terça-feira, 31 de julho de 2012

Luz nas Trevas - A Conclusão Apocalíptica e Emocionante da Trilogia do Homem-Morcego


"Batman - O Cavaleiro das Trevas" foi uma rara unanimidade, tanto para o público quanto para a crítica: era um filme de super-herói que ultrapassava o gênero da melhor maneira possível. Ok, isso foi muito graças ao show de Heath Ledger na pele de um sádico Coringa, que resultou em um merecido Oscar póstumo (!) de Melhor Ator Coadjuvante. Mas a abordagem do diretor Christopher Nolan e a encarnação do herói por Christian Bale já haviam se mostrado mais que excepcionais desde "Batman Begins", em 2005. Quando Nolan decidiu se aventurar em uma terceira parte, o clima de apreensão ficou no ar. Sem a presença de Ledger, seria possível fazer algo à altura - ou, quem sabe, até superior - da segunda parte?

Como se não bastasse a desconfiança ao redor da sempre inferior "terceira parte", Nolan ainda anunciou que aquele seria o fim - pelo menos para ele. Com esse novo filme, ele fecharia sua trilogia dando um ponto final à saga do Homem-Morcego que se propôs a criar. Era seu preço para assumir o comando mais uma vez. Bale e o restante do elenco embarcaram na iniciativa, afirmando que não voltariam a viver seus personagens em uma quarta produção. Logo, não seria apenas o "pós-Cavaleiro das Trevas", mas sim o grand finale de uma das melhores adaptações dos quadrinhos já feita para a telona. Mas... tudo bem. Com Nolan e Bale envolvidos, todos sabiam que não podia dar errado. E não deu.


"Batman - O Cavaleiro Das Trevas Ressurge" é um filmaço, mesmo não sendo perfeito. A verdade é que, nessa altura do campeonato, ele nem precisava ser - e a bilheteria mundial, seguida da aclamação da crítica, são provas disso. Aqui, tudo é usado no aumentativo, para obter um tom épico - o que hora pode ser bom, mas hora pode não ser tão bom assim. Ainda que use menos realismo do que nos episódios anteriores, Nolan orquestra sua épica (sim, essa palavra de novo) conclusão com toda a calma do mundo, assim como fizera com o surgimento do herói no primeiro filme. Dessa forma, os 164 minutos de projeção se desenrolam de maneira envolvente, intercalando ação, humor e drama de maneira exemplarmente equilibrada. E nada de 3D: Nolan se recusou a filmar ou passar o filme para o formato. Para ele, basta o IMAX. Uma prova de que não é preciso usar a terceira dimensão para fazer o público entrar na história ou render horrores na bilheteria. Ponto para Nolan.

O drama, inclusive, tem dessa vez um destaque e foco maior. Afinal, os fãs aceitem ou não, esse é o fim. É também a chance para os grandes atores do elenco brilharem, como é o caso de Gary Oldman e Joseph Gordon-Levitt. Sempre ensinando como roubar cenas em seus papéis injustamente secundários, Oldman enfim veste de vez a camisa de "herói de carne-e-osso, sem uniforme". Seu Jim Gordon atinge aqui o ápice. E Gordon-Levitt, novato na saga, tem importância crescente na trama, transpirando carisma em diversos momentos. A mesma sorte não teve Morgan Freeman: na pele de Lucius Fox, o ator - que é o carisma em pessoa - tem pouca relevância na história. Poucos vão reclamar, mas ele merecia mais. Por outro lado, para todos os problemas, existe Michael Caine. Antes sempre discreto em cena como o mordomo Alfred, aqui Caine pode enfim mostrar para as novas gerações todo o potencial que os cinéfilos sabem que ele tem. Quando ele aparece, vem junto um brilho intenso na tela - não pelos cabelos brancos, mas pela emoção em seu olhar. De longe, são dele as cenas mais emocionantes dessa conclusão - como o trailer já denunciava.


