quarta-feira, 6 de julho de 2011

A Vida Como Ela É - "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", uma jóia dos anos 80


Quando se fala em filmes adolescentes da década de 80, qualquer um imagina instantâneamente a imagem de Matthew Broderick no icônico "Curtindo a Vida Adoidado"(1986) ou qualquer outro filme do adorado John Hughes, considerado o mestre desse gênero. E é justo, pois seus filmes marcaram intensamente uma época, conseguindo grande empatia com o público através de seus personagens tão realistas e sinceros. Mas não só dos filmes de Hughes se fez aquela década, e o exemplo mais claro e - injustamente - menos lembrado é um pequeno tesouro pouco conhecido e citado: "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas".

Antes que eu (ou qualquer um) cometa o erro de rotular esse filme, é bom deixar claro que não se trata de uma comédia juvenil tradicional. O foco é mais maduro, de acordo, inclusive, com a própria trama: um grupo de sete amigos recém-formados se depara com a amarga realidade do mundo real, tendo que conviver com a insegurança profissional e emocional desta nova fase da vida. O filme foi corajoso por já se iniciar em um ponto que na época era tomado como conclusão. Explico: a primeira imagem vista é a dos amigos saindo da formatura, que normalmente era considerada o fim da jornada. Pois ali, ela é exatamente o começo. Um corte rápido nos leva à primeira cena - em um hospital, após um acidente - que já apresenta de forma ágil e eficiente o perfil de casa um dos sete personagens principais, assim como seus dramas. E são os personagens o grande diferencial que permite a leveza da produção, uma vez que a história em si é bem simples.


Esse filme, juntamente com "Vidas sem Rumo" (1983) - obra tocante de Francis Ford Coppola -, forma o pacote que lançou o "Brat Pack", nome dado ao grupo de jovens atores e atrizes que foram lançados nessas produções, virando ícones dos anos 80, entre eles Matt Dillon, Tom Cruise, Ralph Macchio, Patrick Swayze, C. Thomas Howell, Demi Moore e Rob Lowe. Esses dois últimos fazem parte do elenco principal de "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas", tendo sido os integrantes que mais fizeram sucesso após a estréia do filme em 1985. Mesmo assim, o antes "galã rebelde" Lowe hoje é mais conhecido por participações em seriados de televisão. E Demi Moore, que teve seu auge em "Ghost - Do Outro Lado da Vida"(1990), há muito tempo não emplaca um sucesso nas telas, sendo mais citada como "a esposa de Ashton Kutcher" - o que, cá entre nós, só é bom para as fãs do ator.

Mas após assistir ao filme - que circula em uma uma rara cópia de DVD, que vale a busca - é triste saber que foi o único sucesso de um elenco tão promissor. E para nós, tão acostumados à séries de TV, é impossível evitar uma comparação com o seriado F.R.I.E.N.D.S. Aquele tipo de intimidade que realmente existe entre amigos próximos poucas vezes é bem transportada para as telas, mas pode ser genuinamente sentida tanto nesse seriado quanto no filme. E as semelhanças ficam mais fortes quando pegamos o personagem Kevin Dolenz. Apesar da importância dos personagens ser bem equilibrada, o humor irônico e os dilemas de Kevin acabam sendo o que o filme tem de melhor, graças ao talento do sumido Andrew McCarthy (na foto abaixo com Demi Moore). Ele é a gênese do personagem Chandler Bing (eternizado por Mathew Perry no seriado citado), tanto no jeito de ser quanto no próprio visual, bem parecido. Além disso, a ingenuidade e atitude marcantes do personagem da série Joey (Matthew LeBlanc) podem ser relacionadas com a do personagem Kirby Keger, vivido por Emilio Estevez - que aqui é visualmente uma cópia idêntica de seu pai, o também ator Michael Cheen (sim, ele é irmão do problemático Charlie Cheen). Além dessas comparações mais diretas, tem ainda o fato dos personagens sempre se reunirem em um bar, como os do seriado faziam. Por isso, é certo que todos os fãs do seriado sejam conquistados pelo filme, que sem dúvida foi uma inspiração.


