terça-feira, 12 de julho de 2011

De Volta Para o Futuro - Woody Allen é pura nostalgia em "Meia Noite em Paris"


Antes tarde do que nunca, falemos do novo filme de Woody Allen. Demorei um pouco para publicar esse comentário pois estava me recuperando da viagem que fiz à França. Viagem curta - de cerca de 100 minutos -, mas nem por isso menos agradável. Essa viagem tem um nome: "Meia Noite em Paris", o filme mais falado do momento, um verdadeiro tributo à capital mundial do amor, que nos faz lembrar porque vamos ao cinema. Explico.

Mesmo não estando entre meus cineastas favoritos, Allan Stewart Königsberg - mais conhecido mundialmente como Woody Allen - sempre foi uma inspiração, principalmente por nos últimos 20 anos manter a tradição de lançar um filme por ano. Entre pontos altos e baixos, suas produções se mantém acima da média, provando seu talento para retratar histórias aparentemente simples e ordinárias de maneira leve e envolvente. Cada nova estréia é um evento, e o aposto "Um Filme de Woody Allen" engrandece qualquer produção. Originalmente conhecido como "o cineasta de Nova York", por situar lá a grande maioria de seus filmes, o diretor tem mudado a locação para países europeus nas últimas produções.


Depois de 4 filmes na Inglaterra - "Match Point"(2005), "Scoop"(2006), "O Sonho de Cassandra"(2007) e "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos"(2010) - e um na Espanha ("Vicky Cristinna Barcelona"(2008)), a escolhida da vez é a França e sua apaixonante Paris. E com essa nova produção, Allen prova que é um dos diretores que melhor sabem usar cenários reais em suas histórias. Desde já entrego que a capital francesa foi a mais bem homenageada em um filme seu até agora, perdendo apenas - obviamente - para a "Big Apple" americana. O início do filme parece - à princípio - uma propaganda publicitária de agência de viagem, com várias imagens de Paris sendo jogadas aos nossos olhos. Mas as imagens não focam os pontos mais conhecidos, e sim as pequenas ruas e detalhes que dão a verdadeira beleza retrô à cidade. Assim, após quase 5 minutos apenas vendo essas imagens, os créditos finalmente aparecem, e pronto, a platéia já foi transportada para Paris.

A trama é apresentada já na primeira cena, de forma bem simples e direta. O protagonista, como era de se esperar, é mais um possível alter-ego do diretor-roteirista: um escritor fracassado que ganha a vida escrevendo roteiros (considerados por ele mesmo medíocres) para Hoolywood - provavelmente, uma irônica autocrítica de Allen, que com seus 76 aninhos precisa escolher um ator mais novo para interpretá-lo. O escolhido da vez foi Owen Wilson, que - admito - surpreende. Acostumado ao papel de amigo chato e sem noção em comédias (a maioria em parceria com Ben Stiller), aqui Wilson encarna perfeitamente a persona de Allen, e não é exagero dizer que é seu melhor papel - pelo menos até aqui. Seu jeito de andar e falar são idênticos aos do diretor, o que prova que foi uma escolha mais do que certa para o papel. Acompanhando Wilson em cena está a deslumbrante Rachel McAdams, que se torna cada vez mais - merecidamente - a nova queridinha de Hollywood, após mostrar que não é apenas um rostinho (muito) bonito em produções como "Diário de Uma Paixão"(2004) e "Uma Manhã Gloriosa(2010). Aqui, ela está deliciosamente insuportável como a mimada namorada do protagonista, com quem ele pretende casar mesmo não havendo futuro algum na relação.


O personagem de Wilson, Gil Pender, vai à Paris com a namorada e os pais dela, aproveitando a viagem a negócios do sogro para buscar inspiração na cidade antes frequentada por seus ídolos. Essa é a mística Paris da década de 20 e 30, considerada então o centro do mundo artístico - e onde a boêmia falava mais alto. Igualmente apaixonado por essa época, Allen sabia que a única maneira de vivenciá-la - tanto ele quanto os espectadores - seria através de um filme. E é nisso que se resume o longa: uma viagem à considerada "Época de Ouro", aos bons e velhos tempos já citados. É isso que ele inexplicavelmente propõe a seu personagem, que é transportado para décadas atrás por uma carruagem de época, que surge em uma ruela parisiense. Não há porque entender: trata-se da magia do cinema em ação.