Em pleno ano de 2012, depois de filmes como "O Vencedor", "Psicopata Americano" e "Flores do Oriente", não dá mais para duvidar do talento de Christian Bale. Não bastasse sua marca nas telas como incrível ator, ele também será lembrado a partir de agora como aquele que por mais vezes encarnou Batman no cinema. Foram três filmes em que o público pôde mergulhar na mente de um homem atormentado pela ideia de transformar seus traumas em sua principal arma. Dessa vez, ele não está sozinho em cena. Ao seu lado, em um intenso jogo de gata e... morcego, está a Mulher-Gato de Anne Hathaway. Quase sempre atrelada a comédias românticas, Hathaway faz bonito como a ladra Selina Kyle, dosando sensualidade e frieza na medida certa. Mesmo não sendo tão icônica e marcante como a versão de Michelle Pfeiffer em "Batman - O Retorno" - o que, cá entre nós, seria MUITO difícil -, ela compõe uma personagem mais próxima da realidade e ambígua, não decepcionando nem um pouco. Prova-se muito mais do que um rostinho bonito. Competindo com ela no time feminino está Marion Cotillard, que volta a trabalhar com Nolan depois de "A Origem". Mas sua personagem não chega a empolgar muito... Ponto para Hathaway!

Um capítulo - ou melhor, parágrafo - à parte é o vilão. Como bem se sabe, a galeria de vilões do Batman é melhor do que a de qualquer outro super-herói. Tanto que na maioria das vezes eles acabam roubando a cena dos filmes (alguém pensou no Coringa??). Depois de transformar vilões fracos como o Espantalho e Ra`s Al Ghul em algo mais e fazer miséria com suas versões do palhaço do crime e do Duas-Caras, Nolan chocou meio mundo ao escolher Bane como o novo - e último - antagonista. Mais conhecido por ser o capanga da Hera Venenosa em "Batman & Robin" (o que NÃO é bom), Bane é um personagem marginalizado até pelos próprios fãs do Homem-Morcego. Mas como era de se esperar, o senhor Nolan e o ator Tom Hardy operam um milagre. A sequência de abertura até tenta criar um grande impacto em volta do personagem de forma ineficiente, mas é aos pouco que ele vai se mostrando interessante. Apesar da estranha voz que parece evocar um certo vilão igualmente mascarado do Lado Negro da Força, Bane se mostra ameaçador ao máximo, a ponto do Batman parecer um amador em seu combate. Mesmo sem a profundidade de um Harvey Dent/Duas-Caras ou o carisma de um Coringa, Bane representa exatamente o que devia: uma ameaça mortal.


Ao dar um ponto final para sua saga, Christopher Nolan se torna o segundo diretor autoral a ser responsável por uma trilogia de super-herói, depois de Sam Raimi e seu "Homem-Aranha". Apesar da maior quantidade de personagens e momentos decisivos, Nolan costura todos os pequenos detalhes de forma sensata, inclusive fazendo ligações diretas com os filmes anteriores. Ou seja, se preparem para ver velhos conhecidos em cena. Assim como em "O Cavaleiro das Trevas", a alegoria política também está presente, talvez até de forma mais clara. Afinal, um dos "obstáculos" do herói aqui é o clima de anarquia defendido pelos vilões. Mas, na boa... Deixemos a política para outra ocasião. Tanta polêmica está sendo gerada pelos "ideais defendidos pelos personagens" que as pessoas se esquecem que não só é apenas um filme, mas ainda um filme de ficção. Tenho certeza absoluta de que o sr. Nolan concorda comigo quanto a isso.

Deixemos a polêmica para a conclusão em si. Todo mundo sabe que o clima é caótico, mas para evitar spoilers, só digo uma coisa sobre, principalmente, a última meia hora de projeção: U-AU. E isso basta. Só podemos torcer e rezar para que ninguém resolva mexer nas pequenas pontas soltas que Nolan deixou - propositalmente, pois quem viu os geniais "A Origem" e "O Grande Truque" sabe que ele gosta disso. Ou ainda torcer para que não venha aí, daqui há uns cinco anos, um novo reboot da série, como aconteceu com a saga de Raimi. Mesmo que não seja comparável com a brilhante segunda parte, uma coisa é certa: se era pra fechar a saga de forma espetacular e sem sinal de desgaste, palmas para Nolan, Bale, Oldman, Caine, e todo esse time que vai fazer falta. "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" conseguiu. E muito bem.



