quarta-feira, 11 de maio de 2011

Fúria de Titãs - Kenneth Branagh se rende ao blockbuster com "Thor"


"Henry V", em 1989 e "Hamlet", em 1996. Esses dois filmes resumem bem a carreira de diretor de Kenneth Charles Branagh, britânico nascido na Irlanda do Norte em 1960. Ator clássico formado na Royal Academy of Dramatic Arts, Branagh é considerado um dos mais importantes intérpretes de William Shakespeare da atualidade, tanto no teatro quanto no cinema. Mais voltado para adaptações e personagens do poeta e dramaturgo inglês, poucas vezes ele se rendeu a filmes comerciais. Raras exceções foram em "Harry Potter e a Câmara Secreta" (2002), onde brilhou como o hilário Gilderoy Lockhart - um dos melhores personagens da saga do bruxo - e no pouco assistido "Operação Valquíria" (2009), onde desempenhava um papel tímido porém importante. Isso justifica a grande surpresa quando seu nome foi confirmado no comando de "Thor", adaptação do super-herói nórdico da Marvel para os cinemas.

Desde que se tornou um estúdio de cinema, a Marvel começou a produzir os filmes de seus próprios personagens, e continua arquitetando o pretensioso projeto iniciado com "Homem de Ferro", de 2008: fazer um filme introduzindo cada um dos heróis e depois juntá-los em "Os Vingadores", sobre a equipe dos quadrinhos formada pelo Homem de Ferro, Hulk, Thor e Capitão América, entre outros. O ciclo está quase completo, e o filme sobre o grupo já está confirmado para 2012. Após "Homem de Ferro" e sua sequência (2010), veio "O Incrível Hulk" (2009) - que não alcançou o sucesso esperado, resultando na saída do ator Edward Norton (que será substituído por Mark Ruffalo) - e agora é a vez de "Thor" despontar nos cinemas. O elo entre os filmes se dá pela presença da organização S.H.I.E.L.D., famosa nos quadrinhos, representada pelo agente Phil Coulson (Clark Gregg, em participações cada vez maiores) e pelo misterioso líder Nick Fury (Samuel L. Jackson, em participações cada vez menores), presentes em todos os filmes.
"Capitão América" já está pronto, e o promissor trailer que circula na internet e nos cinemas indica que ele tem tudo para ser melhor que todos os outros, sendo uma luxuosa produção passada durante a II Guerra Mundial.


Mas voltemos a "Thor", que é o foco da vez. Fanático pelo personagem desde a infância, Branagh (à direita na foto acima) viu algo de shakespeariano na história da luta dos herdeiros do trono de Asgard. Quem entende um pouco de mitoligia nórdica conhece a história do Deus Supremo Odin, que deve deixar o reino para um de seus filhos: Thor (Deus do trovão) ou Loki (Deus do fogo, da trapaça e da travessura). Acaba escolhendo Thor por sua força de bravura, mas um incidente entre reinos inimigos põe em evidência a arrogância e prepotência do herdeiro. Como castigo, Odin retira seus poderes e o exila... na Terra. A partir daí o filme acompanha a adaptação do Deus nórdico em nosso planeta, até que ele se mostre digno de usar novamente o mítico martelo Mjolnir, que lhe dá todos os poderes.

Essa premissa é a desculpa para extrair um pouco de humor da história - a cena do pet shop é de fato engraçada -, além de permitir a atração entre Thor e a cientista que o encontra na Terra, vivida pela cada vez mais linda Natalie Portman. Vencedora do Oscar recentemente por sua brilhante atuação em "Cisne Negro", Portman deixou bem claro em várias entrevistas que apenas aceitou fazer a personagem Jane Foster - que nos quadrinhos é uma mera enfermeira, e aqui foi "promovida" a cientista - pela chance de trabalhar com Branagh, um sonho antigo. Com sua tímida - porém eficiente - atuação, podemos observar que nesse projeto ela procurava não apenas entreter o espectador, mas também se divertir um pouco no serviço. Nada mais justo, depois de todo o sofrimento e clima pesado de seu último e aclamado trabalho.


Imortalizado na história do cinema como a assustadora e brilhante persona do canibal Hannibal Lecter, Anthony Hopkins injeta realismo dramático em cenas que parecem tiradas de obras como Rei Lear ou mesmo Macbeth. A seu lado, como ponto positivo do elenco, está Tom Hiddleston no papel de um introspectivo Loki. Melhor ator em cena, Hiddleston (que até fizera o teste para viver Thor) é o único que consegue transpor o provavél tom shakespeariano procurado pelo diretor, sem parecer exagerado ou teatral como seus outros companheiros das cenas passadas em Asgard. Para completar, Kat Dennings, queridinha do público adolescente americano, justifica sua participação como alívio cômico e a sumida Rene Russo faz uma participação simbólica em um papel com menos de dez falas, num exemplo de talento desperdiçado cada vez mais evidente em Hollywood. Vale a pena destacar a meteórica participação de Jeremy Renner (mais conhecido por "Guerra ao Terror", onde foi indicado ao Oscar) como o Gavião Arqueiro, outro herói da Marvel que faz (ou melhor, fará) parte dos Vingadores.

A (infeliz) verdade inconveniente é que Thor não é um personagem carismático, e a atuação de Chris Hemsworth só comprova isso. Não que o australiano tenha feito algo errado - ele inclusive, ironicamente, já tinha experiência prévia em usar um martelo, tendo trabalhado como empreiteiro na Austrália por alguns anos. O ator se esforça e dá o melhor de si, mas mesmo assim ainda falta ao personagem empatia com o público. Thor não é Peter Parker com seus problemas amorosos nem Bruce Wayne com seus problemas emocionais. A ausência do seu alter ego das HQs, o dr. Donald Blake - vetada pelo diretor - faz falta aqui. A preparação do ator, que se dedicou por seis meses a uma rotina de idas frequentes à academia e dieta controlada, resultam em boas sequências de ação. Mas o personagem parece (literalmente) perdido nas cenas dramáticas passadas na Terra.


Apesar da direção segura de Branagh, que consegue inserir seu estilo pessoal em um gênero fechado - sua câmera inclinada é uma presença constante em quase todo o filme - os cenários grandiosos, o figurino exagerado e a trilha sonora triunfante passam a incômoda impressão de que o filme tenta a todo momento ser mais do que de fato é. O intenso uso de efeitos especiais chega até a cansar os olhos, algo imperdoável nesse tipo de produção. A única cena de fato memorável é uma frenética luta no planeta de gelo, que em si não é nada mais do que bem executada, provando que pouco há a ser destacado. A sub-trama envolvendo o embate com Gigantes de Gelo é resolvida de forma corrida, levando a um desfecho repentino que é retomado na cena após os créditos finais, que usa uma desculpa pouco inspirada para forçar uma continuação. E assim, a marca "Marvel" de qualidade se sobrepôe à marca "Branagh".

Assim como a maioria dos filmes de super heróis mais recentes, "Thor" tem uma trama burocrática, pequena dose de romance (que de tão pífia parece obrigatória) e bons efeitos especiais - além da ponta de Stan Lee, criador do personagem, como é de praxe em todos os filmes da Marvel. O grande pecado é não ter um protagonista que consiga sustentar um longa sozinho e suas possíveis continuações, como é o claro exemplo do Tony Stark perfeitamente encarnado por Robert Downey Jr. na franquia "Homem de Ferro". Agora resta saber se Branagh, que provavelmente assumirá a sequência, será mais original em sua próxima abordagem ou cairá (novamente) nos clichês do gênero. O famoso "Ser ou não ser, eis a questão".