segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Homem do Sputnik - Os 85 Anos do Nosso Carlos Manga !!


Quando os chafarizes e estátuas de um pomposo cenário ocupavam a tela grande, o cinema era tomado por aplausos e gritos de felicidade. Os letreiros anunciavam o que todos ali queriam ver: "Atlântida Apresenta". Era mais uma produção da Atlântida Cinematográfica. Entre 1941 e 1962, a Atlântida foi a mais bem-sucedida experiência com estúdio de escala industrial que o Cinema Brasileiro já teve. Suas populares chanchadas visavam ilustrar o "jeitinho brasileiro" através de filmes leves e divertidos. Após incêndios e enchentes que destruíram grande parte do acervo do estúdio, toda sua riqueza e glória acabou ficando esquecida em algum lugar do passado. Sem uma divulgação digna de seu material, a Atlântida ficou viva apenas na memória daqueles que viveram seus tempos de ouro ou tiveram acesso aos seus mágicos filmes. Uma dessas pessoas, uma verdadeira lenda viva entre nós, é o diretor que melhor soube captar o espírito da Atlântida nas obras-primas do humor que realizou.
Senhoras e senhores, com vocês: Carlos Manga!

José Carlos Aranha Manga nasceu no Rio de Janeiro de 1928. A paixão pelo cinema surgiu quando ainda era uma criança, através das aventuras do Robin Hood encarnado por Errol Flynn. Fascinado pela intensa magia do cinema, começou a carreira como bancário antes de se render à sétima arte - até então, ainda precária no Brasil. A amizade com o ator Cyll Farney, um dos mais populares e queridos galãs da Atlântida, o levou até o famoso estúdio, onde começou a trabalhar como contra-regra. O conhecimento da teoria e o instinto para a prática no cinema garantiram que ele se destacasse entre os demais. Rapidamente, passou de montador à diretor assistente, e logo era o diretor musical dos filmes da Atlântida, responsável pelos inúmeros números musicais que pontuavam os filmes. Em 1952 veio a primeira oportunidade de assumir a direção de um filme. Era preciso um nome artístico: José era muito comum e Aranha poderia assustar algumas pessoas - e assim surgia, oficialmente, o diretor Carlos Manga.


Manga era um diretor único. Desde o princípio era possível perceber a diferença de seus filmes para os feitos anteriormente no estúdio. Enquanto as produções dos respeitados diretores Watson Macedo ("Aviso aos Navegantes", 1950) e José Carlos Burle ("Carnaval Atlântida", 1952) eram quase teatro filmado, com uma câmera estática e sem maiores cuidados visuais, as sequências e obras assinadas por Manga apresentavam um maior cuidado estético, com fotografia trabalhada e movimentos de câmera ousados. A ideia era reproduzir o que era feito no cinema americano, e em nenhum momento ele escondeu isso. Em seu primeiro filme, resolveu estabelecer no Brasil a tradição de dupla de humor em "Dupla do Barulho" (1953), onde eternizou a parceria de Oscarito e Grande Otelo - maiores ícones do humor no país e uma das maiores duplas da história do cinema mundial. Ousou trazer o gênero western para nossas terras, com a genial sátira "Matar Ou Correr" (1954), e ainda apostou na superprodução de época com o também antológico "Nem Sansão Nem Dalila"(1955). Esses filmes representam o auge da Atlântida, um período em que ninguém atraía tanta gente aos cinemas como os nomes de Oscarito, Grande Otelo e Carlos Manga.

Nos dias de hoje, a comédia "Minha Mãe É Uma Peça" se tornou um sucesso arrebatador ao levar 4 milhões de pessoas aos cinemas. Claro que os tempos são outros - com DVDs e Internet para competir -, mas Manga conseguiu, apenas com "O Homem do Sputnik" (1959), atrair cerca de 15 milhões de espectadores às salas de exibição. Seus filmes eram garantia de sucesso de público. Já a crítica... Suas chanchadas eram rotuladas de "alienantes", "bobas" e até mesmo "desnecessárias". Manga costumava dizer debochadamente que "ninguém gostava dos filmes da Atlântida... Só o público". Diante das pressões e críticas duras, o diretor chegou até mesmo a sentir vergonha desses filmes que fazia em certo período. Felizmente, o preconceito foi superado e sua obra é hoje motivo de orgulho nacional e essencial para a cultura brasileira. 


