segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Intrigas de Estado - "Tropa de Elite 2", a maior bilheteria nacional


Tudo bem que grande parte da polêmica e divulgação que "Tropa de Elite" teve em 2007 se deu pelo filme ter vazado através de cópias piratas, que logo foram vistas por todo o país. Mas, cá entre nós, era de fato um filmaço: uma das melhores produções brasileiras já feitas, imortalizou um anti-herói genuinamente brasileiro, o Capitão Nascimento, caiu no gosto popular e ainda, de quebra, levou o Urso de Ouro de Melhor Filme em Berlim. Isso é pra poucos. Mas eis que o diretor José Padilha e o roteirista Bráulio Mantovani ousaram o mais arriscado: fazer uma continuação. Eles não só a fizeram, como conseguiram fazê-la superior à primeira parte.

Se no primeiro filme o foco estava nos aspirantes a soldados do BOPE, Neto (Caio Junqueira) e Mathias (André Ramiro), aqui é o Capitão Roberto Nascimento que assume as rédeas da história, toda focada em sua pessoa. Nada mais justo, já que o personagem-narrador já roubara todas atenções para seu personagem antes. E aqui, em "Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro", Mathias é mero coadjuvante. Acompanhamos Nascimento, agora Sub-Secretário de Segurança do Rio de Janeiro, mais maduro, estratégico e solitário. Separado da mulher e com uma problemática relação com seu filho adolescente, o personagem magistralmente interpretado por Wagner Moura se mostra muito mais humano nesse filme.


A estrutura narrativa desse longa é bem fragmentada, mas acaba formando um eficiente painel de fatos que facilita a compreensão e o envolvimento dos muitos personagens na trama, que dessa vez é focada na ação das milícias nas favelas da cidade. É um assunto polêmico e sério, mostrado de forma crua e fria na tela. Chega a ser brutal a violência mostrada ao longo dos 116 minutos de projeção. Brutal, mas não exagerada ou fictícia. O envolvimento de policiais e políticos denunciados pelo filme é muito próximo da realidade. O grande inimigo, como o título ja adianta, não é mais o tráfico de drogas, e sim o sistema nacional que o permite.

No elenco, quase todos do filme original voltam a fazer seus personagens, como é o caso do já citado Ramiro, com o agora capitão do BOPE Mathias, e de Mihem Cortaz, ainda roubando cenas com seu engraçado e corrupto Fábio. Irandhir Santos desempenha um excelente trabalho como o defensor dos direitos humanos Diogo Fraga, muito bem elaborado para o longa. Mas o destaque absoluto vai para Sandro Rocha, que desempenha o papel do traiçoeiro e violento Russo, responsável pelas milícias. Apesar de já ter feito uma ponta com o mesmo personagem no filme anterior, é aqui que Rocha tem espaço para, com seu misto de cinismo, frieza e agressividade, despertar fúria e ódio em qualquer espectador, em um papel que pode deixá-lo marcado no cinema nacional. André Mattos está hilário no papel do apresentador sensacionalista Fortunato, que logo vira deputado federal, em um personagem muito inspirado na figura do apresentador (e também deputado, olha que coisa) Wagner Montes. Vale ainda lembrar que o cantor Seu Jorge faz uma rápida participação no começo do filme, mas sinceramente, não é nada memorável...


Não faltam cenas e falas memoráveis ao longa, que devia ter sido o indicado brasileiro para concorrer ao Oscar ano que vem. Até porque, cá entre nós, tem muito mais chances de ganhar do que "Lula, o Filho do Brasil", escolhido (por motivos óbvios) pela Secretaria de Cultura para ser o nosso representante. Mas a grande cena que merece ficar latente na memória de todos que assistirem ao filme é aquela em que Nascimento resolve combater o sistema, ao qual agora estava inserido, com as próprias mãos. Não à toa, é o momento em que aplausos rompem a escuridão em plena sala de cinema, uma cena tão urgente e bem executada que por si só já valia um Oscar para Moura e outro para Padilha.

Com menos cenas focadas na ação imediata das forças de ataque do BOPE, temos aqui um redirecionamento do ambiente para os gabinetes políticos dos governadores e chefes de Estado, mostrando sua direta ligação com o tráfico. Ao mostrar esses contatos, o filme faz uma denúncia quase direta do que acontece no Rio e no Brasil, realmente apenas mudando o nome dos envolvidos. É um verdadeiro soco na cara da política brasileira, um ato de imensa coragem do diretor e dos envolvidos na realização. Um filme que deve por isso ser visto por todos, o que tem acontecido até agora, visto que em 2 semanas já tinha passado a barreira dos 2 milhões de expectadores, se tornando recorde de público na Retomada. Quem gostou do primeiro, vai simplesmente amar esse.


Antes de ser a sequência de um filme de grande sucesso, "Tropa de Elite 2" é um verdadeiro manifesto daqueles e para aqueles que acreditam que, com denúncias como essa, o país pode sim reconhecer seus erros e mudar. Ao final da projeção, ao som de "O Calibre", dos Paralamas do Sucesso, a sensação de impotência e impunidade é grande e incômoda. E é exatamente esse sentimento que o diretor e sua equipe buscam despertar em cada um de nós, a fim de promover alguma mudança através de seu cinema. Mais triste, entretanto, é saber que não existe um Capitão Nascimento para nos salvar.

sábado, 2 de outubro de 2010

Crepúsculo dos Deuses: Arthur Penn (1922-2010) e Tony Curtis (1925-2010)

Após a morte de Dennis Hopper, eis que o tempo leva mais dois grandes símbolos de Hollywood, com a morte do diretor Arthur Penn no último dia 28 de setembro sendo logo seguida da do ator Tony Curtis, no dia 30. Mas você, caro leitor, deve estar se perguntando: "Quem são esses caras? NUNCA ouvi falar deles!". Sinceramente, duvido muito.


