terça-feira, 22 de março de 2011

Inteligência Artificial - O atemporal clássico de Fritz Lang, "Metropolis"


O grande salão do Theatro Municipal fica totalmente escuro, dando destaque para um telão onde normalmente fica a orquestra. A música começa discretamente ao fundo, enquanto o filme é nele projetado. A ambientação remete às décadas de 20 e 30, quando ir ao cinema era um programa especial e requintado como é hoje a ida a um concerto. Até a característica música ao vivo estava presente. Impossível não sentir o clima de nostalgia, enquanto o imortal clássico alemão "Metropolis", era exibido a velhos admiradores e a novas gerações da melhor maneira possível. A ótima e inovadora iniciativa foi posta em prática nos dias 21, 22 e 23 do mês de março, com grande e merecida repercussão entre os cariocas.

A publicação dessa matéria uma semana após o evento evidencia que o objetivo do texto não é informar sobre a exibição em si, mas sim mostrar a importância desse filme atemporal e essencial para a história do cinema ( e do homem moderno, de certa forma). Realizado no longíquo ano de 1926 na Alemanha pré-Hitler, esse projeto do brilhante diretor austríaco Fritz Lang era uma direta crítica à exploração do operariado e à disparidade de classes.


A trama em si não é muito complexa: a ação se passa em 2016 e mostra a cidade de Metropolis, que é dividida entre dominadores e dominados até que Freder, o filho do rico Fredersen - o grande mestre de Metropolis - se apaixona pela líder religiosa da "Cidade dos Operários", Maria. Lá, no plano inferior, operários trabalham como escravos para manter a bem-servida decadência de quem mora no plano superior. Fredersen então resolve investir na criação de um robô que receberá as feições dessa jovem, para semear a discórdia entre os trabalhadores. O roteiro assinado por Lang e sua esposa, Thea Von Harbou, também mesclava mitologia nórdica, profecia bíblica, romantismo e sexualidade ao vislumbre apocalíptico do futuro, que se tornou uma das mais célebres ficções científicas da história.

O anterior sucesso de "Os Nibelungos" permitiu ao mestre Fritz Lang(1890-1976) ter plena liberdade em seu novo projeto, uma projeção futurística de um sistema social e político. Lang arquitetou um grandioso projeto que acabou sendo o mais caro feito na Alemanha da época. A UFA - estúdio estatal alemão responsável pelos filmes expressionistas - forneceu um orçamento com o qual poderiam ser feitos 20 (!) filmes normais. O lento retorno financeiro que o filme teve na estréia quase faliu a UFA, mas a fama até hoje mantida prova que seu valor é inestimável.


Mais importante que a história é o modo como ela foi transportada para as telas. O fantástico e inovador legado visual inspirou basicamente todas as ficções científicas posteriores: do clássico Tempos Modernos (1936), passando por Blade Runner - O Caçador de Andróides (1982) até Minority Report - A Nova Lei (2002), todos filmaços de diretores consagrados (Chaplin, Ridley Scott e Steven Spielberg, respectivamente). Os gigantescos arranha-céus da cidade futurista são ainda hoje impressionantes, ainda mais se considerarmos a tecnologia com que foram construídos. O processo de mesclar modelos com o real (herança da formação original de Lang, como arquiteto) criou imagens que não saem da cabeça e que mudaram o jeito de ver cinema. Os aviões voando entre os futuristas edifícios, que foram inspirados no visual da Nova York que o diretor sobrevoara no ano anterior, ainda surpreendem. Sem falar que é desse filme o primeiro robô do cinema, Futura, que inspirou diretamente o C-3PO da saga "Star Wars", também muito pontuada pelo visual de "Metropolis".

Da luta de classe à robotização do futuro, nenhum tema abordado no filme tinha moldado um painel tão desolador do amanhã até então. Além das inovações narrativas, os então inéditos efeitos visuais marcaram o longa. Cenas importantíssimas para a história do cinema estão presentes nessa película: a rápida sequência da Torre de Babel (para a qual mil figurantes tiveram a cabeça raspada), as tomadas que mostram os revoltados operários tomando as ruas como formigas e a delirante dança de Maria (já como um robô) para a alta classe da cidade, intercalada com os delírios macabros de Freder. Mas nada barra as (poucas) cenas envolvendo o robo Futura, principalmente aquelas em que ele ganha as feições de Maria, momento que já entrou para o imaginário popular e cultural.


De todos personagens que desfilam no longa, dois se destacam. O primeiro é o cientista Rotwang, que na caricatural interpretação de Rudolf Klein-Rogge, digna do cinema mudo, acaba se tornando um verdadeiro monstro do grande hall existente no Expressionismo Alemão. E cá entre nós, é a cara do Arnaldo Jabor. O outro personagem é Maria, encarnada pela presença hipnótica de Brigitte Helm(1908-1996), que rouba todo o filme para si. Em cada fotograma que aparece, a atriz de beleza exótica atrai todos os olhares e atenções como um verdadeiro ímã. Sua personagem olha diretamente para a câmera com seus grandes olhos claros - uma inovação para a época - de um jeito que não só intimida os espectadores, mas os faz acreditar estar observando uma pintura (das mais belas).


O longa impressionou tanto Hitler, que Lang foi sondado para fazer filmes propaganda para o nazismo. Isso o levou ao exílio nos Estados Unidos, após realizar sua outra obra-prima: "M - O Vampiro de Dusseldorf" (1931), seu primeiro filme falado. Só retornaria à Alemanha no final da década de 50. Pena é que os 153 minutos originais do filme tenham sido retalhados fora da Alemanha por questões comerciais. Assim, circulam várias versões de diferentes metragens, sendo que poucas ficam à altura da original. O compositor Giorgio Moroder ainda adicionou uma trilha sonora ao filme originalmente mudo em 1984.

Alguns críticos consideram "Metropolis" o filme que melhor representa o Expressionismo Alemão e suas características. O título não é ao todo justo, até por o filme ser ingênuo em muitos de seus aspectos, fugindo da frieza característica de filmes como "O Gabinete do Doutor Galigari" (1919) e "Nosferatu" (1922), esse sim o auge do movimento. O próprio Lang se arrependeu mais tarde de ter resolvido o conflito entre "a cabeça" (os ricos empresários) e "as mãos" (os trabalhadores) com um simples e simbólico aperto de mão ao final do filme. Mas a verdade é que "Metropolis" acabou criando um estilo próprio, onde o visual dos cenários é essencial para o desenrolar da trama. E sua mensagem, de que "o mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração", é certamente genial e atemporal. E os que ovacionaram o filme ao final da exibição no Municipal, sem dúvida entenderam o verdadeiro espetáculo.