quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os Mercenários - "Bastardos Inglórios" e o grande triunfo de Tarantino


Estou devendo uma análise do filme "Bastardos Inglórios" desde o final de 2009. E mais de dois anos depois, ainda não consigo entender ou explicar o que levou os membros da Academia de Cinema a dar o Oscar de Melhor Filme a "Guerra ao Terror" em um ano onde esse filmaço concorria. Até mesmo o outro favorito da ocasião, "Avatar", não era (e continua não sendo) comparável à mais recente obra-prima de Quentin Tarantino.

O grande cineasta símbolo dos anos 90, Tarantino entrou no novo século já brincando com seu estilo pop em produções marcantes e originais como a saga "Kill Bill" e a pequena jóia pouco admirada "À Prova de Morte". Mas todos os filmes com seu nome atrelado tinham um visual de "independente" ou de "feito com dinheiro do próprio bolso" - e isso muitas vezes era proposital e ajudava na aura "cool" deles. Mas faltava um filme de luxo, com grande orçamento, em sua carreira.

Tarantino tinha uma vontade antiga de fazer um filme passado na Segunda Guerra Mundial. Mas muita coisa ja foi feita com esse tema. Então, surgiu a dúvida: que trama completamente original passada nesse período histórico poderia ser filmada como algo nunca antes mostrado no cinema? Resultado: focar em um pelotão de soldados americanos de origem judaica que é reunido com o objetivo de realizar uma missão suicida contra os alemães. Ah sim, seu objetivo é matar o maior número possível de nazistas, da forma mais cruel possível. Pronto, desafio fácil pra mente sádica (e genial) de Tarantino.


E assim nasceu "Bastardos Inglórios", que embora ancorado nessa premissa, é muito mais do que isso. O grande talento que o diretor já tinha de juntar vários personagens diferentes na mesma linha narrativa - mostrado principalmente em "Pulp Fiction" -, têm aqui seu ápice. Acompanhamos um desfile de personagens únicos e carismáticos que sempre adicionam algo à trama a medida em que aparecem. Muito graças à composição feita por cada um dos atores escolhidos. E tirando Brad Pitt, o filme é repleto de pessoas que "conhecemos de rosto mas não lembramos do nome". E é exatamente esse o objetivo - rostos marcantes e inesquecíveis, que por si só já resumem os personagens.

Christoph Waltz levou o Oscar de Coadjuvante por seu Hans Landa frio e calculista, o "Caçador de Judeus" poliglota que conseguia mudar da simpática cordialidade ao mais violento ataque surpresa. E foi justo o prêmio, por ser um personagem muito interessante e repleto de nuances - tantas que fica até difícil de entendê-lo completamente nas poucas cenas em que aparece. Mas o grande destaque do filme é Brad Pitt, em um de seus melhores papéis. Longe da imagem de galã e equilibrando bem canastrice com um tom caricato, seu Aldo Raine é um personagem que não sai da cabeça e rouba a atenção em todos os momentos em que está presente. E ainda prova o carisma do ator (ele é a grande estrela do filme) e seu talento para o humor - as cenas em que ele fala italiano são impagáveis.
Além deles, vale a pena destacar ainda Eli Roth se divertindo como o psicótico Donnie Donowitz; a atriz francesa Mélanie Laurent, a grande revelação do filme no papel mais complexo e desafiador; e uma tímida ponta do comediante Mike Myers - sim, o próprio "Austin Powers", com uma maquiagem irreconhecível.


Mas não são só os personagens que fazem de "Bastardos Inglórios" o grande filme que ele é. Com ele, Tarantino provou seu amadurecimento na direção. Além do desfile de personalidades históricas - Hitler, Goebbels, Winston Churchill, Emil Jannings (ator do cinema mudo) -, incorporadas em seu roteiro, ele orquestra o filme em capítulos distintos que vão completando um mosaico. E as cenas não são frenéticas e corridas como de costume, mas vão evoluindo gradativamente, junto com a tensão. Só pra citar um exemplo, a cena inicial dura mais de 20 nervosos minutos - afinal, com Tarantino NUNCA se sabe o que pode acontecer a seguir. Mesmo que em menor quantidade, suas marcas registradas ainda estão lá: a violência visual, a apresentação estilosa de personagens, e até mesmo sua paixão por pés - dessa vez através de um close nas solas da deslumbrante Diane Kruger. E é ousada e positiva sua escolha por adotar o idioma original de cada região mostrada: se estão na Alemanha, se fala alemão; se estão na França, se fala francês. Nada mais justo, oras!