domingo, 15 de julho de 2012

Sob Nova Direção - Peter Parker Volta de Cara Nova no Divertido "O Espetacular Homem-Aranha"


Lá se foram 10 anos desde que um Homem-Aranha digital cruzou pela primeira vez uma tela de cinema. O filme de Sam Raimi lançado em 2002 encantou o mundo por levar, de forma fiel e eficiente, o mais famoso herói da Marvel para as telas. E aqui estamos, apenas uma década depois, diante de um "reboot" da série. Um novo começo com novos atores - algo que ainda parece desnecessário para muitos fãs. Afinal, o que achar desse novo "O Espetacular Homem Aranha"? Vamos aos fatos.

A parte final da trilogia de Raimi foi lançada em 2007 e decepcionou por mostrar muita ação e pouca história, com personagens demais se atropelando em cena. De fato, o filme não tinha a marca autoral que o diretor tinha deixado em seus dois filmes anteriores, principalmente no segundo. Segundo Raimi, a culpa foi do produtor Avi Arad, que fez muitas mudanças e exigências no roteiro - como a participação do vilão Venom. Como consequência dessas intervenções, Raimi e seu protagonista, Tobey Maguire, desistiram de continuar as aventuras do personagem. Com eles, foi embora todo o elenco original. Mas os filmes do Homem Aranha eram máquinas de fazer dinheiro, e não podiam parar. Melhor do que fazer uma quarta parte com atores novos era recomeçar a série do zero, até pra renovar o interesse do público. E assim foi feito.


O projeto era, na medida do possível, promissor. O primeiro nome envolvido foi o do diretor Marc Webb, recém saído do brilhante "500 Dias Com Ela", seu sucesso de estréia. O estilo visual presente em cada fotograma de sua realista história de amor era perfeito para a abordagem mais descolada e jovem de um super herói como o Homem-Aranha. Logo depois, foi anunciada a escolha de Andrew Garfield como o novo Peter Parker. O ator já tinha mostrado o imenso talento em filmes como "O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus" e "A Rede Social", mas essa seria sua chance de brilhar. A partir daí, o que vinha era lucro. E a expectativa aumentava.

O fato é que o trailer de "O Espetacular Homem-Aranha" mostrava mais do que devia, e deixava bem claro o que seria o filme. Como o trailer denunciava, a origem do herói é recontada aqui. No filme original de Raimi, tudo foi mostrado de maneira bem objetiva e eficiente. Era o modelo perfeito da linha narrativa do personagem: seu jeito nerd e deslocado, seu amor pela ciência e fotografia, a relação com os tios, o dia em que foi picado acidentalmente e o modo bem-humorado como descobre seus poderes. Aqui tudo se repete nos primeiros 40 minutos, só que de forma muito corrida, sem o mesmo impacto. É o caso da sequência em que ele descobre suas novas habilidades: tão engraçada quanto forçadamente acelerada. Mais uma vez, o foco está na ação, e não na informação que é mostrada. Mas tudo bem.


Um ponto positivo da nova produção é o foco na relação de Peter com seus pais e os motivos que levaram ao seu abandono. Se nos filmes anteriores isso era tratado com indiferença, aqui é parte fundamental da trama. E é aí que entra Martin Sheen, o melhor ator em cena na pele do Tio Ben. Em pouco tempo ele consegue passar todo ar paternal do personagem e criar um vínculo maior com o público, algo essencial para esse personagem. Ao seu lado, vemos uma apagada Sally Field como Tia May. Para a talentosa atriz vencedora de dois Oscars restam algumas cenas na cozinha. Sheen a engole em todos momentos que dividem a tela. O destino de seu personagem está lá novamente, do mesmo jeito que no original de 2002. Só que de forma mais corrida, claro.

