quinta-feira, 13 de abril de 2023

Quem Tem Um Sonho Não Dança - Os Embalos de "Bete Balanço" (1984)




Você já ouviu "Bete Balanço ", o hit. Mesmo que sem querer, ou sem saber. E por mais que você leitor curta a voz de Cazuza e o som do Barão Vermelho, é tragicamente possível que você nunca tenha visto "Bete Balanço". É isso mesmo. "Bete Balanço", o filme, é mais uma pérola esquecida do nosso Cinema Brasileiro, um cult abafado da nossa cultura pop. Foi lançado lá em 1984, e de imediato a trilha original ficou gigantemente mais famosa que o filme. Até hoje muita gente nem faz ideia de que ele existe. Obra como essa não ter chegado às novas gerações, ou mesmo aos cinéfilos apaixonados garimpeiros da nossa filmografia (como eu), é reflexo grave e tragiquíssimo do que é nosso Cinema, num panorama mais geral

"Bete Balanço" é um filme plenamente consciente de seu apelo, seu público, seu tempo. Planos lindíssimos e casamento maravilhoso entre Som & Imagem, orgulhosamente POP & jovem - inclusive no sentido experimental da proposta. Dá pra perceber em cada plano/corte um jovem cineasta em busca de novas linguagens e estéticas com seus carismáticos amigos-por-acaso-atores. Suspeito que se fosse com sotaque francês ou inglês, o impacto a longo prazo seria outro, o selo de "cult" garantido... Não há nada ali para se envergonhar ou desviar os olhos. Um retrato fascinante de um estado de espírito. Cores pulsantes e ritmo frenético, ao som das "novidades do momento". Barão Vermelho, Lobão, Celso Blues Boy, Titãs, cada trilha parece escrita especialmente pro filme. É narrativa, é tom, é clima. É diversão, pra balançar sem culpa.



Esse mergulho & degustação me fez voltar a cair em um nome: Lael Rodrigues, mais um injustamente enterrado pelo esquecimento coletivo que agride ele, nosso Cinema Brasileiro. Esse cara foi apaixonado por Cinema e Música desde a Juventude. Lá pelos 20 anos, foi assistente de direção do Hugo Carvana em "Vai Trabalhar, Vagabundo!" (1973) e inúmeros outros filmes dele nos anos 70. Fundou uma produtora independente com a amiga Tizuka Yamasaki, produzindo os filmes grandiosos que ela (uma gigante, hoje com 73 anos) ousava dirigir. Ali pelos 30, resolveu que era sua vez de começar a escrever e dirigir. E seu primeiro filme foi esse "Bete Balanço", que lançou a Débora Bloch e popularizou de vez a música do Barão Vermelho. Só por isso já merecia ser lembrado, assistido, celebrado até hoje. Logo na sequência emplacou "Rock Estrela" em 1985 e "Rádio Pirata" em 1987. Todos misturando marotamente Cinema & Rock, todos sucessos imediatos de público. Todos apresentando um extremo cuidado estético na elaboração dos planos, em como traduzir uma trilha forte em imagens irresistíveis e pura diversão. Lael Rodrigues não parecia ter interesse em obras difíceis, restritas aos festivais e prêmios. Cinema Brasileiro também podia ser pipocão com som no volume alto. E o cara conseguiu, nessa "trilogia" que conseguiu realizar. Eu acredito que só não tenha conseguido mais vezes porque morreu estupidamente jovem. Tinha apenas 37 anos (!!!) quando sofreu uma pancreatite aguda fatal. Como pode isso ?!?!? Deixou um filho de três meses e dois roteiros inéditos - hoje desaparecidos, nada se sabe sobre. Esquecido pelos livros, esnobado por professores, pesquisadores e documentários... apesar de ter emplacado três sucessos seguidos e sonoros .


Queria aproveitar essa análise mais profunda para deixar aqui alguns !!!!!!!!!! para o mulherão é Déborah Bloch. Vish. Ela tinha apenas 20 anos quando topou o papel-título, mas bancou a missão com carisma e presença. Uma protagonista feminina super ativa e ousada, que toma as rédeas de todas as ações determinantes no roteiro. Faz o que bem quer, do jeito que bem quer, inclusive nos momentos de tensão sexual e num ousadíssimo romance escancarado com a sofisticada diva Maria Zilda. Era beijo na boca e cena na cama pós-sexo entre duas mulheres num filme jovem e popular dos anos 80 ! Nada de cult pro circuito dos festivais: era filme jovem e livre pra fazer sucesso - e fez!  Sem falar que a Bloch solta a voz pra valer. A cena em que ela e o Cazuza descobrem a melodia de "Amor Amor" juntos é de arrepiar olhos e ouvidos. A maconha ali bem enquadrada entre os dedos era 0% vulgar, não era apologia, era uma câmera quase documental, modestamente captando aquela época tal como ela era. Eu poderia apostar que se a Déborah Bloch fosse estrela de um filme desses em outros cantos do mundo, imediatamente lançaria discos e carreira musical paralela. Por aqui, o timbre seguiu abafado.




Falando nisso de "captar uma época", esse "Bete Balanço" consegue até ser um trágico retrato de toda uma geração. Ali estão Lauro Corona e Cazuza no auge da juventude . Os dois já não existiriam uma década depois. O maior galã e o maior poeta daquela geração, precoces vítimas da AIDs - o primeiro em 1989, o segundo em 1990. Quando eu surgi em 1992, o astro, o compositor-ícone e o diretor desse filme que transpirava Juventude já não estavam aqui. E agora chegam tão perto.


Por fim, pulsa alto certo alívio de que uma figura tão expressiva, carismática e icônica quanto Cazuza tenha sido captado no auge por uma câmera tão estética e cuidadosa. Sua participação é pontual, mas não permite indiferença. Quem não o conhecia até ali, não poderia deixar de conhecer a partir do final da sessão. O filme acaba, a música-título continua. E ainda toca, quase 40 anos depois, bem alta e jovial. Quem tem um sonho não dança .