quinta-feira, 25 de julho de 2019

Lágrimas na Chuva - um tributo a Rutger Hauer ( 1944 - 2019 )


O Cinema, em proporção histórica e mundial, registrou diversas figuras fascinantes e hipnóticas. Poucas encarnaram o termo "Cult" de forma tão impactante quanto Rutger Hauer. São três as provas concretas e indiscutíveis disso: o replicante Roy Batty de "Blade Runner" (1982), o cavaleiro romântico Etienne Navarre de "O Feitiço de Áquila" (1985) e o frio assassino John Ryder de "A Morte Pede Carona" (1986). O ator holandês ofuscava qualquer elenco nas obscuras obras de sua seleta filmografia, um caso de flerte imediato e seguro com a câmera. Isso fica provado até nas pequenas participações em "Batman Begins" e "Sin City" (ambos de 2005) e na orgulhosa celebração de sua persona com "Hobo with a Shotgun" (2011). 


Rutger Hauer, cá entre nós, era cult até no exótico nome. Sua existência foi muitíssimo mais interessante do que o grande público poderia imaginar. Filho de atores teatrais, ele já decorava diálogos de Sófocles por pura diversão aos 10 anos. Após anos de apresentações ao ar livre em aldeias da Holanda, resolveu abandonar tudo e trabalhar num navio cargueiro por um ano, rodando o mundo. Ficou por Amsterdã, onde viveu como poeta errante na vida noturna da cidade. Um novo impulso e se alistou no Exército, onde rapidamente se cansou da rotina militar. Para ser dispensado, voltou às origens como ator e convenceu todos que tinha distúrbios mentais. E deu certo. Após parcerias artísticas com o igualmente cult cineasta Paul Verhoeven, Hauer conquistou e esnobou Hollywood. Fazia apenas os projetos que lhe interessavam, se permitindo longos períodos de férias e reclusão. Fundou uma instituição de pesquisas sobre AIDs, a Rutger Hauer Starfish Foundation, para onde ia todo o dinheiro que recebia dos filmes. 



Pouca gente sabe disso tudo. E poucos atores teriam tanta propriedade para aquele ecoante monólogo final de "Blade Runner": "I've seen things you people wouldn't believe". Essa cena é apenas a cereja do bolo de uma performance brilhante. O Roy de Rutger Hauer sempre foi o elemento mais fascinante e humano do pacote. "Todos esses momentos serão perdidos no Tempo, como lágrimas na chuva" foi inclusive um improviso do ator (!!!), digno de poeta errante europeu. Cada frase, cada gesto e cada olhar prontíssimos para a Eternidade. Seu corpo jovem saltitando entre ruínas sombrias é a versão rebelde e caótica do Peter Pan que não quer envelhecer. Como se não bastasse toda essência cult, Rutger Hauer abraça a morte em pleno 2019 - data da validade de seu replicante no filme. Talvez apenas os fãs compreendam a magnitude desse detalhe. Continuamos a observar as lágrimas na chuva. Time to die.