Mas o grande trunfo de Tarantino é não só se permitir inventar essa trama absurda passada em um período real da história, mas poder reescrever a própria história para dar o final que quer à sua empreitada. E assim ele brinca de Deus e muda o curso da humanidade - aproveitando para agradar todos que sentiram raiva de Hitler e já quiseram uma vingança. Se esses dados aqui analisados não são o suficiente para convencer que "Bastardos Inglórios" é um grande filme (provavelmente o melhor de 2009), pelo menos que eles sirvam para mostrar que Tarantino é um cara que, definitivamente, sabe brincar de fazer cinema.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Cinema Mudo é celebrado com o Oscar 2012 !


MELHOR FILME

"O Artista"

Melhor diretor

Michel Hazanivicus, “O artista”


Melhor ator

Jean Dujardin, “O artista”


Melhor atriz

Meryl Streep, “A Dama de Ferro”


Atriz coadjuvante

Octavia Spencer, “Histórias cruzadas”


Ator coadjuvante

Christopher Plummer, “Toda forma de amor”


Fotografia

“A invenção de Hugo Cabret”


Direção de arte

“A invenção de Hugo Cabret”


Figurino

“O artista”


Maquiagem

Mark Coulier e J. Roy Helland, “A Dama de Ferro”


Melhor filme de língua estrangeira

“A separação”, Irã


Montagem

Kirk Baxter e Angus Wall, “Os homens que não amavam as mulheres”


Edição de som

“A invenção de Hugo Cabret”


Mixagem de som

“A invenção de Hugo Cabret”


Documentário

“Undefeated”


Melhor filme de animação

“Rango”


Efeitos visuais

“A invenção de Hugo Cabret”


Trilha sonora original

Ludovic Bource, “O artista”


Canção original

"Man or Muppet" de “Os Muppets”, Bret McKenzie


Melhor roteiro original

Woody Allen, “Meia-noite em Paris”


Melhor roteiro adaptado

Alexander Payne, Nat Faxon e Jim Rash, “Os descendentes”


Curta-metragem

“The Shore”


Curta-metragem documentário

“Saving Face”


Curta-metragem de animação

“The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore”


E assim foi o Oscar 2012! Mais detalhes, pela cobertura exclusiva na página do Kaio No Cinema no Facebook. Não deixe de curti-la para acompanhar as novidades do cinema de forma mais dinâmica!

Ano que vem, tem mais!






sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Cinema Paradiso - "A Invenção de Hugo Cabret", uma homenagem ao cinema por um de seus mestres


Em 2011, fiz uma matéria em homenagem aos 150 anos de George Méliès. Poucos sabem de quem se trata, mas esse é o homem que criou o cinema tal como o conhecemos, essa fascinante arte onde os sonhos não tem limites e tudo que imaginamos pode ser representado. Só que ele fez isso antes de 1900, ou seja, há mais de um século atrás. Foi basicamente o "pai do cinema", criando efeitos especiais e linhas narrativas para histórias que antes só eram possíveis em livros. Logo, uma pequena matéria celebrando sua vida e carreira era o mínimo que eu, amante da arte que ele ajudou a criar, podia fazer. Mas não era o suficiente, e esse gênio (o primeiro do cinema) merecia algo maior.

E aí entra Martin Scorsese. O mais prestigiado diretor em atividade no mundo - e ídolo desse que vos escreve - é um cara que vive DE cinema e PARA o cinema. Depois de ganhar (finalmente) o Oscar por "Os Infiltrados" (2006) e homenagear os filmes B de terror com "Ilha do Medo"(2009), ele anunciou um projeto infanto-juvenil filmado em 3D. Algo inovador para um diretor marcado por filmes violentos e pesados como "Taxi Driver" e "Os Bons Companheiros". Mas o filme em questão, "A Invenção de Hugo Cabret", é muito mais do que uma aventura para jovens. É uma grande homenagem à sétima arte, dedicada ao homem que a transformou em uma "fábrica dos sonhos". Isso mesmo, dedicada à George Méliès.


