quinta-feira, 5 de julho de 2012

"Roma: Cidade Aberta" - Como a Nova Comédia de Woody Allen Deixa a Capital da Itália em Aberto


Quando um diretor alcança um posto muito elevado de fama e consagração, seu nome passa a ser referência e até mesmo adjetivo. É como se ele passasse a ser dono de uma grife. Aconteceu com Hitchcock e Fellini, por exemplo. Mas nos dias atuais, o diretor que melhor representa isso é Allan Stewart Könisgberg, mais conhecido pelo nome artístico de Woody Allen. O americano é dono de uma filmografia invejável e lança um filme por ano desde 1982 - na verdade, ele fez 32 filmes nos últimos 30 anos (!!!). E anualmente, cada estréia é um evento. Seja o filme acima ou abaixo da média, é "o novo filme de Woody Allen". E isso basta.

Com o imenso sucesso de público e crítica de "Meia Noite Em Paris", que até deu a Allen o Oscar de Melhor Roteiro Original - e ele não foi buscar, pra variar -, era óbvio que a expectativa para seu próximo filme seria muito maior. Mais do que isso, era a prova de que Woody Allen continuava sendo um grande cineasta e não precisava mais provar nada pra ninguém. Ele sabe bem disso, tanto que pode se dar o luxo de filmar o projeto que quiser - e SE quiser. E assim chegamos a esse "Para Roma Com Amor".


Trata-se de uma adaptação do clássico "Decamerão", de Boccaccio, dividido em quatro episódios que se passam em dois dias atuais na capital da Itália. Daí vem o nome original do filme, que seria "Bop Decameron". Mas Allen logo percebeu que poucas pessoas conheciam os cem contos escritos pelo italiano, e por isso resolveu lhe dar um nome mais... acessível. E a isso, adicionou tudo aquilo que os fãs esperam de um filme seu: muito romance, falatório ininterrupto e timing perfeito para piadas - tudo com o belo e inspirador visual de Roma ao fundo. Mas é isso. O sopro de originalidade presente no filme rodado na França não dá as caras por aqui. Não que isso seja um problema grave, ou sequer um problema.

Allen continua a "fase do desapego à Nova York", também conhecida como "Tour pela Europa". Depois de passar por Inglaterra, Espanha e França, ele agora foi passear pela Itália. O país é um dos mais belos do mundo, com cerca de 1/4 de TODA a produção artística mundial lá preservada. Mas se você quer ver como é Roma, com suas ruas e sua população, é melhor escolher o filme homônimo do Fellini - alías, a abertura e o encerramento do filme são ecos diretos do estilo felliniano. Aqui o cenário não é tão bem aproveitado quanto o da capital francesa foi. Enquanto no filme anterior as ruas de Paris ditavam o tom das cenas e acrescentavam informações à história, aqui o visual romano é puramente um pano de fundo por onde os personagens apenas passam. As várias tramas que se desenvolvem na tela poderiam acontecer em qualquer outro país, era só mudar os nomes dos personagens e suas nacionalidades.


O mais curioso em "Para Roma Com Amor" é o tom que o filme adota. São quatro histórias distintas que não se intercalam em momento algum. Só que cada um tem uma abordagem bem diferente. Em certos momentos, parece que quatro diretores foram responsáveis pelos diferentes núcleos. Enquanto o núcleo do casal que vai à Roma conhecer a família do genro é o que mais tem a ver com o estilo de Woody Allen - não à toa, é onde ele atua -, a parte que envolve a fama inexplicável do personagem de Roberto Benigni é completamente nonsense, até boba em certos momentos. A trama que acompanha um jovem casal que se desencontra na cidade tem todo ritmo das comédias tipicamente italianas, mas o maior destaque vai para o núcleo que mostra o triângulo amoroso provocado por uma amiga turista, onde Jesse Einsenberg, Ellen Page e Alec Baldwin têm sinal verde para brilhar. É o "algo novo" que esse filme tem para apresentar. 

Todo mundo já sabe: desde que deu as caras pela primeira vez em um filme, no genial "What`s New Pussycat?", Woody Allen sempre interpretou ele mesmo em cena. E assim tem sido em todos os seus filmes. O Alvy Singer de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", o Isaac de "Manhattan"... Todos são Allen em pessoa. E ele volta a interpretar a si mesmo nesse filme, aos 76 anos, agora como Jerry. Só que ninguém faz isso melhor do que ele, e o público não se cansa de ver. Ele fez bem em voltar e divide com Alec Baldwin as melhores tiradas, garantia de risos. Se a ideia de um cantor de ópera que só consegue cantar direito no chuveiro pode parecer boba à primeira vista, veja o filme. Até que funciona bem.


Mas sempre tem que ter alguém que faça uma "versão" do diretor, com o "modo Woody Allen de atuação". Em "Meia Noite Em Paris", era claramente Owen Wilson. Aqui, de forma mais discreta, é Einsenberg. O talentoso moço, aliás, está em perfeita sintonia com Ellen Page. Que a jovem atriz é talentosa e linda ninguém mais duvida, mas as frases escritas por Allen para sua personagem conseguem reforçar o sex appeal da americana que tem jeitinho de tímida. A participação de Baldwin é hilária e inspiradíssima, e o deleite é ainda maior se o espectador conseguir entender a brincadeira por trás de seu personagem. Abordar a nostalgia da juventude em comédias é sempre uma matéria-prima promissora, e por isso essa é a parte mais interessante e marcante do filme. Na verdade, as outras tramas atrapalham um pouco essa, que daria um grande filme sozinha.

No geral, temos cenas inspiradas de uma Penélope Cruz que repete a parceria com o diretor - que lhe deu um Oscar de Coadjuvante por "Vicky Cristina Barcelona" - para deixar bem claro todo o carisma que tem. Pena que sua personagem esteja um pouco deslocada em cena, tanto que ela sai de cena e o público nem percebe. Mas a culpa não é dela. Outra coisa que fica é o sorriso iluminado da italiana Alessandra Mastronardi, um rostinho bonito que - escrevam - Hollywood vai procurar com mais frequência a partir de agora. Ainda dá tempo de ver Roberto Benigni fazendo ele mesmo em cenas que tentam denunciar os excessos da fama na atualidade. A ideia é válida, mas a execução apelou para uma abordagem incoerente que é muito bobinha em vários momentos. É um tema que Allen abordou bem melhor em seu "Celebridades", de 1994. Ou seja, o filme sobreviveria bem e com mais frescor sem essa trama.


Ao final dos 102 minutos de exibição, ninguém vai se sentir arrependido de ter entrado na sessão. "Para Roma Com Amor" é agradável e diverte. Mas deixa uma incômoda sensação de que o diretor não estava tããão inspirado em sua passagem pela Itália, e por isso juntou seus esboços de qualquer maneira só para "marcar tabela" por mais um país europeu. É um filme bom, mas sem o toque de mestre que destacou "Match Point" ou "Meia Noite em Paris". Mas, como eu já disse antes, é Woody Allen. E ele não precisa provar mais nada pra ninguém.