Apesar de o uniforme ser basicamente o mesmo, o herói aracnídeo em si é bem diferente. A mordida da aranha geneticamente modificada dá a Peter Parker reflexos especiais e super força. Mas para por aí. As teias usadas para se locomover não são orgânicas dessa vez, mas produzidas por Parker através de seu conhecimento científico e armazenadas numa espécie de lançador especial colocado em seus pulsos, como um relógio. Esse pequeno detalhe torna o personagem mais humano e suscetível a falhas. Mais um ponto positivo da produção. Mas é quando ele se balança pela cidade que percebemos a falta que a inspiradíssima trilha sonora de Danny Elfman faz. Ela dava um clima épico para a trilogia original, clima esse que falta aqui. Sem falar que em certos momentos parece que o Homem-Aranha prefere atuar sem sua máscara...


Isso nos leva ao que o longa tem de melhor, indiscutivelmente: o próprio Homem-Aranha/Peter Parker. Desde o princípio, o grande barato desse "novo começo" seria ver uma releitura do personagem, assim como quando muda o ator que vive o agente James Bond. A interpretação de Tobey Maguire nunca decepcionou ninguém, mas era uma abordagem mais tímida e "correta". Aqui, o personagem de Andrew Garfield é um adolescente mais próximo da realidade. Apesar do jeito mais estudioso e inteligente, ele também quer se garantir. E assim que obtém seus poderes começa a "tirar onda" por aí - como o personagem dos quadrinhos. Nesse sentido, é mais "politicamente incorreto" e marrento, mas extremamente engraçado e carismático. É essa palavra que fica estampada na cabeça de Garfield do início ao fim: CARISMA. Se o filme não é pura diversão dispensável, é graças a ele, somente.

Seguindo a mitologia original dos quadrinhos, temos a loira Gwen Stacy como o primeiro amor do herói. Talvez por serem namorados na vida real, a química entre Garfield e Emma Stone funciona muito bem. A atriz prova que, apesar da dicção estranha, é uma das maiores beldades do momento. Mas definitivamente não brilha como o namorado. Fora isso, temos FINALMENTE o vilão Lagarto dando as caras. Para quem não lembra, o Dr. Curt Connors esteve presente nos três filmes anteriores, mas sempre como coadjuvante e interpretado pelo ator Dylan Baker - que, aliás, não deve ter gostado NADA da troca de elenco. Agora enfim chega a hora da transformação do médico em monstro. Rhys Ifans defende bem o personagem, mas sua força diminui exatamente quando assume a faceta de vilão. O "visual réptil" não é dos mais inspirados, e não ajuda no pouco apelo que o personagem tem. A curiosidade da vez vai para a participação de um ator sumido: C. Thomas Howell. Revelado como adolescente talentoso na década de 80 e protagonista do cultuado "A Morte Pede Carona", Howell se perdeu nas bebidas e em escolhas ruins na carreira. Aqui, já envelhecido, ele dá as caras como um trabalhador que tem seu filho salvo pelo aracnídeo e mais tarde retribui a ajuda de forma emocionante. Olho aberto para sua participação.


Podemos resumir o filme analisando os "voos" do novo Homem-Aranha entre os prédios da cidade: eles têm de fato mais adrenalina e são muito bem feitos, mas não é algo que não tenha sido visto nos filmes de Raimi. Em vários momentos, o herói conta com pura sorte e ajuda de cidadãos para realizar seus atos extraordinários, o que o traz pra mais perto do público. Ok, bem legal. Mas o problema de "O Espetacular Homem-Aranha" é ser um filme extremamente divertido, ainda que desnecessário. O público vai amar rever o personagem de forma diferente, mas ninguém pode negar: já estava tudo lá nos filmes anteriores. Marc Webb, sob a pressão do "segundo filme" depois de um sucesso de estréia, adotou uma direção mais convencional, sem inovar nada no gênero. Apresentou um filme que se basta como diversão imediata. Como "algo a mais", deixa apenas a sensação de que Andrew Garfield é o Peter Parker por excelência - algo que será muito aproveitado nas inevitáveis sequências. Isso é... Antes que façam um novo "reboot" da série, né.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

"Roma: Cidade Aberta" - Como a Nova Comédia de Woody Allen Deixa a Capital da Itália em Aberto


Quando um diretor alcança um posto muito elevado de fama e consagração, seu nome passa a ser referência e até mesmo adjetivo. É como se ele passasse a ser dono de uma grife. Aconteceu com Hitchcock e Fellini, por exemplo. Mas nos dias atuais, o diretor que melhor representa isso é Allan Stewart Könisgberg, mais conhecido pelo nome artístico de Woody Allen. O americano é dono de uma filmografia invejável e lança um filme por ano desde 1982 - na verdade, ele fez 32 filmes nos últimos 30 anos (!!!). E anualmente, cada estréia é um evento. Seja o filme acima ou abaixo da média, é "o novo filme de Woody Allen". E isso basta.