Na trama, acompanhamos o novato Asa Butterfield no papel de Hugo, um menino que vive escondido na estação de trem de uma belíssima Paris de 1930. Após a morte do pai (Jude Law em uma discreta e rápida participação), só lhe resta um misterioso robô quebrado, que ele tenta desesperadamente consertar. E nesse ambiente, ele encontra tipos agradáveis como Sr. Frick (Richard Griffiths, o eterno "tio do Harry Potter"), que sempre dá em cima da dona do restaurante (Frances de la Tour) cujo cachorrinho o reprova; a doce florista (Emily Mortimer) que não sabe ser a paixão do rude Inspetor de Polícia (Sacha Baron Cohen); um misterioso velhinho dono da livraria (Christopher Lee, ele mesmo homenageado com um papel à sua altura, aos 89 anos) e uma jovem sonhadora (a talentosa e carismática Chloe Moretz) que tem uma chave com o fecho em forma de coração, exatamente do mesmo tamanho da fechadura existente no robô de Hugo. Esse é o cenário que dá o clima simpático presente até a última cena do filme.

Mas todos esses personagens citados são apenas pontuais no desenrolar da história - exceto o Inspetor vivido por Sacha Baron Cohen, com certo destaque em uma marcante caracterização que lembra seus tempos de Borat. As atenções se recaem sobre o amargurado e solitário dono da loja de brinquedos da estação. Um pouco de cultura geral: Méliès, após ser abandonado por seu público e ter seus filmes queimados e perdidos, se isolou e passou a viver como vendedor de pequenas artimanhas no trem de Paris, onde ninguém o conhecia. Então... Isso mesmo. É o próprio George Méliès, que surge como personagem do filme, em uma interpretação magnífica de Ben Kingsley (que trabalha com Scorsese pela segunda vez, após "Ilha do Medo"). O ator encarna perfeitamente o pioneiro do cinema, obtendo uma semelhança gritante - que lembra a transformação de Merryl Streep em Margareth Tatcher -, principalmente nas cenas dos bastidores de suas produções mudas. Eles ficam tão parecidos que durante o filme várias fotos e imagens do Méliès real são mostradas sem muitos perceberem se tratar de material de arquivo. Sem dúvida, o maior papel do ator desde que ele encarnou Gandhi no filme homônimo que lhe deu o Oscar.


Esse é outro ponto positivo da produção: a grande quantidade de material de arquivo usada. Qual a melhor maneira de homenagear cineastas e o cinema em si? Usando imagens de suas próprias obras, as que entraram para a história da humanidade, de maneira inteligente. E por isso "Hugo" (no original) é um deleite visual para qualquer cinéfilo. A edição sempre eficiente de Thelma Schoonmaker, parceira de longa data de Scorsese, é mais do que suficiente para emocionar e tirar lágrimas daqueles que vivem com a esperança de ficarem eternizados em fotogramas da história do cinema - como é o caso de Scorsese e do próprio autor desta resenha.

E aí que entra a questão do 3D. Artifício considerado por muitos apenas um modo de obter maior bilheteria ou aceitação da nova geração, a profundidade e imersão proporcionada pelo 3D faz a maior diferença quando usada por um diretor que tem noção de como tirar proveito dela. Wim Wenders já deixou isso claro com "Pina", assim como Werner Herzog e seu "Caverna dos Sonhos Esquecidos". O mesmo acontece com Scorsese, que tem seus elaborados movimentos de câmera em total harmonia com os efeitos de terceira dimensão. São os diretores veteranos ensinando os novos a como usar da maneira certa sua própria tecnologia. Curioso, não? Graças a isso, cada cenário é uma aula de direção de arte e algumas cenas ficam cravadas na memória de forma inesquecível tamanha sua beleza.


E quando pensávamos que não tinha como Scorsese melhorar sua filmografia, depois de obras do calibre de "Touro Indomável" e "O Aviador", entre outras citadas anteriormente, eis que ele surge com uma nova obra-prima. E ainda, de forma marota, aproveita para fazer uma ponta no filme como um fotógrafo que registra Méliès em seu estúdio de filmagem - algo que todos que um dia se arrepiaram ao assistir "Viagem à Lua"(1902) pela primeira vez gostariam de presenciar ou fazer parte. Enfim um tributo à altura de George Méliès - feito por um outro grande fã em um filme que remete ao passado ao mesmo tempo em que aponta para o futuro.