Para os que não reconhecem o nome de Arthur Penn, nada mais justo do que lembrá-lo pelo filme que o deixará imortalizado na história do cinema: "Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas", que em 1967 simplesmente mudou o jeito de se fazer filmes em Hollywood. A história real do casal de bandidos (vividos com intensa paixão por Faye Dunaway e Warren Beatty, respectivamente) que com sua gangue levou terror e medo ao interior dos EUA nos anos 1930 ganhou um tratamento inovador para a época, com grande violência visual e realismo. Além disso, se destacou por mostrar essa dupla de ladrões como pessoas inocentes sem rumo na vida, sem o então esperado rótulo de "malvados" ou "mal exemplo". Uma obra-prima inquestionável.

A partir do estilo inaugurado com esse filme, no final dos anos 70, o cinema de Hollywood foi tomado por diretores e atores com o mesmo ponto de vista rebelde, como o também falecido e antes citado Hopper, na famosa geração "sexo, drogas e rockn'roll" que gerou obras-primas como "Sem Destino", "Taxi Driver" e "O Poderoso Chefão". Sem esse primeiro e arriscado passo de Arthur Penn, isso não seria possível.


Mesmo sendo sempre ligado apenas a essa produção, Penn fez outros grandes filmes, como "Pequeno Grande Homem"(1970), com Dustin Hoffman, e "Caçada Humana"(1966), com Marlon Brando e Robert Redford. O seu jeito de interagir com os atores, permitindo que eles se envolvessem totalmente no processo de criação dos personagens e na história, fez com que ele fosse muito querido por todos que tiveram a sorte de trabalhar com ele. Apesar disso, a ousadia nos temas e abordagens de seus filmes fez com que os grandes estúdios o deixassem de lado, o que o levou a realizar seus últimos trabalhos para a TV. Morreu um dia depois de completar 88 anos, mas não antes de ser agraciado em 2007 no Festival de Berlim, onde recebeu o Urso de Ouro Honorário por sua contribuição ao cinema. Uma homenagem tardia, mas muito mais que merecida.


Já Tony Curtis, cujo verdadeiro nome era Bernard Schwatz, ficou marcado como um dos grandes galãs da Era de Ouro de Hollywood, nos anos 50. E até a última quinta-feira, era um dos poucos ainda vivos.


Mais famoso por papéis cômicos, o auge de sua carreira foi e sempre será o filme "Quanto Mais Quente Melhor", comédia do diretor Billy Wilder que é considerada pela Academia das Artes Cinematográficas como a melhor já feita. E é de fato muito engraçada essa produção de 1956, que trazia Curtis e o grande Jack Lemmon encarnando dois amigos músicos que, após testemunhar um massacre entre mafiosos, são obrigados a se disfarçar de mulheres de um grupo de música para fugir dos vilões. Esse foi também o último grande trabalho do mito Marilyn Monroe, que já tinha sua beleza um pouco desgastada pelo vício em remédios e bebidas. Após uma cena romântica com a atriz, ele chegou a dizer para a imprensa que "Beija-la era como beijar Hitler", declaração quer causou polêmica. Incrível ver que mesmo tendo mais de 50 anos, o longa se mantém engraçado, com piadas um tanto ousadas ligadas à sexualidade, que escandalizaram na época e ainda hoje provocam gargalhadas.

Após se imortalizar nesse filme, Curtis foi indicado ao Oscar em 1958 pela magnífica atuação no filme "Acorrentados". Sua versatilidade e talento ainda puderam ser vistos em produções como "Spartacus" e "O Homem que Odiava as Mulheres". Na TV, fez sucesso ao lado de Roger Moore (terceiro ator a encarnar o agente 007, principalmente na década de 70) na série "The Persuaders", como um agente secreto playboy.

Com o tempo, sua carreira entrou em declínio por sérios problemas com álcool e cocaína, e seu sucesso nunca mais foi o mesmo. O ator foi casado 6 vezes, tendo sido o casamento mais famoso o que teve com a atriz Janet Leigh, imortalizada por seu papel em "Psicose", de Alfred Hitchcock, no qual era morta no chuveiro. Com ela, o ator teve uma filha que herdou o talento de ambos: Jamie Lee Curtis, famosa pela série "Hallowen" e por filmes como "Um peixe chamado Wanda" e o mais recente "Sexta feira muito louca".


Sumido das telas por um bom tempo, a última grande homenagem ao ator fora um episódio especial da série "CSI: Las Vegas" dirigido pelo grande Quentin Tarantino em 2005. Apesar da saúde já frágil por problemas cardíacos, o ator lançara ano passado uma autobiografia chamada "American Prince". Foi-se aos 85 anos, já sem o brilho dos velhos tempos. Mas a imagem que ficará na memória é a do jovem galã de voz grave e cabelo negro cintilante que, sem muito esforço, divertia e comovia seus fãs.

Enfim, dois gigantes dos tempos áureos de Hollywood que agora nos deixam, para ficarem para sempre na história do cinema.