Com o imenso sucesso de público e crítica de "Meia Noite Em Paris", que até deu a Allen o Oscar de Melhor Roteiro Original - e ele não foi buscar, pra variar -, era óbvio que a expectativa para seu próximo filme seria muito maior. Mais do que isso, era a prova de que Woody Allen continuava sendo um grande cineasta e não precisava mais provar nada pra ninguém. Ele sabe bem disso, tanto que pode se dar o luxo de filmar o projeto que quiser - e SE quiser. E assim chegamos a esse "Para Roma Com Amor".


Trata-se de uma adaptação do clássico "Decamerão", de Boccaccio, dividido em quatro episódios que se passam em dois dias atuais na capital da Itália. Daí vem o nome original do filme, que seria "Bop Decameron". Mas Allen logo percebeu que poucas pessoas conheciam os cem contos escritos pelo italiano, e por isso resolveu lhe dar um nome mais... acessível. E a isso, adicionou tudo aquilo que os fãs esperam de um filme seu: muito romance, falatório ininterrupto e timing perfeito para piadas - tudo com o belo e inspirador visual de Roma ao fundo. Mas é isso. O sopro de originalidade presente no filme rodado na França não dá as caras por aqui. Não que isso seja um problema grave, ou sequer um problema.

Allen continua a "fase do desapego à Nova York", também conhecida como "Tour pela Europa". Depois de passar por Inglaterra, Espanha e França, ele agora foi passear pela Itália. O país é um dos mais belos do mundo, com cerca de 1/4 de TODA a produção artística mundial lá preservada. Mas se você quer ver como é Roma, com suas ruas e sua população, é melhor escolher o filme homônimo do Fellini - alías, a abertura e o encerramento do filme são ecos diretos do estilo felliniano. Aqui o cenário não é tão bem aproveitado quanto o da capital francesa foi. Enquanto no filme anterior as ruas de Paris ditavam o tom das cenas e acrescentavam informações à história, aqui o visual romano é puramente um pano de fundo por onde os personagens apenas passam. As várias tramas que se desenvolvem na tela poderiam acontecer em qualquer outro país, era só mudar os nomes dos personagens e suas nacionalidades.


O mais curioso em "Para Roma Com Amor" é o tom que o filme adota. São quatro histórias distintas que não se intercalam em momento algum. Só que cada um tem uma abordagem bem diferente. Em certos momentos, parece que quatro diretores foram responsáveis pelos diferentes núcleos. Enquanto o núcleo do casal que vai à Roma conhecer a família do genro é o que mais tem a ver com o estilo de Woody Allen - não à toa, é onde ele atua -, a parte que envolve a fama inexplicável do personagem de Roberto Benigni é completamente nonsense, até boba em certos momentos. A trama que acompanha um jovem casal que se desencontra na cidade tem todo ritmo das comédias tipicamente italianas, mas o maior destaque vai para o núcleo que mostra o triângulo amoroso provocado por uma amiga turista, onde Jesse Einsenberg, Ellen Page e Alec Baldwin têm sinal verde para brilhar. É o "algo novo" que esse filme tem para apresentar. 

Todo mundo já sabe: desde que deu as caras pela primeira vez em um filme, no genial "What`s New Pussycat?", Woody Allen sempre interpretou ele mesmo em cena. E assim tem sido em todos os seus filmes. O Alvy Singer de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", o Isaac de "Manhattan"... Todos são Allen em pessoa. E ele volta a interpretar a si mesmo nesse filme, aos 76 anos, agora como Jerry. Só que ninguém faz isso melhor do que ele, e o público não se cansa de ver. Ele fez bem em voltar e divide com Alec Baldwin as melhores tiradas, garantia de risos. Se a ideia de um cantor de ópera que só consegue cantar direito no chuveiro pode parecer boba à primeira vista, veja o filme. Até que funciona bem.