11 indicações ao Oscar é pouco. Mais do que um prêmio, "A Invenção de Hugo Cabret" ganhará um lugar na história e no coração de todos aqueles que esperam um dia ter recursos para, através da própria arte, dar aos grandes mestres inspiradores um merecido e sincero "Obrigado". Um brinde a Méliès, a Scorsese e, principalmente, à fantástica fábrica dos sonhos que os dois ajudaram a criar e manter: o cinema.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A Rainha - Merryl Streep encarna Margareth Tatcher à perfeição em "A Dama de Ferro"


De todas categorias de indicados ao Oscar de 2012, a de Melhor Atriz é a mais díficil de definir um favoritismo. Temos a interessante encarnação do ícone Marilyn Monroe por Michelle Williams ("Sete Dias com Marilyn"), uma atuação corajosa e marcante de Viola Davis ("Histórias Cruzadas") e completas transformações físicas por parte de Glenn Close ("Albert Nobbs") e Rooney Mara ("Millenium"). Mas nenhuma dessas atuações toma as proporções do "tour de force" promovido por Mary Louise Streep. Já uma das mais queridas atrizes de todos os tempos e recordista de indicações ao Oscar - foram 17 -, Merryl Streep aceitou o desafio de encarnar a ex-Primeira Ministra britânica Margareth Tatcher. E, como não podia deixar de ser, o cumpriu com louvor.

Essa foi a segunda vez que a diretora Phyllida Lloyd e a atriz Meryl Streep trabalharam juntas, depois do grande sucesso de público e crítica "Mamma Mia!" em 2008. Mas "A Dama de Ferro" tem uma estrutura convencional de biografia, acompanhando os momentos mais importantes da vida e carreira da primeira mulher a ser eleita Primeira-Ministra do Reino Unido. Em certos momentos, chega até mesmo a ser um pouco confuso ao abranger tantos acontecimentos de forma muito corrida. Então, o que faz dessa produção um filme acima da média? Nada mais nada menos do que a assustadora interpretação de Streep, que basicamente se tornou Tatcher no jeito de andar, falar, olhar, se virar e respirar. Algo bem semelhante ao que Helen Mirren fez com Elizabeth II em "A Rainha" - que, veja bem, lhe deu o Oscar de Melhor Atriz.


Ter o filme completamente voltado para a mulher por trás da figura política justifica o reduzido enfoque dado a fatos históricos importantes. É compreensível, uma vez que o importante não são os acontecimentos marcantes, e sim a reação e atitudes de Tatcher diante deles. Ataques do IRA, Guerra Fria, Reagan, Guerra das Malvinas, está tudo lá, em uma resumida radiografia do período de 11 anos (1979-1990) em que ela governou o Reino Unido - alternando com o período atual, com 86 anos e reclusa em sua casa pelos sinais de demência que a assombram desde 2000.

A real razão para conferir essa produção é se deliciar com o trabalho de Streep, uma verdadeira aula de atuação. Em nenhum momento a carismática atriz parece estar em cena. Principalmente nos trechos em que uma envelhecida Margareth Tatcher portadora de demência aparece. Qualquer um pode acreditar que é a própria. A transformação física é surpreendente, algo que Streep já tinha feito com Julia Child em "Julie e Julia". Ou seja, mais uma prova de que a norte-americana merece mais do que apenas um Oscar de Coadjuvante por "Kramer VS. Kramer" (1979) e outro de Melhor Atriz por "A Escolha de Sofia"(1982). Se ganhasse o terceiro Oscar, ficaria atrás apenas do mito Katherine Hepburn, vencedora de 4 prêmios da Academia e cuja encarnação rendeu um outro de Coadjuvante para Kate Blanchet em "O Aviador" (2004). E dos 105 minutos de duração, duas cenas sozinhas justificariam a vitória de Streep: o momento em que ela demonstra o porquê de sua alcunha de "Dama de Ferro" durante uma reunião de seu comitê e a cena final, eficiente pelos pequenos gestos.


Jim Broadbent está carismático como o marido brincalhão que ajuda a esposa a se manter firme na profissão, mas todo o elenco é ofuscado pelo carisma de Streep. Se por acaso ocorrer uma zebra e o Oscar do dia 26 acabar indo para Viola Davis - amiga pessoal de Streep e com a qual ela atuou (maravilhosamente, pra variar) em "Dúvida"(2008)-, "A Dama de Ferro" será apenas mais uma prova do talento extraordinário de uma das melhores atrizes da história do cinema. O filme é completamente ancorado nela, uma estrela que tem calibre para carregá-lo sozinho e que sabe disso. Como Tatcher sabia ao manter suas decisões diante das crises pelas quais passou. Ou seja, uma personagem perfeita para uma atriz perfeita.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O Som do Silêncio - A magia do cinema mudo está de volta com "O Artista"!


Assistindo ao filme "O Artista", pude ver que ele não é tudo isso que tanto andam falando por aí. Ele é muito mais. E digo isso não por ser uma homenagem aos anos dourados do cinema mudo (dourados não, "prateados" é melhor, afinal não tinha cor) , mas sim por fazer o mais dificil: recuperar, em diversos momentos, a magia daquelas produções. E é esse o grande feito do filme do frânces Michel Hazanavicius (ô sobrenome difícil!), provar que a magia presente naquelas películas pode ser ressuscitada com sucesso em produções modernas.

