seja mais lembrado pela obra-prima máxima "Metropolis", um dos filmes mais importantes do cinema e do século XX, o austríaco é responsável por uma carreira inovadora e brilhante que ainda é pouco conhecida ou valorizada pelo grande público. Diante disso, nada mais justo do que divulgar seu trabalho, para que ele seja redescoberto em toda sua riqueza. Ao lado de George Méliès e Steven Spielberg, Fritz Lang é um dos maiores gênios criativos que evidenciam, com seus filmes, a verdadeira "magia" do cinema.

Depois de uma bem-sucedida exibição de "Metropolis" no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 2011 - com acompanhamento musical ao vivo - a obra de Lang voltou a ser destaque na programação do lugar. Dessa vez, a série "Música e Imagem" apresentou a exibição da primeira parte de seu grande épico "Os Nibelungos". Lang se baseou em poemas da mitologia germânica do século XII - principalmente em "Canção dos Nibelungos", que inspirou também o compositor clássico Richard Wagner - para criar a trama. Ele escreveu o roteiro junto com sua então esposa Thea von Harbou, a roteirista oficial de seus filmes até 1936, quando se separaram. Com a longa duração do resultado final das gravações, dividiram o filme em duas partes: "A Morte de Siegfried" e "A Vingança de Kriemhilds", ambas lançadas em 1924.


Certa vez comentei que seria bem difícil imaginar um filme como "Star Wars" sem que Lang tivesse feito "Metropolis" antes, assim como seria bem dificil alguém fazer "Indiana Jones" sem ter como referência "As Aranhas", um dos trabalhos iniciais do diretor. Pois posso afirmar seguramente que "Os Nibelungos" foi uma grande inspiração para produções como "O Senhor dos Anéis". Para falar a verdade, trata-se de "O Senhor dos Anéis" da década de 20, sem exageros. Toda magia, efeitos especiais e cenários maravilhosos estão lá, nas devidas proporções para a época em que foi lançado.

Assistir ao filme é ter a chance de se maravilhar com o talento de Lang para tornar possíveis cenas e efeitos de pura fantasia com todos os recursos especiais existentes naqueles tempos. Em "A Morte Cansada"(1921) já era possível perceber que sua imaginação não tinha limites, mas aqui o diretor conseguiu se superar. Muito antes de Harry Potter ser adaptado para as telonas, "Os Nibelungos" já filmava truques semelhantes à capa de invisibilidade e à poção polissuco do universo do bruxo adolescente. Antes dos filmes de Peter Jackson, Lang já apresentava locações gigantescas repletas de exércitos de figurantes. Muito antes dos efeitos digitais dominarem os cinemas, o diretor tornava possível um dragão gigante que até cuspia fogo. Como um grande mestre da sétima arte, Lang tinha pleno controle estético e visual de cada enquadramento de seu filme, o que o torna uma verdadeira pintura em movimento.


Mais do que os aspectos técnicos, é interessante pensar no contexto histórico em que "Os Nibelungos" foi feito. O filme se insere no movimento conhecido como Expressionismo Alemão, que marcou a década de 20 com suas imagens distorcidas, assustadoras e sombrias. O clima de pesadelo não era gratuito: após sofrer uma derrota humilhante na Primeira Guerra Mundial, a insegurança e descrença prevaleciam na Alemanha. "A Canção dos Nibelungos" era o mito germânico-nórdico mais autêntico e primordial, e por isso foi escolhido para levantar a moral dos alemães após a derrota na guerra. A finalidade era celebrar a nação, o que justificou o monstruoso investimento feito pelo imponente estúdio UFA (Universum Film Aktien Gesellschaft), de onde saíam os filmes mais perfeitos na época. Deu certo: as duas partes foram sucesso de público e crítica e deram a Lang toda liberdade criativa que ele precisava para realizar sua obra-prima de 1927 - "Metropolis" seria o filme mais caro já produzido na Alemanha.

Mesmo quase 80 anos depois de lançado, "Os Nibelungos" ainda causa impacto e fascinação pelo poder de suas icônicas sequências - cortesia de Lang, um mago na arte da imagem. Os personagens sobrevivem à passagem do tempo e continuam a despertar identificação, tanto que foram brilhantemente citados no mais recente filme de Quentin Tarantino, "Django Livre". Mais do que um grande exemplo de "bom cinema", "Os Nibelungos" é uma prova do quão longe a magia do cinema pode nos levar, independente da idade do filme ou do espectador. No final da exibição, aplausos merecidos ecoaram no Theatro Municipal pela interpretação da grandiosa música de Gottfried Huppertz pela Orquestra Sinfônica Oficial do Theatro. Mas os verdadeiros aplausos, um tanto atrasados, são para o gênio que foi Friedrich Anton Christian Lang - e para o impacto que suas imagens ainda causam naqueles que, como ele, amam a arte de fazer filmes.