Mas sempre tem que ter alguém que faça uma "versão" do diretor, com o "modo Woody Allen de atuação". Em "Meia Noite Em Paris", era claramente Owen Wilson. Aqui, de forma mais discreta, é Einsenberg. O talentoso moço, aliás, está em perfeita sintonia com Ellen Page. Que a jovem atriz é talentosa e linda ninguém mais duvida, mas as frases escritas por Allen para sua personagem conseguem reforçar o sex appeal da americana que tem jeitinho de tímida. A participação de Baldwin é hilária e inspiradíssima, e o deleite é ainda maior se o espectador conseguir entender a brincadeira por trás de seu personagem. Abordar a nostalgia da juventude em comédias é sempre uma matéria-prima promissora, e por isso essa é a parte mais interessante e marcante do filme. Na verdade, as outras tramas atrapalham um pouco essa, que daria um grande filme sozinha.

No geral, temos cenas inspiradas de uma Penélope Cruz que repete a parceria com o diretor - que lhe deu um Oscar de Coadjuvante por "Vicky Cristina Barcelona" - para deixar bem claro todo o carisma que tem. Pena que sua personagem esteja um pouco deslocada em cena, tanto que ela sai de cena e o público nem percebe. Mas a culpa não é dela. Outra coisa que fica é o sorriso iluminado da italiana Alessandra Mastronardi, um rostinho bonito que - escrevam - Hollywood vai procurar com mais frequência a partir de agora. Ainda dá tempo de ver Roberto Benigni fazendo ele mesmo em cenas que tentam denunciar os excessos da fama na atualidade. A ideia é válida, mas a execução apelou para uma abordagem incoerente que é muito bobinha em vários momentos. É um tema que Allen abordou bem melhor em seu "Celebridades", de 1994. Ou seja, o filme sobreviveria bem e com mais frescor sem essa trama.


Ao final dos 102 minutos de exibição, ninguém vai se sentir arrependido de ter entrado na sessão. "Para Roma Com Amor" é agradável e diverte. Mas deixa uma incômoda sensação de que o diretor não estava tããão inspirado em sua passagem pela Itália, e por isso juntou seus esboços de qualquer maneira só para "marcar tabela" por mais um país europeu. É um filme bom, mas sem o toque de mestre que destacou "Match Point" ou "Meia Noite em Paris". Mas, como eu já disse antes, é Woody Allen. E ele não precisa provar mais nada pra ninguém.

terça-feira, 3 de julho de 2012

"O Sentido da Vida" - Ou "Por que "2001 - Uma Odisséia no Espaço" é um dos Melhores Filmes da História"


Qualquer lista de "Melhores Filmes" que se preze tem um lugar cativo para "2001 - Uma Odisséia no Espaço". A ficção científica dirigida por Stanley Kubrick e lançada em 1968 foi seminal em todos os sentidos: além de expandir o horizonte de possibilidades do cinema de até então, ela mudou o modo do homem olhar para si mesmo e para o que existe além da Terra - seja lá o que for. Seus vários detalhes em aberto ainda geram debates e análises, que resultam em livros, teses e documentários. Mais do que ter inspirado TODOS os filmes de ficção científica posteriores, "2001" ultrapassou o gênero. É cinema em sua mais pura forma. Agora... Por que tudo isso? Ok, vamos lá.

Depois de realizar um trabalho burocrático para os estúdios ("Spartacus") e lançar dois filmes que escandalizaram o mundo com seus temas e abordagens polêmicas ("Lolita" e "Dr. Fantástico"), Kubrick alcançou todo o respeito que precisava dos produtores. Ele tinha chegado, enfim, no estágio que sempre buscou: podia fazer os filmes que quisesse, da maneira que quisesse. Assim, ele logo formaria, ainda em 1964, uma parceria com Arthur C. Clarke, um famoso escritor de ficções científicas. Enquanto Clarke transformava em livro (e roteiro) seu conto "The Sentinel", Kubrick mergulhava em uma intensa pesquisa científica que o levaria a trabalhar com engenheiros e cientistas profissionais da NASA. Se ele iria fazer um filme sobre o espaço, seria da forma mais realista e exata possível.


