sexta-feira, 18 de março de 2011

Uma Mente Brilhante - Georges Méliès, o primeiro gênio do cinema


A foto acima é famosa em todo o mundo, ninguém pode negar. Alguns poucos sabem que nela está representada a Lua, mas o que é chocante e triste é que quase ninguém conhece o homem por trás desse filme. Sim, essa imagem é de um filme. E o homem que o fez foi um gênio do cinema antes que essa categoria sequer existisse. Seu nome era Georges Méliès.

O ano era 1895. O cinematógrafo criado pelos irmãos franceses Louis e Auguste Lumière era um sucesso absoluto, mas uma inovação ainda pouco aproveitada. Isso porque a maioria das projeções exibidas na França - berço original do cinema, embora muitos apostem cegamente nos EUA - e que mais tarde ganhariam o mundo, eram de cenas curtas (com cerca de dois minutos) e quase documentais feitas pelos próprios Lumière. É o caso do curta "Le Repas de Bébé", em que o próprio Auguste aparecia simplesmente dando comida para sua filha ainda bebê. Mas o impacto maior veio com a projeção de aproximadamente um minuto que mostrava um trem chegando a uma estação. A câmera ficava a uma distância segura, mas de frente para o trem, e quando ele se aproximou da tela pela primeira vez, o assombro do público foi notável. Méliès, por acaso, estava na pláteia, e percebeu melhor que ninguém essa reação imediata do público. Nesse momento, percebeu que um novo meio de comunicação com as massas fora criado.


O aspecto que despertou o interesse de Méliès desde o início foi a capacidade que ele teria de encantar e brincar com o público, algo que já fazia antes como mágico de sua trupe de teatro. Além disso, somava as funções de ator, diretor, cantor, pintor, cenógrafo, coreógrafo e músico. Também era gênio, mas disso não sabia, e talvez tenha morrido sem que lhe contassem. O fato é que foi ele o primeiro a fazer do cinema a arte da imaginação, e 150 anos depois de seu nascimento, ainda não tem o reconhecimento merecido.

Ao acabar a exibição daquele dia 28 de dezembro de 1985, no Salon Indien du Grand Café de Paris (sua cidade natal), Méliès foi imediatamente até os irmãos Lumière, oferecendo-lhes 10 mil francos pela máquina. Os dois recusaram, pois acreditavam que aquela era apenas mais uma inovação que logo seria superada e esquecida. Sem perder tempo, Méliès pegou um trem até Londres, onde conseguiu comprar um cinematógrafo lá feito.


Em pouco tempo, Georges Méliès já tinha montado o primeiro estúdio de cinema, ainda no século XIX. Tinha teto de vidro, o que permitia que ele controlasse a iluminação das cenas. Na foto acima, ele pode ser visto preparando tudo para uma gravação - é o homem calvo na esquerda. E assim, atores de sua companhia de teatro atuavam diante de cenários muitas vezes pintados por ele mesmo. Desde o começo, Méliès usou truques com a câmera que confundiam e encantavam espectadores por todo o mundo, operando verdadeiros "milagres visuais" onde arrancava sua própria cabeça várias vezes ou a aumentava de tamanho como se estivesse enchendo-a de ar. Por vezes, ele mesmo atuava na frente das lentes, revelando sua faceta de ator e comunicador. É o que podemos ver no vídeo abaixo, que é surpreendente ainda hoje, ainda mais se pensarmos que foi feito em 1900 (!).



Mas a grande revolução viria em 1902. Até então os filmes eram apenas cenas soltas com base narrativa pouco desenvolvida, durando no máximo 5 minutos, o que já era considerado muito. E sessenta e sete anos antes do homem de fato pisar na Lua, Méliès resolveu usar sua criatividade e imaginação para levá-lo até lá. Assim desenvolveu Viagem à Lua (Le Voyage dans la lune, no original), seu filme mais famoso, provavelmente a primeira obra-prima do cinema. Além de ter sido, sem dúvida, a primeira ficção científica da história, foi também o primeiro filme a ter mais de dez minutos! A versão original tinha doze, algo muito ousado para a época. E pela primeira vez foram usados desenhos de produção e storyboards para projetar as cenas. A trama mostrava a reunião de cientistas para decidir a viagem (Méliès participa como o chefe dos pesquisadores), a construção do foguete, a partida dos homens com festas de despedida, a chegada à Lua, o encontro com os primeiros ETs do cinema (chamados de selenitas) e a fuga, às pressas, da forma surreal possível.

Não é preciso muita observação para perceber que tudo é surreal na produção: os astrônomos se vestem como o mago Merlim, a Lua é uma grande floresta onde os pesquisadores chegam de bengala e guarda-chuva, os astros são atores com roupas de estrelas e o foguete, no final, ao cair no mar da Terra, tem peixes muito desproporcionais ao tamanho dos atores (Méliès juntou a cena dos homens com a que fez de um aquário, por isso os peixes parecem gigantes). Mas esses aparentes "erros" acabam dando ao filme sua aura genial, pois foram realizados com poucos recursos e sem a menor hipótese do homem de fato chegar um dia à Lua. E assim, virou patrimônio da humanidade a cena do foguete cravado no olho da Lua, que abre essa matéria.

Eis o link para o filme: http://www.youtube.com/watch?v=7JDaOOw0MEE&feature=related


Após esse filme e seu sucesso mundial, a maneira de se pensar e ver cinema mudou completamente. E a carreira de Méliès começou a declinar. Continuou fazendo filmes até 1910, obtendo grande sucesso com alguns, como a primeira adaptação de uma obra de Júlio Verne, "20.000 Léguas Submarinas", de 1907. Mas gastou muito rapidamente todo dinheiro conseguido, e logo pouco sobrava para a realização de novos filmes. No fim da vida, quase falido, virou dono de uma loja de brinquedos na estação ferroviária de Paris, até morrer em 1938. Fez em vida mais de 500 filmes, mas poucos sobreviveram até os dias de hoje, pois a maioria foi queimada para fazer botas para o exército francês na Primeira Guerra Mundial.

E assim foi dado o pontapé inicial para a história do cinema mundial. No seu aniversário de 150 anos, Méliès é considerado por alguns poucos e justos admiradores como o verdadeiro "pai da sétima arte". Charles Chaplin, ícone máximo do cinema, o chamou de "o alquimista da luz". D. W. Griffith, que viria a ser o primeiro grande diretor, disse que "a ele devia tudo". Justiça seja feita: sem os irmãos Lumière, não teríamos as câmeras e a capacidade de filmar. Mas sem Méliès, não teríamos cinema.