segunda-feira, 24 de junho de 2019

Conta Comigo - A Maturidade Nostálgica do Novo "Toy Story"




O primeiro "Toy Story" (1995) é um marco inquestionável na História do Cinema. Após uma sequência mais espetacular em 1999 e outra ainda mais emocionante em 2010, a saga dos agitados brinquedos de Andy fechou o que seria a melhor trilogia do gênero da Animação. Porém, como vivemos em tempos de franquias e nostalgia, uma quarta aventura foi confirmada. Fãs já crescidos,  que acompanharam os lançamentos anteriores em fases distintas da juventude, ficaram com certo pé atrás. O que é compreensível: a toda poderosa Disney/Pixar já veio apresentando sinais de desgaste criativo com desnecessárias continuações de "Carros" e "Os Incríveis". Incluir "Toy Story" nessa categoria seria no mínimo cruel. Felizmente, não tem pra ninguém quando a Pixar resolve jogar pesado. "Toy Story 4" é uma verdadeira expansão daquele irresistível universo já tão familiar. Nem o humano mais rabugento pode resistir ao reencontro com Woody, Buzz, Rex e outras figuras tão queridas. Todos estão lá, inclusive o Sr. Cabeça de Batata - dublado pelo falecido comediante Don Rickles e cujas (poucas) falas foram criadas a partir de arquivos de áudio do ator (!). Porém o destaque, felizmente, vai para novos personagens fascinantes e o retorno de uma velha conhecida. Lembra da doce Betty, pastora de porcelana com suas ovelhas? Ela não apareceu em "Toy Story 3" e aqui descobrimos o motivo. Dar um maior protagonismo à antes frágil personagem e à outras figuras femininas é um dos pontos altíssimos da nova aventura.

E bota aventura nisso! Em tempos de Marvel e seus inúmeros heróis de ação, o diretor Josh Cooley investe em sequências de tirar o fôlego num roteiro acelerado e imensamente criativo. Após dirigir dois curtas no estúdio, Cooley estreia em longas já assumindo a principal franquia da Disney/Pixar! Os novos personagens, com destaques absolutos para Garfinho (Tony Hale, de "Arrested Development") e Duke Caboom (Keanu Reeves!) são um prato cheio para conquistar as novas gerações e levar a criançada às gargalhadas. São figuras hilárias que só a Pixar poderia criar - embora não o viesse fazendo há certo tempo. Ao fãs veteranos, o roteiro traz propostas ousadas e surpresas arrepiantes. Há espaço para piadas "maduras" e até citações à clássicos como "O Iluminado" (!) - aliás, alguns momentos são mais assustadores que muito filme "de terror" por aí. 

Uma coisa fica clara: os roteiristas/animadores têm plena convicção de que pelo menos metade do público nas salas dos cinemas já cresceu, e passou por momentos decisivos e duros desde a estreia original em 1995. São muitas as novas camadas exploradas. "Toy Story 4" aponta para um futuro alternativo de forma corajosa, respeitosa e promissora. O tempo passa de forma implacável e seus acontecimentos moldam o que nos tornamos, ok. Se crescer é inevitável, o importante é saber como fazer isso da melhor forma. "Toy Story 4", que tinha tudo pra ser apenas "mais um", é um bonito exemplo de como seguir adiante da maneira certa. Possíveis lágrimas, com a certeza de muitos sorrisos. 


quarta-feira, 12 de junho de 2019

Em Busca do Moinho Sagrado - Terry Gilliam e a Odisséia por Dom Quixote


O Cinema tem seus milagres: "The Man Who Killed Don Quixote" está em cartaz, enfim projetado numa telona! Uma longa odisséia que merece ser divulgada e celebrada, veja só:
Terry Gilliam está longe de ser um iniciante. Artesão dedicado e cartunista de formação, se tornou o único americano no revolucionário humor britânico do Monty Python. Ainda na década de 70, soltou as amarras para se dedicar a exuberantes obras autorais - são dele "Brazil" (1985), "As aventuras do Barão Munchausen" (1988) e "Os 12 Macacos" (1995), entre outras adoráveis loucuras. E foi por volta de 1987 que Gilliam começou a desenvolver seu projeto pessoal dos sonhos: adaptar a grandiosa saga de Dom Quixote de la Mancha para seu universo estético bem particular. Desde então, foram muitos (muitos!) os obstáculos e traumas para conseguir realizar o filme. Ele chegou a gravar parte do roteiro em 2000, tendo a produção paralisada por dilúvios que destruíram o equipamento e por problemas de saúde do protagonista Jean Rochefort. Já cultuado como um dos "roteiros infilmáveis de Hollywood", o projeto chegou a confirmar Johnny Depp no elenco e John Hurt como o icônico personagem. Depp saiu após diversos adiamentos e cortes do orçamento e Hurt se afastou para tratar o câncer que o matou. As gravações oficiais ocorreram entre 2015 e 2017, finalmente concluídas com outro elenco e equipe, de forma independente.
 
