terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Príncipe e o Plebeu - Colin Firth chega ao auge (e ao Oscar) com "O Discurso do Rei"


A sinopse de "O Discurso do Rei" é injusta: a história do rei que busca curar a gagueira para realizar seus discursos não atrai de primeira o público, talvez daí a surpresa quando a produção inglesa disparou como favorita na disputa ao Oscar. É a grande campeã de indicações, tendo 12 no total. Assistindo ao filme, vemos que sua história é de fato simples, mas o modo como ela evolui na tela e principalmente o foco dado aos dois personagens principais é o que faz toda a diferença.

Pimeiramente, temos Albert Frederick Arthur George, então Duque de York, o filho mais novo do Rei George V (Michael Gambon, mais famoso como o Dumbledore dos últimos quatro filmes da série Harry Potter), que é gago desde os 4 anos. Acompanhando o marido na busca por uma cura que o permita se comunicar com o povo que irá reinar, Elizabeth (Helena Bonham Carter, a excêntrica esposa de Tim Burton) acaba vendo como última alternativa um humilde "terapeuta da fala".

E assim entramos em contato com o verdadeiro trunfo do filme: o engraçado, virtuoso e pouco convencional Lionel Logue, que é vivido de maneira simplesmente fantástica pelo grande ator que é (e sempre foi) Geoffrey Rush. Seu personagem, um australiano com tiradas hilárias e postura corajosa, rouba o filme para si em todas cenas em que aparece. O resultado inevitável foi a indicação de Rush ao Oscar de Coadjuvante.


Mas por que tantos elogios para Rush se as atenções estão agora voltadas para a grande atuação do protagonista Colin Firth? Explico. Enquanto o personagem de Rush tem maior apelo com a platéia, mais falas e maior presença de cena, o Rei George VI incorporado por Firth é mais introspectivo, talvez pela vergonha do mal que sofre. Seu personagem tem relativamente poucas falas, mas o diferencial que o destaca é seu olhar, o olhar de alguém marcado por fracassos e decepções no passado. Isso gera seu medo de encarar o futuro iminente como a voz - gaga - da nação. O gago por ele interpretado não é o clássico que repete as palavras desesperadamente, mas sim aquele que pausa cada fala de forma desesperada a ponto de não evidenciar o problema. E foi esse olhar e esse desespero que levaram Firth ao favoritismo da estatueta dourada de Melhor Ator.

Em uma cerimônia justa, os dois intérpretes seriam indicados ao prêmio de Melhor Ator, pois a atuação de um influencia diretamente o trabalho do outro, e o filme não teria o mesmo efeito se não fosse a grande química entre esses dois atores. Algo muito semelhante ao que aconteceu entre F. Murray Abraham e Tom Hulce em "Amadeus", de 1984, onde os dois foram indicados e o primeiro levou. Mas como não foi o caso, Rush pode perder a disputa de coadjuvante para Christian Bale, excelente e em "O Vencedor". Difícil saber quem merece mais. Mas a indicação de Bonham Carter para Atriz Coadjuvante foi um exagero, pois sua performance nao é nada mais que correta. Guy Pearce apenas bate ponto como o irresponsável primogênito que renuncia ao governo por um caso amoroso. Muitos dizem que sua presença dá sorte ao longa, pois ele estava presente em "Guerra ao Terror", ganhador do ano passado. Só o tempo dirá.


O competente diretor Tom Hooper, vindo de inúmeros trabalhos na televisão (como seriados, miniséries e telefilmes), posiciona sua câmera bem perto dos atores. Apesar de vários ângulos estilosos, ela tenta mostrar o tempo todo que o mais importante em cena é o trabalho do ator, não o seu movimento ou a posição dos objetos do cenário. O close muitas vezes presente na figura do angustiado rei busca nos aproximar de pensamentos e ideais que permeavam essa figura histórica pouco conhecida pelo grande público, hoje mais lembrado por ter sido pai da atual rainha da Inglaterra, Elizabeth II, que aparece criança no filme.

À medida que as consultas avançam, a proximidade entre paciente e "médico" aumenta, e Logue acaba virando uma espécie de psicólogo do futuro rei, em uma inusitada amizade que se instaura entre o príncipe e o plebeu. As cenas que se passam no estranho consultório de Logue são sem dúvida os pontos altos do filme, sendo divertidas, engraçadas e tensas na medida certa.


O longa tem vários pontos positivos, como a fotografia meio dourada que lhe dá um visual agradável e antigo. Mas o grande momento que fica na memória é aquele em que Albert, desesperado e se vendo sozinho no governo do país, declara para sua esposa "Eu não sou rei. Eu não sou rei!" É nessa cena em que vemos a total entrega do ator, que sozinha justifica a nomeação e a consequente vitória, se ela ocorrer. Um único ponto negativo bem evidente é a presença de Timothy Spall como o famoso primeiro-ministro Winston Churchil. Sua atuação é digna de teatro infantil, sendo muito caricata, pela voz forçada e cara de mal onipresente. O ator Brendam Glesson já provou que era o melhor para encarnar essa figura histórica, em um telefilme feito em 2008.

Resumindo: com "O Discurso do Rei" (The King's Speech), Tom Hooper, Colin Firth e Geoffrey Rush provam que a história não é o ponto fundamental para consquistar a audiência, e sim a maneira como ela é contada. E assim, uma clássica história de superação (que culmina em um emocionante final) conseguiu exceder espectativas e se igualar à polêmica e inovadora obra de David Fincher, "A Rede Social", que já não é considerada a favorita da noite.


Mas diante das inovações e da complexidade de vários filmes indicados a melhores do ano, como é o caso de "A Origem" e "A Rede Social", por que um filme tão conservador e tão simples é a grande aposta da noite? Talvez exatamente por ser tão conservador e tão simples. Se a disputa iminente tiver que ser entre os favoritos "A Rede Social" e "O Discurso do Rei", que vença o melhor! Ou seja, o rei.