Entre as estrelas do estúdio, Carlos Manga era ele próprio uma figura mítica. Com seu bigode fino, visual elegante e atitude energética, conquistou uma reputação forte dentro da indústria. Ao dirigir uma cena, costumava interpretar todas as ações e movimentos que pedia aos seus atores - esses admitiam que nem sempre conseguiam reproduzí-los à altura. Sempre tinha uma piada na ponta da língua - hábito que mantém até hoje -, mas quando se irritava... Sai de baixo. Criticado por alguns e admirados por muitos, Manga conquistava a simpatia dos profissionais da área com a mesma facilidade que atraía as mulheres. Durante uma noite, ele conta que fez uma aposta com Farney, galã consagrado, de quem conseguiria mais garotas em determinado local. Empataram - o que não é nada mal para alguém que vivia atrás das câmeras.

Manga ainda dirigiria pérolas como "Garotas e Samba" (1957) e "Esse Milhão É Meu" (1959) antes da despedida da Atlântida com "Entre Mulheres e Espiões" (1962), também o último grande papel de Oscarito nas telas. Com o encerramento das atividades do estúdio em 1962, o diretor voltaria aos holofotes com dois filmes: "O Marginal" (1974), suspense de ação protagonizado por Tarcísio Meira e "Os Trapalhões e o Rei do Futebol", um dos mais populares estrelados pelo quarteto. Como maior guardião da memória do estúdio que marcou sua carreira, ele realizou o nostálgico documentário "Assim Era a Atlântida" em 1975 - com o bem-sucedido intuito de apresentar aquele rico universo à novas gerações. Ele seguiria para uma bem-sucedida carreira na TV, onde dirigiu o amigo de longa data Chico Anysio em "Chico City" (1973), a premiada minissérie "Um Só Coração (2004) e a novela "Eterna Magia" (2007).


2013. Aos 85 anos de vida e com muitas experiências no currículo, Carlos Manga volta aos holofotes para o lançamento do livro "Quanto Mais Cinema Melhor - Uma Biografia de Carlos Manga", assinada pelo jornalista Sergio Cabral. Mais uma justa homenagem à sua brilhante carreira. Em 2011, durante o Festival do Rio, o cineasta ganhou a maior honraria lhe concedida em vida: uma estátua em tamanho natural no clássico Cinema Odeon da Cinelândia. Ela continua lá, saudando seus novos e velhos visitantes que, não raro - e infelizmente -, se perguntam quem é o moço ali eternizado.  Mal sabem estar diante de um gênio do nosso cinema.

Eu conheci Carlos Manga no dia 10 de abril de 2012. A ocasião era uma palestra especial em homenagem à Atlântida, na PUC-Rio. Aparentemente debilitado em sua cadeira de rodas, Manga logo levantou, riu, fez rir e encantou a plateia com sua animação e paixão pelo cinema. Em pouco tempo, todos estavam em sua mão. O dom de fascinar o público seguia intacto. Como um grande fã de seus filmes e da magia da Atlântida, fui até ele na esperança de trocar algumas palavras com o gênio. Simpatia em pessoa, essa foi sua resposta: "Fico extremamente emocionado em saber que meu trabalho ainda hoje inspira tantos jovens como você. Isso me mantém vivo! Cinema é a maior paixão que alguém pode ter! Quando seu filme estreiar, quero estar lá no lançamento!"
Ao depoimento emocionado, só consegui responder um tímido e sincero "Certamente estará, mestre".


Em sua vida, Carlos Manga foi amado, odiado, criticado, aclamado, aplaudido, vaiado, imitado e cultuado. Sempre romântico e bem humorado em sua vida e carreira, deixou sua marca única não só no cinema, mas também na história da publicidade brasileira. Como um dos últimos sobreviventes de uma época de ouro do cinema brasileiro, ele é um verdadeiro patrimônio histórico nacional. É o homem que merece ser lembrado não apenas por ser um ícone da Atlântida, um gênio do cinema ou uma lenda viva nacional. É o homem que merece ser celebrado por ser, acima de tudo, ele mesmo: o nosso imortal Carlos Manga.