Desde sua passagem por Cannes no ano passado - onde perdeu a Palma de Ouro para "A Árvore da Vida", filme que tinha mais a cara do festival -, "O Artista" têm colecionado elogios da crítica e prêmios internacionais. Não deixou de ser surpresa quando foi anunciado como favorito ao 84º Oscar de Melhor Filme. A indicação do filme francês ao principal prêmio da Academia americana de Cinema é justificado por ser "uma produção muda, e por isso universal". Mas o que justificaria sua vitória seria a coragem e ousadia de lançar um filme sem som nem cores em uma era em que isso parece impensável.


"O Artista" não é um filme que lucrará nas salas do cinema. É algo para os amantes da sétima arte e curiosos de plantão, e não o grande público que quer ação e efeitos especiais. Uma história bem simples e que remete imediatamente a antigas produções voltadas para os bastidores do cinema e a decadência de suas estrelas, como "Cantando na Chuva" e "Crepúsculo dos Deuses". Não consegue chegar aos pés dessas obras-primas, mas prova que nunca é tarde para relembrar o porquê de irmos ao cinema - e como ele tanto nos facina.

O grande destaque do filme tem um nome: Jean Dujardin. O ator era mais famoso na França por comédias em que encarnava o Agente 117, uma sátira do 007 - a direção dos filmes, inclusive, era do próprio Hazanavicius. Como protagonista de "O Artista" ele conseguiu o Prêmio de Melhor Ator em Cannes - o que voltou os olhos de todos para o filme - e agora é o favorito ao Oscar, tendo no seu caminho apenas a profunda interpretação de George Clooney em "Os Descendentes". Seu personagem, o galã George Valentim, é uma mistura de todos os grandes ídolos do cinema mudo: Rodolfo Valentino, Douglas Fairbanks, John Gilbert, um pouco de cada um. Se alguns dizem que ele lembra um pouco o icônico Gene Kelly de "Cantando na Chuva", eu digo mais: ele é a própria reencarnação do antigo astro. Não bastasse o físico e os traços em comum, dá pra acreditar que Kelly baixou nele nas cenas de sapateado. Dujardin carrega o filme inteiro em sua imagem. Comove e faz rir com grande facilidade e, mais importante, charme. Charme que falta a muitos atores de hoje.


Nas passagens voltadas para o humor, Dujardin tem a ajuda do cãozinho Uggie, que atraiu todas as atenções no palco do Globo de Ouro e tem ótimo timing para o humor. Sua presença em cena, sempre ao lado do dono, evoca a imagem de Charlie Chaplin em "Vida de Cachorro", principalmente na cena em que Valentim anda pelas ruas observando o que restou de seu sucesso. Além dele, também se destaca Bérénice Bejo, esposa do diretor, que no filme empresta seu jeito de garota pra representar brilhantemente a leveza das atrizes da época. James Cromwell e John Goodman, o eterno Fred Flinstone de carne e osso, têm participações discretas em cena. Mas um ponto negativo vai para a "participação" de Malcolm McDowell. Eternizado na história do século XX por sua entrega total ao protagonista de "Laranja Mecânica", o subestimado ator de 68 anos aparece por cerca de meio minuto (!!) em um papel que poderia ser dado à qualquer ator de menos experiência.


Os melhores momentos do filme são as homenagens e sutilezas que enchem os olhos dos bons observadores. Sutis movimentos dos atores ou da câmera, pôsteres e cartazes que são reproduções de obras famosas do passado. Até uma homenagem maior à Douglas Fairbanks, com reprodução de cenas de seus filmes originais como se fossem produções de Valentim. E o que falar da já antológica cena em que o protagonista percebe a chegada do advento do som? Um sopro de originalidade de quem sabe como usar os recursos do cinema de maneira inteligente. Tudo culminando no empolgante e surpreendente clímax.

"O Artista" está longe de ser um dos melhores filmes da história, mas é uma deliciosa e divertida viagem para os amantes do cinema em sua essência: mudo e em preto-e-branco, atemporal e universal. Para os que não gostam de filmes antigos, minha sugestão é deixar o preconceito de lado para conferir o cinema, em plena era de efeitos 3D e Surrond Sound, se render ao som do silêncio e ao incrível fascínio despertado e eternizado por suas imagens. E se o mundo for mesmo acabar em 2012, a ideia de o último filme a receber o Oscar ser esse é um tanto interessante e irônica.