terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A Um Passo da Eternidade - Eastwood volta a focar na morte em "Além da Vida"


Ao assistir "Gran Torino", em 2008, não só eu, mas muitos outros cinéfilos concordaram que aquele tinha tudo para ser o último filme de Clint Eastwood. Era a chave de ouro que encerraria de forma perfeita a filmografia do grande ator e diretor, encarnação do durão Dirty Harry, o "Perseguidor Implacável". Mas pelo que se viu até agora, aquela foi apenas a despedida da frente das câmeras, pois o trabalho atrás delas continua a todo vapor. E depois de lançar o pouco inspirado "Invictus" em 2009, Eastwood volta a falar sobre a morte e a consequência dela na vida das pessoas, temas antes vistos em "Gran Torino" e no filmaço de 2003 "Sobre Meninos e Lobos", no belo "Além da Vida" (Hereafter, no original).

A trama evolui através de três segmentos distintos: o primeiro é focado na vida de uma jornalista francesa que sofre uma experiência de "quase morte", que a faz ter uma visão do que haveria no pós-vida. A segunda história é a dos irmãos gêmeos, filhos de mãe alcoólatra, que são tragicamente separados por um acidente. E a terceira, mais trabalhada e envolvente, é focada no ex-vidente que tenta levar uma vida normal apesar do seu dom (ou, segundo o próprio, maldição) de se comunicar com os mortos ao tocar nas mãos de algum parente do falecido. Obviamente que o roteiro encontra um modo de cruzar os três personagens lá pro final da projeção.


A comparação e relação com o "cinema espiritual", que tomou o Brasil com sucessos como "Bezerra de Menezes", "Chico Xavier" e "Nosso Lar", é inevitável. Mas ao contrário do que muitos possam pensar, o espiritismo não conquistou Hollywood. Aqui, a abordagem é outra, e em nenhum momento há panfletagem ou defesa de valores de determinada religião. O filme de Eastwood é, mais uma vez, sobre pessoas e experiências de vida (extraordinárias ou trágicas) pelas quais passam. Tudo com o olhar sereno e tranquilo de alguém que deixa a câmera simplesmente captar a emoção dos atores.

E dá-lhe emoção. Com esse filme, Matt Damon prova definitivamente que é um dos atores mais talentosos de sua geração, o que já podia ser deduzido depois de seus elogiados trabalhos em produções como "O Talentoso Ripley"(1999) e "Os Infiltrados"(2006). Seu amargurado e contraído personagem, George Lonegan, é um dos mais interessantes de sua carreira, provando a facilidade do ator em viver indivíduos com segredos no passado, sendo o maior exemplo disso o protagonista da "Trilogia Bourne", o grande papel de sua carreira.

Cécile De France, o outro grande nome do elenco, se apresenta bem à vontade em uma produção americana. As cenas que envolvem a atriz francesa (e que se passam na França), são faladas em francês, o que pode surpreender aqueles que forem esperando um produto clássico de Hollywood, onde europeus e asiáticos falam inglês normalmente. A língua original do país retratado é um detalhe que Eastwood sempre respeita em seus filmes, como visto anteriormente no ótimo "Cartas de Ivo Jima"(2006), todo falado em japonês. Um detalhe que faz toda a diferença e dá maior credibilidade à história. Os gêmeos Georgie e Frankie McLaren fazem os irmãos citados. No papel de Marcus, que tem mais tempo em cena, eles por vezes parecem bonecos, pela falta de expressão e falas. Mas nas cenas que exigem maior carga emocional, eles convencem de maneira tão eficiente que podem levar muitos às lágrimas.


A sempre linda Bryce Dallas Howard, filha do premiado diretor Ron Howard (de "Uma Mente Brilhante" e "Frost/Nixon"), engrandece a tela por alguns minutos com sua beleza no papel da animada jovem que é atraída pelo ar misterioso do personagem de Damon. Steve Schirripa, mais conhecido pelo papel de Bobby Baccalieri na genial série "Família Soprano", faz uma divertida participação especial como o professor do curso de culinária que acaba aproximando os dois. Mas o que deve surpreender parte do público mais velho é a presença de Jay Mohr, eterno coadjuvante galãzinho que aparece aqui bem envelhecido no papel do irmão interesseiro e aproveitador.


A mídia internacional fez questão de destacar uma cena do filme, com toda a razão. Logo no início da película, a personagem de De France é surpreendida por um Tsunami gigantesco na Tailândia, onde passava suas férias. As águas destroem todo o lugar, e daí vem a situação de "quase-morte" vivida pela personagem. As imagens são aterrorizantes e absurdamente realistas. O desespero toma conta das salas de cinema nos cerca de cinco minutos de cena. E esses cinco minutos conseguem ser melhores do que o filme "2012" inteiro, com suas quase três horas de duração. É Eastwood mostrando que os efeitos visuais podem ser (muito bem) usados para contar uma história, sem fazê-la dependente deles. E claro, tem muito a ver com a presença de um certo Steven Spielberg na produção...

No topo de seus 81 anos, Clint Eastwood prova que, junto com Martin Scorsese, é um dos melhores diretores americanos em atividade. Costura sua história de maneira simples e eficiente, sem permitir que o espectador perca o interesse em seus personagens, alternando pequenas cenas de humor com situações extremamente dramáticas. Isso tudo sem demonstrar cansaço, uma vez que já está envolvido em um novo projeto cinematográfico: a história do excêntrico fundador do FBI, J. Edgar, a ser vivido pelo astro Leonardo DiCaprio. Tem tudo pra ser mais um filmaço dirigido pelo homem que já foi escavador de piscinas e frentista antes de ser descoberto pelo diretor Sergio Leone (que lhe deu o papel de pistoleiro sem nome dos westerns que marcaram sua carreira), que prova cada vez mais que seu amor pelo cinema vai além da vida.