sexta-feira, 11 de março de 2011

Entre Lencóis - A história real de "Bruna Surfistinha" gera polêmicas nos cinemas


Polêmica à vista. Ao assistir "Bruna Surfistinha", a clara mensagem que fica na cabeça é a de que a protagonista foi uma garota de programa que, mesmo tendo sido imoral, drogada e...garota de programa, conseguiu ficar famosa a ponto de que fizessem um filme sobre sua vida. Essa imagem de que ela se deu muito bem fazendo coisas "erradas" incomoda bastante. Mas provavelmente é essa a verdadeira idéia por trás do filme. O problema é que poucos perceberão isso.

As críticas e comentários maldosos já começaram quando o diretor Marcus Baldini anunciou que dirigiria uma livre adaptação do livro best-seller "O Doce Veneno do Escorpião" - a história real da prostituta que, assim como a britânica Belle de Jour um ano antes, decidiu usar a partir de 2004 um blog para narrar o seu dia a dia de trabalho, obtendo enorme sucesso e fama com a iniciativa. Mas a atenção geral se voltou mesmo para o projeto após a atriz global Deborah Secco aceitar viver o papel principal.


Após a liberação do primeiro trailer, o grande público já ficou esperando a estréia de uma espécie de filme pornô disfarçado de grande produção. E, passando-se por cima do preconceito inicial e do senso comum equivocado, vemos que o filme trata sim da vida de uma profissional do sexo, e de forma ousada. Mas a palavra é "ousada", não "explícita". A direção de Baldini permite até alguns (poucos, sem dúvida, mas o que vale é a intenção) momentos de lirismo. Esses são pontuados por cenas silenciosas e fora de foco que marcam a película. Não que isso salve o longa ou o torne um filmaço, mas mostra sua busca pela aceitação do público que evidentemente julgaria o filme, assim como antes julgou o livro. Assim como antes julgou Bruna.

A produção já começa embalada pela charmosa e sensual trilha sonora, ao som de "Time of The Season", do The Zombies. Os créditos iniciais permitem que todos entrem de imediato no clima do que vem pela frente. Polêmica à vista. Um dos grandes erros do filme é mostrar pouco da vida da jovem Raquel Pacheco antes de se mudar da casa dos pais adotivos e escolher a profissão que a levaria ao estrelato. Pelo que é mostrado, não dá pra entender os motivos que levaram a garota de boa família a roubar os pais e se mudar sem aviso prévio para uma nova vida.


Deborah Secco, a princípio, não convence muito como adolescente tímida e ingênua, contracenando com atores claramente mais jovens. Mas ao longo do filme, quanto mais a personagem muda, mais natural fica a sua atuação. No fim das contas, fica claro que a atriz se entregou totalmente ao trabalho, e o resultado é uma grande atuação que será um marco em sua carreira. Deborah nunca esteve tão bela quanto aqui. Independente dos personagens diversos que passam pela história, é ela quem leva o filme nas costas. E faz isso bem, justiça seja feita.

O elenco de apoio tem destaques que merecem ser citados. Um discreto Cássio Gabus Mendes marca presença como o cliente que comete o erro de se apaixonar, sendo o responsável pelas cenas mais bonitas do longa. Fabíula Nascimento, uma das maiores ladras de cena do cinema brasileiro, entrega mais uma atuação inspirada e tem alguns momentos do filme só para ela no papel da escandalosa prostituta Janine. Mas o destaque absoluto vai, sem dúvida, para Drica Moraes. A atriz descobriu sofrer de câncer após o término das gravações, mas começou a sentir os efeitos da doença já no set de filmagem. Mesmo assim, achou forças para entregar uma de suas melhores atuações e, no papel da hilária cafetina Larissa, prova que é uma baita atriz, talvez uma das melhores brasileiras em atividade. É dela o melhor personagem da produção.


PS: Atenção para a participação relâmpago do jogador Dentinho, do Corinthians, como um dos clientes de Bruna.

A trama segue a clássica linha narrativa de "origem - subida ao sucesso - topo -fracasso - redenção", sem muito inovar. Pequenas cenas de humor fazem parte da mistura (destaque para as relacionadas à criação do blog), mas a falta de foco no núcleo familiar é uma falha grave que prejudica o resultado final. Os mais conservadores irão reclamar da grande quantidade de cenas de sexo. O fato é que o filme não tem nem muito nem pouco: ele tem cenas "picantes" na quantidade correta para a temática que explora. Se tivesse menos, soaria muito artificial. O cuidado do diretor em abordar o sexo sem passar dos limites torna o filme mais leve do que obras como "Os Sonhadores", obra-prima moderna do polêmico Bernardo Bertolucci. Mas pérolas como "Fiz isso em amor aos meus pais" e "Hoje eu não vou dar, vou distribuir" provam que, por pouco, o caldo não entorna e o filme se perde em seus excessos.

No fim das contas, concluímos que "Bruna Surfistinha" é um filme tão polêmico quanto dispensável. Não é um grande filme, sem dúvida, mas é o tipo que pode facilmente receber nota 6 em uma escala de 0 a 10. Isso o torna, para o bem ou para o mal, acima da média. De qualquer forma, é o mais próximo que os expectadores poderão chegar do dia-a-dia de uma garota de programa nas telonas do cinema brasileiro, sem ter que para isso pagar o programa completo. É apenas o preço de um ingresso. E estudante paga meia.