quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Origem - "X Men - Primeira Classe" injeta fôlego e frescor em franquia Marvel


Todo homem é resultado de fatos marcantes em sua vida, e vários filmes se dedicam a mostrar a origem de personagens icônicos: Darth Vader (na nova trilogia Star Wars), Hannibal Lecter (em "Hannibal - A Origem do Mal"), Superman (no filme de 1978 e a série "Smallville") e Wolverine são exemplos de personagens que tiveram sua infância e amadurecimento detalhadamente trabalhado em superproduções. O interesse em investigar a origem desses ícones da nossa cultura sempre instigaram nossa curiosidade, e justifica a boa aceitação de público e crítica em relação a "X-Men - Primeira Classe" . Mais do que uma simples continuação oportunista, essa produção mergulha em uma interessante abordagem para mostrar toda a humanidade existente na relação entre os personagens Professor Xavier e Magneto. Mas o que essa nova produção tem de diferente? Explico.

É curioso comparar a franquia X-Men com as demais adaptações de quadrinhos da Marvel para os cinemas. Os filmes baseados nas aventuras de mutantes optaram - desde o início, em 2000 - por uma abordagem mais realista, mudando o uniforme e visual de personagens radicalmente. A iniciativa, capitaneada pelo diretor Bryan Singer, foi muito bem aceita até pelos fãs mais fervorosos, o que garantiu o sucesso do original e de sua sequência(2003), ambos comandados por ele. Mesmo no terceiro filme, bem mais voltado para a ação e para um desfile de personagens desnecessários, o tom realista ainda estava presente.


Acabada a trilogia, e após uma fraca aventura-solo do mascote do grupo - Wolverine (2009)-, Singer decidiu voltar à franquia, mas seu compromisso com "Jack and the Giant Killer" (2012) não permitiu que ele ocupasse o posto de diretor, e ele assumiu prontamente a função de produtor, decidido a inserir mais originalidade na trama. Visando o tom realista, Singer chamou Matthew Vaughn para comandar a empreitada. Motivo: Vaughn dirigiu "Kick Ass - Quebrando Tudo"(2010), divertido filme que mostrava a vida de um garoto sem superpoderes que resolve dar uma de herói - sofrendo as consequências dessa atitude. Ainda com "Stardust - O Mistério da Estrela" no currículo, a direção de Vaughn garantiria pelo menos entretenimento e diversão de qualidade. Mas o grande trunfo desse filme, na verdade, estava no roteiro.

Uma característica positiva diferencia "X Men - Primeira Classe" dos demais filmes desse gênero: enquanto cada herói vive em seu próprio mundo, com seus próprios dramas, personagens e realidades - vide Thor, Hulk, Quarteto Fantástico e outros seres fantásticos da Marvel -, aqui os X-Men foram muito bem inseridos no período da Guerra Fria, atuando em um momento decisivo do século XX com acontecimentos e pessoas reais. Isso permite que em certos momentos o filme adquira o tom de filmes de espionagem no melhor estilo James Bond, algo inédito nesse gênero. O presidente J.F.Kennedy, inclusive, tem grande participação no filme, que faz largo uso de material histórico. É uma abordagem diferente e muito bem-vinda, não usada de forma tão inspirada como no filmaço que é "Watchmen"(2009), mas mesmo assim mostrando que adaptações de quadrinhos podem sim ser bem pensadas e executadas, sem terem que seguir uma fórmula já clichê.


Cravados no imaginário popular na trilogia inicial pela caracterização impecável de Patrick Stewart e Ian Mckellen, respectivamente, os personagens Professor X e Magneto não são o foco aqui: o verdadeiro ônus do filme é mostrar o início da amizade e carreira de Charles Xavier e Erik Lehnsherr, os homens por trás desses apelidos. E para interpretá-los, os produtores tinham a difícil tarefa de encontrar uma dupla de atores que conseguisse realizar um trabalho único sem deixar de lado as encarnações anteriores. E isso, sem dúvida, conseguiram. O filme é todo de James McAvoy e Michael Fassbender, e só deles. McAvoy, que já mostrara seu enorme talento em "Desejo e Reparação"(2007), prova ser um dos grandes atores de sua geração dando vida a um descontraído e galanteador Xavier, que inicialmente em nada lembra o sereno personagem de Stewart. Fassbender - famoso por sua participação em "Bastardos Inglórios" (2009) - parece uma espécie de James Bond vingativo em ação, criando grande empatia com o espectador. E assim, nós observamos a relação entre os personagens se desenvolver de maneira natural e emocionante ao longo dos 132 minutos de filme. O mesmo pode se dizer da personagem Mística - ou melhor, Raven Darkholme -, que se nos outros filmes era mera coadjuvante, aqui tem papel importante na trama, encarnada de forma eficiente pela bela Jennifer Lawrence (indicada ao Oscar aos 20 anos por "Inverno da Alma"(2010)). Entendemos como ela, a melhor amiga de Xavier, acaba se tornando a mais fiel comparsa de Magneto. E no desenrolar das ações e embate de opiniões, vemos nascer aqueles personagens que já conhecemos, e entendemosos motivos que os levaram até aquela rivalidade.

Por ser um filme sobre um grupo de jovens mutantes, é normal que acabasse tendo cenas voltadas para a descoberta desses poderes, com direito a doses de humor. Apesar de desnecessárias e até um pouco clichês, essas cenas são dosadas com outras de grande valor dramático e sentimental, como por exemplo a de Charles ajudando Erik a controlar seus poderes, entrando em sua mente - culminando na cena impecável em que Erik levanta um submarino, visualmente uma das mais belas até agora em filmes de heróis. São cenas que focam no emocional de forma profunda, e mesmo sabendo que são personagens de uma história em quadrinho de super-heróis, acabamos nos comovendo ao identificar neles sentimentos tão puros e humanos. E essa identificação é o grande trunfo por trás do filme, que (não esqueçamos) trata de mutantes.


Além de trazer o sumido Kevin Bacon de volta a uma grande produção - canastrão como nunca como o vilão da vez -, o filme ainda é embelezado pela discreta atuação de January Jones, no papel da sensual e misteriosa Emma Frost. Além disso, conta com brilhantes participações de Hugh Jackman (adivinhem no papel de quem...) e de Rebecca Romijn ( a Mística dos filmes anteriores), em sacadas muito boas. Os mais atentos perceberão também a presença de outros mutantes famosos em rápidas aparições - Tempestade, Ciclope... mesmo que rapidamente, estão todos lá. Até o personagem Fera, abordado de maneira superficial no terceiro filme da saga, é representado dessa vez de forma bem mais envolvente - e humana. Curioso é notar que esse é o primeiro filme da Marvel - pelo menos até agora - que não conta com a manjada "aparição especial de Stan Lee". Prova de que essa produção procura mudar o rumo das demais, focando em uma história mais séria.

Mesmo com o final previsível e pouco inspirado, "X-Men - Primeira Classe" é uma grata surpresa para quem espera apenas mais um filme de super-heróis - um gênero que cá entre nós, já está cansando e ficará mais forte nos próximos meses com "Capitão América" e "Lanterna Verde". Apesar das aparências, esse é um filme sobre duas pessoas extraordinárias, onde suas habilidades especiais são apenas um detalhe a mais.