"La Vie D'Adèle" é o quinto filme do diretor franco-tunísio Abdellatif Kechiche. Depois de obras fortes como "O Segredo do Grão" (2007) e "Vênus Negra" (2010), o diretor chocou alguns críticos e cinéfilos pelo seu retrato bem sincero das descobertas amorosas e sexuais de uma jovem mulher em um filme de 187 minutos - que acabou levando o prêmio máximo de Cannes. O fato de Steven Spielberg - diretor conservador e comercial - ser o presidente do Júri que laureou a ousada obra apenas aumentou ainda mais o inevitável barulho da premiação. Mas vamos aos fatos.
A atriz Léa Sevdoux, rosto já conhecido pelo grande público por participações em filmes como "Bastardos Inglórios" (2009) e "Meia Noite em Paris" (2011), exala talento e segurança na pele de Emma, a artista plástica que ilumina cada fotograma em que aparece com seus cabelos curtos e azulados. É o grande ícone visual do filme, sem dúvida. Mas toda força e brilho que a produção francesa tem vem da incrível relevação chamada Adèle Exarchopoulos. Sim, o nome dela é complicado. E sim, é o mesmo de sua personagem. Adèle tinha apenas 19 anos quando gravou a produção, mas o filme é basicamente focado e debruçado em sua performance. E aí está seu trunfo. Através dela, acompanhamos a completa evolução de sua personagem: de uma jovem estudante indecisa e insegura até uma mulher determinada e segura de si, apesar de insatisfeita. No meio do caminho, lágrimas, prazer, gozo, raiva, dúvida, amor... A vida e seus inevitáveis detalhes. A cada nova ação ou discurso, ela nos apresenta mais nuances e camadas que ajudam a formar sua complexa personalidade. É uma personagem de extrema riqueza que só poderia funcionar e envolver o público de forma genuína se defendida por uma atriz de extrema competência e talento, disposta a mergulhar de corpo e alma no papel. Para a nossa alegria, é o que acontece. Os fãs da "Blue Jasmine" de Cate Blanchett que me perdoem, mas aqui Adèle Exarchopoulos entrega a melhor atuação feminina que vi neste ano de 2013. Sem mais.
Após receber a Palma de Ouro no Festival de Cannes com direito à muita festa e alegria, "La Vie d'Adèle" entrou em uma espécie de inferno particular que dominou a imprensa voltada à indústria do Cinema. A polêmica veio não só por parte do público perplexo com o sexo ou relacionamento lésbico em cena, mas por conflitos entre o diretor e suas musas. Léa declarou em várias ocasiões ter se sentido explorada e maltratada por Kechiche, com quem jurou nunca mais trabalhar. Não demorou muito para que Adéle também relevasse algumas dificuldades e abusos ocorridos durante as gravações. Frustrado com tantas críticas, o diretor chegou a dizer que nunca deveria ter lançado o filme, pois se tratava de uma obra suja. Sentindo-se humilhado por um público que "nunca veria o filme com coração aberto e olhar atento", ele chegou a afirmar que a vitória em Cannes foi um "breve momento de felicidade". Pelos registros e celebrações da época, era realmente difícil imaginar tensões em um time tão realizado e feliz.
A grande questão é que "Azul é a Cor Mais Quente" é maior que qualquer polêmica que o cerca. Até mesmo as já famosas cenas de sexo vão além do puro tabu. Kechiche é um cineasta que sabe transformar em arte aquilo que enquadra. E seus belíssimos enquadramentos geram imagens de incrível sensibilidade e força. Poucos diretores em atividade sabem fazer planos fechados e closes da mesma forma que Kechiche. Com eles, os orgasmos das personagens, suas bocas, cabelos e os desenhos e curvas de seus corpos se tornam incríveis quadros da natureza humana em seu estado mais puro. Mesmo sendo - sem sombra de dúvida - um dos melhores lançamentos do ano, o estilo/ ritmo adotado pelo diretor chegou a ser julgado como "irregular e confuso" por alguns críticos mais conservadores. E aqui fica bastante claro que, tematica e estruturalmente, o maior "pecado" e causa das inúmeras polêmicas geradas pelo filme seja exatamente o fato de ele ser extremamente livre em tudo que propõe e aborda. Mas não seria um de seus principais temas a liberdade em si? Pois é. Abdellatif Kechiche pode se dar o direito de sorrir mais tranquilo e realizado.