sábado, 5 de fevereiro de 2011

Bonequinha de Luxo: Natalie Portman brilha no perturbador "Cisne Negro"


Por volta do ano 2000, algo me chamou a atenção em um violento filme que meu pai assistia na televisão. Nele, uma garotinha de beleza angelical conhecia um matador profissional após sua família ser assassinada, e assim os dois acabavam desenvolvendo uma relação pai-filha. O filme era "O Profissional", feito por Luc Besson em 1994. A atriz angelical, Natalie Portman, então com 12 anos. Com a mesma beleza, ela volta 17 anos depois como a favorita ao Oscar de Melhor Atriz por seu inspirado trabalho no espetacular "Cisne Negro" ("Black Swan", no original)

Depois de conquistar milhares de nerds ao redor do mundo com sua Princesa Amidala na nova trilogia de Star Wars; ser indicada ao Oscar de Coadjuvante por sua fantástica atuação em "Closer - Perto Demais" e provar que consegue ser linda até careca, em "V de Vingança" (o filmaço de 2006), a israelense nascida Natalie Hershlag volta para provar de vez que é muito mais que apenas um rostinho (extremamente) bonito.

Para isso, se juntou ao talentoso (e injustiçado) diretor Darren Aronofsky. Ganhador do prêmio de melhor diretor do Festival Sundance de Cinema de 1998, com seu primeiro filme, a ficção científica π ("Pi"), o diretor americano chamou a atenção da crítica e dos cinéfilos quando lançou em 2000 o espetacular e pertubador "Requiém para um Sonho". Com esse polêmico filme, começou a focar seus roteiros na obsessão humana, tema que voltou a visitar em "O Lutador", filme que alavancou a carreira em declínio do problemático Mickey Rourke. Mas com a sombria abordagem da preparação de uma ambiciosa bailarina para o papel principal
na peça "O Lago dos Cisnes", Aronofsky decidiu mergulhar fundo nas neuroses e conflitos internos da personagem principal, o que acabou dando ao roteiro uma aura de filme de terror.


O que temos aqui em "Cisne Negro" não é um mero filme focado em balé. Muito menos um filme de terror convencional. O resultado final é algo que transcende gêneros pré-estabelecidos. Uma espécie de terror psicológico, que mistura os sonhos (na verdade, pesadelos) da personagem com sua realidade. A abertura do longa, filmada com câmera na mão (característica presente em todo o filme e frequente na filmografia de Aronofsky) já dá uma idéia do que está por vir: a representação de uma parte do "Lago dos Cisnes", onde a maquiagem e o clima sombrio acentuado pela antítese de luz e sombras envolve o espectador remetendo ao Expressionismo Alemão que marcou o cinema na década de 20. O espectador então já está na viagem ao inferno pessoal de Nina Sayes (personagem de Portman), onde não se sabe ao certo o que é real e o que é imaginado. É exatamente aí que reside a graça.

Sem muito esforço, entendemos logo que Nina foi educada desde muito jovem a seguir a carreira que a mãe seguiria, de bailarina. Essa é interpretada por Barbara Hershey, que chega a causar um pouco de medo, talvez por plásticas excessivas no rosto. E sem muito enrolar, vamos logo à situação em que a bailarina luta para provar ao rude e arrogante diretor artístico da companhia, Thomas Leroy (em atuação arrebatadora de Vincent Cassel) que merece o papel principal da montagem. Tudo se complica ao aparecer a sensual figura de Lily (Mila Kunis), a encarnação da malícia necessária à Nina para encarnar a figura do Cisne Negro do título.


Esse é o ponto de partida para uma amizade conflituosa, repleta de rivalidade, entre as duas bailarinas, responsável pela grande polêmica em torno do filme. É incrível ver Mila Kunis, vinda da engraçadíssima sitcom "That 70's Show" (1998-2006), defender sua personagem tão bem depois de atuações não tão inspiradas em filmes como "O Livro de Eli" (2010). Mas o que atraiu a atenção da crítica e dos marmanjos de plantão foram as ousadas cenas lésbicas entre as duas, que caíram na rede como sendo o "grande atrativo" do filme. Falando do ponto de vista masculino, é sem dúvida uma cena muito bem feita e realizada, mas não é de maneira nenhuma gratuita ou apelativa. Ela tem um motivo para estar lá, assim como todos os detalhes e "situações-limite" propostos pelo roteiro.

Outro destaque do elenco é a presença um pouco apagada de uma das grandes atrizes dos anos 90, Winona Ryder . Depois de emprestar sua beleza a filmes como "Edwards Mãos-de-Tesoura" (1990), "A Época da Inocência" (1993) e "Adoráveis Mulheres" (1994), a atriz volta no papel da bailarina decadente Beth MacIntyre. Sumida do cinema e da vida pública depois de ter sido presa por roubar roupas de uma loja, a bela Ryder, apesar de envelhecida, é responsável por algumas das cenas mais pertubadoras do filme.


Apesar de ser muito sofrida e chorona na primeira parte do longa, a transformação sofrida por Nina diante da platéia ao longo da projeção justifica o favoritismo ao Oscar de Melhor Atriz. O uso discreto de efeitos especiais é equilibrado com a eficiente trilha sonora, que mantém o clima de tensão constante. Daí o "medo" que muitos falam ter. As cenas envolvendo espelhos são outra sacada muito bem pensada e realizada, um dos muitos pequenos detalhes que destacam "Cisne Negro" dos demais filmes em cartaz.

Quando os créditos finais clarearem a tela (e nao escurecerem, como normalmente acontece), muitos certamente não saberão explicar a experiência recém-assistida, mas dificilmente saírão do cinema sem estar com ela na cabeça. Em alguns momentos remetendo ao cinema dos anos 70 por seu realismo quase documental e em outros flertando com o lirismo dos anos 40, "Cisne Negro" é simplesmente um filme difícil que esperava a equipe e hora certa para ser feito. E, como defende a protagonista, não poderia ter sido terminado de outra forma, senão tão próxima da perfeição.