sexta-feira, 23 de abril de 2010

Alice no País das Armadilhas – O novo e imperfeito desbunde visual de Tim Burton


Sou um grande fã de Tim Burton, admirador da grande maioria dos filmes dirigidos por ele, como os irreparáveis “A Noiva Cadáver” e “Os Fantasmas Se Divertem”. Por isso senti tamanha decepção depois de assistir à sua versão de “Alice no País das Maravilhas”, sem dúvida um dos filmes mais esperados do ano. Era o tipo de história que tinha tudo (realmente tudo!) para resultar em seu melhor trabalho, o que definitivamente não ocorreu.

Vamos aos fatos: o filme, em sua primeira parte, chega perto da perfeição, com Burton imprimindo seu estilo único em cada cena. Tudo parece ir muito bem, até a cena em que a rainha interpretada de forma hilária por Helena Bonham Carter (esposa do diretor no mundo real), aparece pela primeira vez. A cena em que ela é apresentada, com sua cabeça magicamente aumentada pela computação gráfica e com seus servos cômicamente deformados, é verdadeiramente a última cena com grande brilho do filme. A partir dali, acompanhamos uma trama que segue para soluções previsíveis.

Os efeitos visuais do filme são o ponto alto, sendo eles da mais alta qualidade. O destaque fica para os gêmeos disformes Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, muito bem feitos e divertidos. Outros personagens perfeitos e impagáveis do filme são a Lagarta Azul fumante dublada por Alan Rickman (o Snape da franquia Harry Potter) e o brilhante Gato Risonho (com a voz do divertido Stephen Fry), que não podia ter sido transportado de maneira melhor para o cinema. As flores falantes, que mereciam espaço maior na trama, também apresentam um realismo surpreendente que pode ser notado em suas rápidas aparições.


Em relação às atuações, a bela Mia Wasikowska se mostra no tom certo como a contrariada Alice, agora com 19 anos e de volta à terra que ela acredita apenas fazer parte de seus sonhos. Já a talentosa Anne Hathaway (de "O Diabo Veste Prada") é desperdiçada em um papel muito ingênuo e bobo para o universo sombrio que Burton constrói. E Johnny Depp, que atraía quase todas espectativas com seu Chapeleiro Maluco, apresenta na verdade uma reciclagem de vários personagens antigos, sem inovar. Seu Chapeleiro por vezes incomoda por ser sério e vingativo demais, ao invés de demonstrar a loucura que sabemos que ele seria capaz de interpretar. Ele recebe mais destaque do que deveria na trama, sem dúvida para atrair aos cinemas mais fãs do ator, aqui em sua sétima colaboração com o diretor. A verdade é que, se pararmos para analisar, o Willy Wonka que Depp fez na competente refilmagem de Burton de 2005 do clássico “A Fantástica Fábrica de Chocolate” tem muito mais a ver com o personagem de Lewis Carroll (autor do livro “Alice no País das Maravilhas” e “Além do Espelho”, continuação no qual esse filme muito se baseia) do que o aqui representado. O único ponto positivo do personagem é a dança que ele executa quase ao final da exibição. A Lebre, sua acompanhante, rouba todas as cenas e é tudo que o Chapeleiro Maluco devia e não consegue ser: engraçada e...maluca.

Os cenários do filme, que entusiasmaram nas primeiras fotos e pôsteres divulgados, encantam mais na primeira meia hora à qual já me referi. Depois, nos deparamos com lugares montanhosos e devastados que muito lembram os da série “O Senhor dos Anéis”. Ou seja, não são assim tão maravilhosos como prometiam ser. A história em si vai para esse caminho, com direito a batalhas armadas e até a um dragão (dublado por Christopher Lee, o Conde Dookan da nova trilogia “Guerra nas Estrelas). Ou seja, uma viagem dentro de outra viagem.


No fim das contas, fica a sensação de que o diretor fez um filme mais comercial e usou menos artifícios do que era esperado, caindo em suas próprias armadilhas. Era o filme em que ele mais poderia usar a sua conhecida e aclamada imaginação, mas sem dúvida foi onde ele menos a usou, o que é uma pena. Mesmo assim, é muito difícil que o filme não faça um imenso sucesso, graças à intensa divulgação e publicidade que recebeu. Mas a mágica e delirante obra de Lewis Carroll merecia um tratamento melhor. Se procuram uma viagem encantadora e inesquecível ao maravilhoso país criado pelo escritor, prefiram o clássico animado de 1951 feito pela Disney, muito mais eficiente e envolvente.