Mas apesar desse destaque especial aqui feito, todos os atores estão a vontade nos papéis, e é impossível não se identificar com seus dramas e modos de pensar. Não esqueçamos que aqui escreve um adolescente em fase semelhante à vivida por eles, o que justifica essa grande identificação. Ally Sheedy (como a romântica Leslie) e Mare Winningham - que vive a tímida e virgem Wendy, e ironicamente estava grávida durante as gravações - se tornaram queridinhas em produões alternativas graças à participação nesse filme. Mas o grande destaque feminino é Demi Moore, em sua estréia nas telas. Normalmente em papéis dramáticos, aqui ela vive a liberal Jules, uma adolescente com visual e atitude bem diferentes dos que a marcaram. Na época, ela tinha problemas com drogas semelhantes aos da personagem, mas se internou numa clínica de reabilitação e prometeu manter-se "limpa" para poder atuar. Mesmo parecendo um tanto forçada no decorrer do filme, é em uma inspirada cena perto do final que ela revela o verdadeiro drama da personagem - e o verdadeiro talento e versatilidade como atriz, que o mundo viria a conhecer melhor mais tarde.

Já no time masculino, além dos dois atores já citados, outro que rouba a cena é Judd Nelson , que no mesmo ano havia atuado em outro clássico moderno, "O Clube dos Cinco" - onde inclusive contracenava com Sheedy e Estevez. Na pele de Alec, o mais sério do grupo e namorado de Leslie, o ator atrai a atenção em cena para si com seu olhar penetrante idêntico ao de Al Pacino. Mas provavelmente mais lembrado é Billy, o saxofonista e rebelde sem causa vivido por Rob Lowe, aqui no auge de sua carreira.

Mas não só de novatos é formado o elenco. A musa dos anos 80 Andie MacDowell vive a paixão platônica e não correspondida de Kirby, adicionando beleza às cenas em que aparece. Outra presença pouco creditada é a do veterano Martin Balsam, que tinha atuado anteriormente em obras-primas como "Sindicato de Ladrões"(1954) e "Psicose"(1960) e aqui desempenha um de seus últimos papéis - como o pai conservador de Wendy - , mostrando como faz diferença ter um ator clássico em cena.


O mais curioso, após a exibição de tal filme, é notar que ele em momento algum parece datado, mesmo se passando há mais de 25 anos atrás. Todos os dramas, atitudes e gostos dos personagens são tão naturais e genuínos, que o filme não fica com aquela cara de "clássico dos anos 80" tão pesada em outros filmes - como no próprio "Curtindo a Vida Adoidado". Que jovem nunca se apaixonou pela melhor amiga, como Kevin? Quem nunca fez uma loucura por amor, como Kirby? Quem nunca pensou em desistir de tudo, como Jules e Billy? Quem nunca quis provar que é capaz de tomar as próprias decisões, como Wendy? E que aparente "casal perfeito" não passou por sérias crises, como Leslie e Alec? As possibilidades de identificação são várias, basta escolher uma. A única cena datada do longa, que acaba por isso até adicionando certo humor, é a discussão do casal em crise para ver quem fica com determinados discos. é um calderão pop, onde estão estão os melhores diálogos, que acaba de maneira cortante pela frase que namorados nunca querem falar: "Eu não acredito que isso está acontecendo com a gente." Uma abordagem atemporal e corajosa, falando abertamente de sexo entre amigos, uso de camisinha e traição muito antes de produções mais recentes consideradas "polêmicas".

Mas a melhor cena do filme é a que o define. Já antes citada, é a em que Moore revela seu talento, e onde ela tem uma franca conversa com Billy, e ele lhe explica o que seria o "Fogo-de-Sant'Elmo" - o título original do filme, "St. Elmo Fire", que muitos acreditam se referir apenas ao bar em que eles sempre se encontram. Trata-se um fenômeno que não existe, mas foi criado por aqueles que queriam acreditar em algo para poder, assim, prosseguir na vida. Ao dizer "É isso que está acontecendo conosco agora", Lowe olha para a câmera, mesmo que de forma discreta. É ele nos encarando, se dirigindo a nós. E sim, ele estava certo, é isso que muitas vezes está acontecendo - ou precisa acontecer - conosco.


Esses são alguns detalhes que tornam "O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas" uma grata surpresa, candidato a uma vaga em "filmes favoritos dos anos 80". E prova de que Joel Schumacher, apesar de bombas como "Batman & Robin" (1997), tem grande sensibilidade como diretor. A adaptação gigante dada ao título do filme sem dúvida cai bem. A cena final, em que o grupo de amigos, já sem um integrante, encara uma nova turma de jovens ocupando o seu lugar habitual, dá um aperto em nossos corações, por representar de forma clara que nenhuma amizade é eterna, e mesmo que a chama da amizade se mantenha, não supera o efeito implacável do tempo, que tende a transformar tudo em lembranças. Enfim: a vida, como ela é.