terça-feira, 20 de março de 2012

O Silêncio dos Inocentes - Descobrindo Dreyer e sua Obra-Prima Maldita, "Vampyr"


Hoje em dia, quase ninguém conhece o cinema de Carl Theodor Dreyer. Na verdade, nem mesmo os cinéfilos de plantão conhecem bem as obras de Dreyer. Fora os líricos closes de " O Martírio de Joana d'Arc"(1928), sua obra máxima para a sétima arte, pouco é preservado ou sequer divulgado sobre os trabalhos do dinamarquês. E foi procurando pelas - poucas - cópias existentes que descobri um filme injustamente abandonado no tempo. O nome: "Vampyr".

O filme em questão foi realizado em 1931, já depois da consagração do cineasta. E no mesmo ano em que Bela Lugosi se eternizava como "Drácula" e o mestre Fritz Lang lançava o fantástico "M - O Vampiro de Dusseudorf", Dreyer voltava suas atenções às antigas lendas de casos reais de vampirismo que assombraram parte da Europa no início do século. A trama foca nas estranhas aventuras do jovem Allan Gray (Julian West). Seus estudos sobre o Mal fizeram dele um sonhador, para quem a diferença entre o real e o irreal torna-se ínfima.


Dreyer realizava sua primeira produção falada. Mas isso era só detalhe. "O Vampiro" - título adotado por aqui - é um filme sonoro que se porta como mudo. As falas são raras e apenas auxiliares, enquanto todas informações e passagens importantes são transmitidas por imagens impactantes. Todas ações acontecem bem calmamente, e essa calma no meio do caos aumenta a tensão existente. O diretor resolveu filmar tudo em locação, o que ajudou muito a criar a ambientação sombria que já está presente no primeiro fotograma.

O foco no olhar, nos gestos e nas sombras são sozinhos uma aula de cinema e do poder da imagem. Que o diga a cena em que uma mulher, tomada pela maldição do vampiro, olha com um desejo insaciável para a indefesa irmã. Não há nenhuma ação impulsiva, mas seu olhar causa, por si só, um desespero e repulsa que nem Jason ou Freddy Krueger conseguiriam. A cena em que acompanhamos um caixão sendo levado pela perspectiva de quem está dentro dele mostra o estilo inovador e único do diretor, que sem dúvida inspirou os (poucos) cineastas que tiveram a sorte de conhecê-lo. É o caso do também dinamarquês Lars Von Trier - não por acaso, um dos diretores mais criativos e polêmicos da atualidade. As abordagens sobre o sacrifício feminino e a tentativa de deixar o cinema mais realista são algumas das influências dos 12 filmes que Dreyer concluiu, entre eles o também arrebatador "Dias de Ira"(1943).


"Vampyr", em certos momentos, faz os outros filmes de terror parecerem insignificantes. Misturando como poucos o sobrenatural com o realista, Dreyer criou o primeiro filme de terror psicológico - e isso quase 50 anos antes do mais famoso produto desse gênero, "O Iluminado". O filme tem um dos melhores usos de sombras da história do cinema - as cenas que envolvem o fantasma do soldado sem perna ainda são de cair o queixo. O uso de esqueletos reais, pessoas de fisionomia assustadora e locais abandonados foram o suficiente para o filme ganhar a alcunha de "maldito" que prejudicou sua carreira internacional. Era algo tão assustador que foi banido de quase todos os países do mundo. Nesse sentido, chega a ser semelhante à história de "Nosferatu". Mas nem Dreyer nem seu filme foram redescobertos e idolatrados com o tempo. Os poucos negativos que restaram estavam muito prejudicados, e algumas cenas viraram apenas vislumbres e vultos. E isso reforça ainda mais a fama de "amaldiçoado", comprovada pela aura do filme.

"Vampyr" não é um filme que assusta, mas sim que dá medo. Se você ainda não sabe a diferença, fica aqui a dica. Em tempos em que a saga "Crepúsculo" modificou a imagem dos vampiros no imaginário popular e iniciou uma nova onda de longas sobre sanguessugas, assistir ao clássico perdido é uma forma de ver uma abordagem diferente para um tema tão batido. Vampiros nunca foram mostrados de forma tão realista no cinema. Quase não há efeitos especiais em cena. E, talvez, por isso as imagens são tão assustadoras. Mesmo depois de 80 anos do seu lançamento, o filme ainda arrepia até o último fio de cabelo. Se o leitor nunca viu um filme de Carl T. Dreyer e quer saber por que alguns críticos o consideram talvez o maior de todos os cineastas, assistir a esta arrepiante fábula de terror é a melhor maneira de começar a entender.