
Em 2011, fiz uma matéria em homenagem aos 150 anos de George Méliès. Poucos sabem de quem se trata, mas esse é o homem que criou o cinema tal como o conhecemos, essa fascinante arte onde os sonhos não tem limites e tudo que imaginamos pode ser representado. Só que ele fez isso antes de 1900, ou seja, há mais de um século atrás. Foi basicamente o "pai do cinema", criando efeitos especiais e linhas narrativas para histórias que antes só eram possíveis em livros. Logo, uma pequena matéria celebrando sua vida e carreira era o mínimo que eu, amante da arte que ele ajudou a criar, podia fazer. Mas não era o suficiente, e esse gênio (o primeiro do cinema) merecia algo maior.
E aí entra Martin Scorsese. O mais prestigiado diretor em atividade no mundo - e ídolo desse que vos escreve - é um cara que vive DE cinema e PARA o cinema. Depois de ganhar (finalmente) o Oscar por "Os Infiltrados" (2006) e homenagear os filmes B de terror com "Ilha do Medo"(2009), ele anunciou um projeto infanto-juvenil filmado em 3D. Algo inovador para um diretor marcado por filmes violentos e pesados como "Taxi Driver" e "Os Bons Companheiros". Mas o filme em questão, "A Invenção de Hugo Cabret", é muito mais do que uma aventura para jovens. É uma grande homenagem à sétima arte, dedicada ao homem que a transformou em uma "fábrica dos sonhos". Isso mesmo, dedicada à George Méliès.

Na trama, acompanhamos o novato Asa Butterfield no papel de Hugo, um menino que vive escondido na estação de trem de uma belíssima Paris de 1930. Após a morte do pai (Jude Law em uma discreta e rápida participação), só lhe resta um misterioso robô quebrado, que ele tenta desesperadamente consertar. E nesse ambiente, ele encontra tipos agradáveis como Sr. Frick (Richard Griffiths, o eterno "tio do Harry Potter"), que sempre dá em cima da dona do restaurante (Frances de la Tour) cujo cachorrinho o reprova; a doce florista (Emily Mortimer) que não sabe ser a paixão do rude Inspetor de Polícia (Sacha Baron Cohen); um misterioso velhinho dono da livraria (Christopher Lee, ele mesmo homenageado com um papel à sua altura, aos 89 anos) e uma jovem sonhadora (a talentosa e carismática Chloe Moretz) que tem uma chave com o fecho em forma de coração, exatamente do mesmo tamanho da fechadura existente no robô de Hugo. Esse é o cenário que dá o clima simpático presente até a última cena do filme.
Mas todos esses personagens citados são apenas pontuais no desenrolar da história - exceto o Inspetor vivido por Sacha Baron Cohen, com certo destaque em uma marcante caracterização que lembra seus tempos de Borat. As atenções se recaem sobre o amargurado e solitário dono da loja de brinquedos da estação. Um pouco de cultura geral: Méliès, após ser abandonado por seu público e ter seus filmes queimados e perdidos, se isolou e passou a viver como vendedor de pequenas artimanhas no trem de Paris, onde ninguém o conhecia. Então... Isso mesmo. É o próprio George Méliès, que surge como personagem do filme, em uma interpretação magnífica de Ben Kingsley (que trabalha com Scorsese pela segunda vez, após "Ilha do Medo"). O ator encarna perfeitamente o pioneiro do cinema, obtendo uma semelhança gritante - que lembra a transformação de Merryl Streep em Margareth Tatcher -, principalmente nas cenas dos bastidores de suas produções mudas. Eles ficam tão parecidos que durante o filme várias fotos e imagens do Méliès real são mostradas sem muitos perceberem se tratar de material de arquivo. Sem dúvida, o maior papel do ator desde que ele encarnou Gandhi no filme homônimo que lhe deu o Oscar.

Esse é outro ponto positivo da produção: a grande quantidade de material de arquivo usada. Qual a melhor maneira de homenagear cineastas e o cinema em si? Usando imagens de suas próprias obras, as que entraram para a história da humanidade, de maneira inteligente. E por isso "Hugo" (no original) é um deleite visual para qualquer cinéfilo. A edição sempre eficiente de Thelma Schoonmaker, parceira de longa data de Scorsese, é mais do que suficiente para emocionar e tirar lágrimas daqueles que vivem com a esperança de ficarem eternizados em fotogramas da história do cinema - como é o caso de Scorsese e do próprio autor desta resenha.
E aí que entra a questão do 3D. Artifício considerado por muitos apenas um modo de obter maior bilheteria ou aceitação da nova geração, a profundidade e imersão proporcionada pelo 3D faz a maior diferença quando usada por um diretor que tem noção de como tirar proveito dela. Wim Wenders já deixou isso claro com "Pina", assim como Werner Herzog e seu "Caverna dos Sonhos Esquecidos". O mesmo acontece com Scorsese, que tem seus elaborados movimentos de câmera em total harmonia com os efeitos de terceira dimensão. São os diretores veteranos ensinando os novos a como usar da maneira certa sua própria tecnologia. Curioso, não? Graças a isso, cada cenário é uma aula de direção de arte e algumas cenas ficam cravadas na memória de forma inesquecível tamanha sua beleza.

E quando pensávamos que não tinha como Scorsese melhorar sua filmografia, depois de obras do calibre de "Touro Indomável" e "O Aviador", entre outras citadas anteriormente, eis que ele surge com uma nova obra-prima. E ainda, de forma marota, aproveita para fazer uma ponta no filme como um fotógrafo que registra Méliès em seu estúdio de filmagem - algo que todos que um dia se arrepiaram ao assistir "Viagem à Lua"(1902) pela primeira vez gostariam de presenciar ou fazer parte. Enfim um tributo à altura de George Méliès - feito por um outro grande fã em um filme que remete ao passado ao mesmo tempo em que aponta para o futuro.
11 indicações ao Oscar é pouco. Mais do que um prêmio, "A Invenção de Hugo Cabret" ganhará um lugar na história e no coração de todos aqueles que esperam um dia ter recursos para, através da própria arte, dar aos grandes mestres inspiradores um merecido e sincero "Obrigado". Um brinde a Méliès, a Scorsese e, principalmente, à fantástica fábrica dos sonhos que os dois ajudaram a criar e manter: o cinema.

Excelente cara, também gostei bastante do filme. Assim como em "O Artista", temos mais uma espetacular homenagem à sétima arte! Estou escrevendo sobre o filme e acho que ainda hoje vou postar minha crítica (se puder dá uma comentada lá, hahaha)... Abraços, excelente análise!
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