Tudo pronto para o lançamento oficial no Festival de Cannes 2018, mais uma reviravolta no caminho: um antigo produtor reivindica os direitos do filme e proibe a exibição no evento. Diante de tanto estresse e pressão, o Gilliam de 77 anos sofre um grave derrame. A justiça ficou ao seu lado e o filme encerrou o festival mais famoso do mundo sob merecidos aplausos. Gilliam resistiu à descrença dos estúdios, ao orçamento reduzido, à morte de dois atores principais e ao próprio peso da idade. Unindo forças à uma equipe jovem e ao velho amigo Jonathan Pryce como Quixote, o diretor conseguiu concluir o tão desejado projeto. Brigas legais com o tal produtor dificultaram a distribuição do filme pelo mundo, estreando em reduzidas salas. Demos sorte: está em cartaz no Rio, no Estação de Botafogo e no Cinépolis Lagoon. Provável que por pouquíssimo tempo, mas em cartaz! Nada mais justo que experimentar a obra onde o criador tanto lutou para projetá-la.

Releitura corajosa e onírica de tudo que se sabe sobre Don Quixote, o resultado parece um hipnótico e delirante sonho compartilhado com o público. "O Homem Que Matou Don Quixote" acaba sendo vários filmes em um só, muitos tons e abordagens dissonantes que ecoam o longo tempo de realização. O que não é exatamente um problema. Mais que uma narrativa, é uma experiência sensorial, uma jornada visual pela mente insana de um artista inquieto. Todos os excessos de Gilliam em cena, assim como todas virtudes que fizeram dele um diretor visionário e respeitado. Assistir esse filme em uma sala de cinema é uma vitória para todos que acreditam na Arte. Uma celebração a todos que dedicam a vida à essa loucura que é tirar um roteiro do papel e captá-lo com uma câmera. Custa dinheiro, requer muito esforço e sacrifícios, parte do sonho para tentar alcançar novamente o sonho. Independente do impacto ou reações internas, um milagre em si. Terry Gilliam, 78 anos, pode agora dormir um pouco mais tranquilo. Se tornou, finalmente!, um vitorioso exemplo do quanto não é fácil ou simples - e também de que desistir nunca é uma opção.


sábado, 1 de junho de 2019

O Homem que Caiu na Terra - "Rocketman", mais um espetáculo de Elton John !




A História do Cinema comprova que cinebiografias de ícones da Música são quase sempre garantia de sucesso na bilheteria e prêmios para os protagonistas. Esse fato foi renovado com o estrondo mundial de "Bohemian Rhapsody", que levou o Queen novamente ao topo das paradas e garantiu o Oscar para o Freddie Mercury de Rami Malek. É quase impossível evitar comparações imediatas com essa cinebiografia do cantor, pianista e ídolo Elton John. As produções até possuem um importante crédito em comum: Dexter Fletcher, diretor de "Rocketman", assumiu as gravações finais de "Bohemian Rhapsody" após a polêmica demissão de Brian Singer - que permaneceu creditado oficialmente, enquanto Fletcher ganhou a simbólica "Produção Executiva". Tirando esse curioso ponto em comum, é bom deixar claro que são projetos muito diferentes. E são três os fatores principais dessa diferença. 

Primeiro: enquanto diversos fatos e datas da vida de Freddie Mercury foram modificados numa "licença poética" para potencializar o peso dramático da narrativa, o próprio Elton John teve participação ativa na concepção e roteiro do que precisava ser abordado no filme. Ele mesmo exigiu que não aliviassem a abordagem de seus vícios (álcool, drogas e sexo) para diminuir a classificação indicativa da produção, afinal "sua vida não foi PG-13". O músico assina a Produção Executiva ao lado de Matthew Vaughn - diretor inglês que revelou o carismático ator Taron Egerton em "Kingsman" (2014). Sua "benção" torna o filme uma obra extremamente corajosa e confessional, garantindo um impacto emocional ainda mais ecoante. Segundo: ao invés de optar por uma mera compilação de hits, "Rocketman" pega o invejável repertório do cantor e o explora de forma sonora e visualmente espetacular. A Música se torna linguagem narrativa em momentos delirantes e fantasiosos que flertam com os grandes musicais e dão maior profundidade ao desenvolvimento dos personagens. Terceiro: a transformação absoluta do protagonista. Rami Malek, o ator, nada tinha a ver com Mercury e realmente conseguiu trazer o vocalista do Queen de volta à vida no visual e gestual impecáveis. O mesmo vale para Taron Egerton, claramente muito galã para encarnar o rechonchudo Elton John. Porém o cuidado com os figurinos e maquiagem é tão certeiro que por vezes precisamos piscar e olhar com atenção: seria uma imagem de arquivo ou o próprio ator? Seu grande diferencial é que Egerton realmente solta a voz em todas as músicas em cena. Em nenhum momento ouvimos os áudios originais do cantor, e sim Egerton dando sua interpretação às canções que movem seu personagem. Um detalhe rico e determinante para o resultado final. 

Evidente que obras distintas não pedem tamanhas comparações, mas essa lista serve apenas para destacar o quanto "Rocketman" é um absoluto triunfo em forma e conteúdo. Um presente caprichado para os fãs e um convite irresistível aos não-convertidos em algumas das baladas mais apaixonantes do século passado. Pulsante, autêntico e orgulhosamente exuberante, "Rocketman" é o espetáculo musical da temporada. Que venham os prêmios.