Isso nos leva a um detalhe importante: a produção do filme ocorreu no ano de 1967. Era o auge da corrida espacial entre os EUA e a União Soviética, só que o homem ainda não tinha chegado sequer perto da Lua. Isso só viria a acontecer em 1969, como se sabe. Só que Kubrick chegou lá primeiro. O que seria visto em seu filme (de 1968) era algo muito próximo da realidade, algo que nenhum homem jamais tinha imaginado. A relação dos astronautas com a gravidade, a aparência dos planetas, a funcionalidade das naves... Nada daquilo existia na mente das pessoas. Ok, a Terra imaginada por ele era mais azul - mas ninguém tinha visto a aparência da Terra do espaço ainda. Tudo veio da cabeça daquele homem. E estamos falando de um filme feito quase uma década antes de "Star Wars". Hoje, ao assistir o filme original de George Lucas, percebemos que alguns efeitos especiais eram bem precários comparados aos modernos. Curioso pensar que isso não ocorre quando vemos "2001". Os efeitos eram tão precisos e sutis que não envelheceram nem um pouco. O filme poderia ter sido feito hoje em dia.

É injusto tentar explicar ou resumir a "trama" do filme. Na verdade, temos pequenos episódios que juntos formam um panorama sobre o ser humano, a evolução e a busca por algo além da vida, além do nosso planeta. E é aí que entra a misteriosa e controversa figura do monolito.  Presente em todos os "episódios" do filme, o monolito é o maior enigma do complexo roteiro feito por Kubrick e Clarke. Para alguns, representa o pensamento humano; para outros, a vida extraterrestre. Há até quem acredite que ele é a representação do que seria "Deus". Para resumir, "2001" é, em sua totalidade, tudo o que "A Árvore da Vida" tanto queria ser e não conseguiu plenamente: uma completa experiência sensorial.


E chegou a hora de falar de um capítulo à parte dessa produção: o som. Sem exagerar nem um pouco, afirmo que "2001" é O melhor casamento entre som e imagem que o cinema já viu. Ao invés de manter  uma constante e irritante trilha sonora de fundo para suas cenas, Kubrick faz intenso uso do silêncio. Detalhes da cena, como a respiração do astronauta ou o barulho dos sensores da nave, se tornam a música perfeita na composição de suas cenas. E nada de lasers ou explosões: o som não se propaga no vácuo, é bom lembrar. Kubrick lembrava. Ao invés de ficar chato ou arrastado, tudo funciona às mil maravilhas. Em certos momentos, inclusive, o filme se porta como se fosse mudo. Não acontece nenhum diálogo nos primeiros 25 minutos nem nos últimos 23. 0 cinema é uma arte visual, e "2001"é PURO cinema, em cada fotograma.

Por ser um intenso amante de música clássica, ela acabava se tornando um personagem próprio nos filmes de Kubrick: seja pelo Beethoven onipresente em "Laranja Mecânica" ou pelo lirismo de Shostakovich e Mozart em "De Olhos Bem Fechados", a trilha clássica sempre ditava o tom de suas obras. Mas aqui foi o auge. É impossível ouvir as notas de "Assim Falou Zarathustra" de Richard Strauss sem lembrar da abertura do filme ou da icônica cena do ancestral símio aprendendo a enxergar o osso como arma. Mesmo assim, nada se compara ao uso da valsa de Johann Strauss II, "O Danúbio Azul". O balé visual orquestrado por Kubrick casa perfeitamente com as lindas imagens que são verdadeiros quadros em movimento. Para isso, faz uso de um andamento mais lento que se torna hipnótico pela combinação da música de Strauss com as naves ou canetas flutuantes que preenchem a tela. Ainda hoje, é de arrepiar. Tanto que a NASA continua usando "O Danúbio Azul" para acordar seus astronautas em treinamento. Não é pouco.


