quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A Insustentável Leveza do Ser - "Intocáveis", Uma Lição de Otimismo e Bom Humor à Francesa


Você, leitor atento, pode estar se perguntando: por que esse título poético? Pois bem... "Leveza" é a palavra. É nesse estado de espírito que você fica após assistir o filme dirigido pela dupla Eric Toledano e Olivier Nakache. Existem alguns filmes que são feitos para fazer pensar, alguns para fazer rir, outros para causar medo. Mas alguns filmes são feitos, simplesmente, para ser um alívio e satisfação para o expectador - e levar, assim, um pouco de leveza à sua vida. É o caso desse "Intocáveis".

Depois de ser considerado o filme mais lucrativo na França no ano de 2011, a produção se tornou também o filme francês mais assistido no exterior da história. Para isso, inclusive, bateu a marca de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", que desde sua estreia - em 2001 - ocupava esse posto. Como uma história tão simples consegue justificar um fenômeno de bilheteria tão forte? Vai por mim: basta ver o filme para entender. A direção, os cortes, os atores: tudo funciona às mil maravilhas. Embora a estrutura narrativa seja bem clássica, não demora muito para o ritmo ágil e bem-humorado ocupar a tela e nos envolver de jeito.


A história, baseada em fatos reais, é de uma simplicidade exemplar:  um aristocrata rico e tetraplégico contrata um jovem problemático para ser seu assistente e ajudante. A partir dessa ideia básica, acompanhamos o extrovertido Driss aprendendo a lidar com as necessidades e limitações do recluso Philippe - e vice-versa. Dois universos que vão, aos poucos, se fundindo. E é aí que entra o grande trunfo e diferencial do longa: a incrível química entre a dupla principal. Faíscas aparecem na tela em cada cena que eles dividem - no sentido metafórico e positivo, que fique claro. François Cluzet, grande ator (ainda) pouco conhecido pelo público brasileiro, dosa perfeitamente amargura, esperança e gaiatice na pele de Philippe. Por fazer um tetraplégico, toda força do personagem está nas expressões faciais e no olhar, do pescoço para cima. É o suficiente para ele. Um misto de Dustin Hoffman com Edward Norton à francesa, é delicioso ver o muro criado em torno de seu personagem ir caindo aos poucos, para revelar um doce sorriso que cativa a plateia.

O outro nome nos créditos principais merece um espaço à parte. Até então desconhecido pelo grande público, Omar Sy arrebata desde sua primeira aparição. Quando ele está em cena, não tem para ninguém. O personagem é instintivo e espontâneo, beirando a agressividade em certos momentos. Mas uma coisa é inegável: ele é o centro das cenas mais marcantes e hilárias. E quando digo hilárias, são de rolar de rir mesmo, sem exageros. Sy transpira carisma. Tanto que, das nove indicações que o filme recebeu para o César - espécie de "Oscar Francês" -, o único prêmio foi para ele, tornando-o o primeiro negro a receber o César de Melhor Ator. Não é pouco, mas é merecido. É o tipo de papel que marca muito intensamente a carreira de um ator, mas ainda é cedo para dizer como será o futuro de Omar Sy no cinema. Uma coisa é certa: carisma não falta ao moço.
O elenco secundário também é notável, com personagens que só adicionam à mistura e conseguem melhorar ainda mais a dinâmica entre a dupla principal - sem em nenhum momento ofuscá-los. Afinal, o show é deles.


A trilha sonora só ajuda. E olha que ajuda mesmo. Além de clássicos imortais de Vivaldi, Chopin e Bach, o filme ainda consegue ficar mais animado ao som da banda Earth, Wind and Fire. A abertura com "September" e a dança de Driss ao som de "Boggie Wonderland" são simplesmente impagáveis. Mas o ponto alto é o momento em que os personagens vão satisfazer um dos desejos excêntricos de Philippe e andar de parapente. No instante em que a voz única de Nina Simone começa a entoar os versos de "Feeling Good", pronto. Basta isso para flutuarmos junto com eles. Está aí um bom resumo da obra: o filme é um convite para deixar a vida de lado por alguns minutos, se sentir bem e flutuar com um sorriso no rosto. Tudo com sotaque francês.

Em tempos de filmes difíceis, complexos e pesados, é um deleite poder se deixar levar durante 112 minutos por um filme que, embora abrisse muitas margens para o drama envolvento o acidente de Philippe, não desperta no expectador nada além de um sincero sorriso de satisfação. E os americanos, que não são bobos, já abriram os olhos e encomendaram um remake a ser estrelado pelo Oscarizado Colin Firth como o rico aristocrata. Mais difícil do que encontrar alguém para encarnar o papel que foi de Omar  Sy será conseguir alcançar a simplicidade e beleza desse filme. 


Após ler tudo isso, leitor pode estar pensando que estou numa forte campanha a favor do filme. Sinceramente, acho muito difícil falar mal ou ver defeitos em um filme que faz tão bem à alma. Mas "Intocáveis" não floreia a vida real só para ter uma mensagem bonitinha no final. É um filme sincero, que mostra as coisas como elas são. Busca mostrar que há várias maneiras de encarar os acontecimentos da vida, mas a melhor delas é o otimismo. E prova que não há nada melhor do que um sorriso espontâneo para equilibrar a tensão de qualquer momento. Para os que vão assistir o filme, esse sorriso é mais do que uma moral ou lição: é uma garantia.