Mas simplesmente voltar às décadas de 20 e 30 não teria a mesma graça se não fossem os personagens que cruzam o caminho do protagonista. E o cineasta, culto como todos os fãs sabem que ele é, atira referências e citações para todos os lados. O grande barato durante o filme é tentar identificar as personalidades que cruzam o caminho do maravilhado Pender. E são muitas: estão lá o escritor F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston, elogiado pela participação em "Thor") e sua esposa, a histérica Zelda Fitzgerald (Alison Pill), o famoso cantor Cole Porter(Yves Heck), o instável escritor Ernest Hemingway (autor de "O Velho e o Mar, entre outros, vivido hilariamente por Corey Stoll), a escritora e poeta Gertrude Stein (Kathy Bates),o cineasta Luis Buñuel (Adrien de Van), o pintor Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo)... só para citar os mais marcantes, pois a lista é verdadeiramente interminável. Melhor é observar o inspirado trabalho de seleção de elenco, pois cada um dos ilustres famosos são representados na tela à sua imagem e semelhança, idênticos às personalidades reais - basta uma rápida pesquisa ao Google para ter certeza. Destaque maior vai para Adrien Brody , ator mais famoso (se comparado aos demais) e até já ganhador do Oscar - por "O Pianista" (2002), que desaparece na figura do pintor surrealista Salvador Dali. Mesmo com participação muito pequena, ele captura a essência do excêntrico pintor, transmitindo-a de forma muito bem humorada. E não é que ele ficou bem parecido com Dali?


É claro que já conhecer previamente as pessoas citadas ajuda a entender algumas sutilezas do filme, como é o caso, por exemplo, da piada envolvendo o filme "O Anjo Exterminador" (para os cinéfilos de plantão) - é impagável ver o futuro diretor Buñuel, ao ouvir a sugestão de Gil, com a mesma expressão de dúvida que ficariam os espectadores de seu filme mais tarde -, e as reflexões do beberrão Hemingway. O grande segredo do filme é acerca de Adriana, personagem de Marion Cotillard, que se envolve com todos esses personagens e é o que acaba trazendo Gil de volta para o futuro. É na misteriosa cena em que os dois, já na década de 30, voltam à 1890, para a Belle Époque francesa (sim, uma volta no tempo dentro de outra volta no tempo), que Gil entende sua fascinação pelo que ele considera a "Época de Ouro", assim como a necessidade de voltar para sua realidade. Seria tudo aquilo uma grande epifania do escritor por visitar o lugar que tanto idealizava? Se visto dessa maneira, a personagem de Cottilard poderia ser considerada um estopim para que ele não ficasse preso em um passado idealizado e pudesse avançar para um futuro ainda em construção. Seria o próprio Woody Allen se livrando de seus ídolos do passado e garantindo seu próprio lugar no panteão de gênios contemporâneos.

Tudo funciona bem no filme, principalmente o elenco - que ainda conta com um inspirado e pedante Michael Sheen e uma discreta participação da primeira-dama Carla Bruni - e a trilha sonora, embalada por românticas músicas (principalmente as de Cole Porter). Em certo momento do filme, Gil diz claramente que nenhum quadro, livro ou forma de arte consegue retratar fielmente a complexidade de um lugar, substituindo a sensação de estar nele. Allen sabe que não consegue mostrar tudo de Paris com seu filme. Mas consegue estimular qualquer um que o assiste a visitar a cidade. Ou, pelo menos, a voltar ao cinema para se deliciar com a melhor produção que deu as caras por lá em 2011 - pelo menos, até agora.


Basicamente, tudo isso prova que "Meia Noite em Paris" é um filme para ser visto e revisto. O que, verdadeiramente, não é sacrifício nenhum, já que poucas vezes Allen fez algo tão leve e divertido. Muitos dizem que o diretor repete aqui o que já havia feito em "A Rosa Púrpura do Cairo"(1985). Discordo intensamente. A nova produção é um sopro de originalidade - muito bem vindo, aliás - na carreira do diretor, que já está produzinho seu novo longa - dessa vez na Itália, com o nome "Bop Decameron". Pelo visto, o tour de Woody Allen pela Europa está longe de acabar. Fica a esperança do diretor ainda passar pelo Brasil. Que brasileiro não gostaria de ver um "Meio Dia no Rio" ? Fica a dica.