Além dos incrivelmente realistas símios que protagonizam o primeiro "episódio" dentro do filme - um emocionante filme de ação em que nenhuma cena é dispensável -, poucos personagens são relevantes dentro da linha narrativa. Quando o símio joga o osso para o alto, temos o antológico corte que resume quatro milhões de anos de história humana nos dois segundos em que o osso no ar é substituído por uma nave no espaço. E quando as falas aparecem, são vazias e corriqueiras - assim como os personagens que as falam. Isso mostra não só a irrelevância das falas em uma arte visual, mas também do homem diante do universo que o filme propõe apresentar. Por uma ironia muito bem pensada por Kubrick e Clarke, o personagem mais carismático é o robô HAL-9000. Por mais que muitos acreditem, seu nome NÃO é uma referência à empresa americana de informática IBM - perceba que é só "diminuir" cada letra do alfabeto para formar "HAL". O próprio Clarke nega isso. Mas só um diretor brilhante - e a voz mansa de Douglas Rain, que nem chegou perto do set de filmagem - poderia transformar uma simples luz vermelha em um dos maiores vilões e personagens do cinema. E faz isso muito bem.

Nos 148 minutos de duração, nenhuma informação visual é gratuita ou desnecessária. Algumas cenas ainda surpreendem pela sua execução perfeita. Por exemplo: durante as pesquisas para o filme, Kubrick descobriu que seria necessário construir uma plataforma circular no espaço para que fosse criado um campo gravitacional a ser usado pelos astronautas. Ele pensou "Sem problemas". E assim foi construída uma imensa plataforma circular para as filmagens, uma verdadeira roda gigante que servia como set para a base dos astronautas. Pode ser considerado loucura para alguns, mas são essas coisas que justificam a alcunha de gênio que ainda hoje acompanha fielmente o nome de Stanley Kubrick.


O ápice de toda imaginação visionária do diretor americano está na última meia hora de projeção. No momento em que o astronauta sobrevivente Dave, interpretado por Keir Dullea, ultrapassa a velocidade da luz, Kubrick entrega ao público uma viagem psicodélica de 10 minutos pelo que seria a eternidade espacial. E nesse momento, "2001" se torna 3D antes mesmo do efeito virar mania mundial.  Tudo culmina na polêmica sequência final, onde passado, presente e futuro se encontram em um luxuoso quarto de hotel. A ideia era ser tão confuso quanto envolvente, e é possível que nem Dullea soubesse bem o que estava fazendo ali. São várias as teorias acerca de seu real sentido, mas o objetivo dessa análise não é apresentar uma delas. Como o próprio autor Clarke diria: "Se alguém entendeu "2001" totalmente, nós falhamos seriamente na realização do filme". Kubrick ouviria isso com um cínico sorriso no rosto.

Muitos espectadores despreparados vão achar o filme "chato, sem sentido ou inconclusivo". Isso é normal. Mas é bom lembrar do nome do filme. Kubrick propôs uma "Odisséia no Espaço", apresentar um lugar aonde nenhum homem tinha ido. Ele nos deu a visão mais próxima e realista do que seria esse lugar, sem ação desenfreada ou explosões para todos os lados. E mais do que dar uma resposta pronta para tudo no final, Kubrick estava preocupado com a viagem em si. Todos seus filmes são assim, é só ver. "Laranja Mecânica", "Barry Lyndon", "O Iluminado"... Todos eles apresentam um final "inconclusivo". Mas o importante é o trajeto até ele, as experiências que temos ao longo do caminho. Kubrick filmou menos do que planejava em vida. Por ser muito detalhista, chegou a lançar, no final da carreira, apenas dois filmes em quase vinte anos. Por não conseguir visualizar seu mais pretensioso projeto, "Inteligência Artificial", entregou-o para seu fã Steven Spielberg - o mesmo Spielberg que considerava "2001" o grande "Big Bang" da geração que tomaria os cinemas nos anos 70, da qual fazia parte. Kubrick morreu repentinamente em 1999, aos 70 anos. Ironicamente, não chegou ao ano que tanto marcou sua carreira. Nem concluiu seu último filme, "De Olhos Bem Fechados", lançado postumamente. Em sua própria vida, foi a prova de que o importante não é chegar ao destino da viagem, mas sim fazê-la.