
Antes tarde do que nunca, falemos do novo filme de Woody Allen. Demorei um pouco para publicar esse comentário pois estava me recuperando da viagem que fiz à França. Viagem curta - de cerca de 100 minutos -, mas nem por isso menos agradável. Essa viagem tem um nome: "Meia Noite em Paris", o filme mais falado do momento, um verdadeiro tributo à capital mundial do amor, que nos faz lembrar porque vamos ao cinema. Explico.
Mesmo não estando entre meus cineastas favoritos, Allan Stewart Königsberg - mais conhecido mundialmente como Woody Allen - sempre foi uma inspiração, principalmente por nos últimos 20 anos manter a tradição de lançar um filme por ano. Entre pontos altos e baixos, suas produções se mantém acima da média, provando seu talento para retratar histórias aparentemente simples e ordinárias de maneira leve e envolvente. Cada nova estréia é um evento, e o aposto "Um Filme de Woody Allen" engrandece qualquer produção. Originalmente conhecido como "o cineasta de Nova York", por situar lá a grande maioria de seus filmes, o diretor tem mudado a locação para países europeus nas últimas produções.

Depois de 4 filmes na Inglaterra - "Match Point"(2005), "Scoop"(2006), "O Sonho de Cassandra"(2007) e "Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos"(2010) - e um na Espanha ("Vicky Cristinna Barcelona"(2008)), a escolhida da vez é a França e sua apaixonante Paris. E com essa nova produção, Allen prova que é um dos diretores que melhor sabem usar cenários reais em suas histórias. Desde já entrego que a capital francesa foi a mais bem homenageada em um filme seu até agora, perdendo apenas - obviamente - para a "Big Apple" americana. O início do filme parece - à princípio - uma propaganda publicitária de agência de viagem, com várias imagens de Paris sendo jogadas aos nossos olhos. Mas as imagens não focam os pontos mais conhecidos, e sim as pequenas ruas e detalhes que dão a verdadeira beleza retrô à cidade. Assim, após quase 5 minutos apenas vendo essas imagens, os créditos finalmente aparecem, e pronto, a platéia já foi transportada para Paris.
A trama é apresentada já na primeira cena, de forma bem simples e direta. O protagonista, como era de se esperar, é mais um possível alter-ego do diretor-roteirista: um escritor fracassado que ganha a vida escrevendo roteiros (considerados por ele mesmo medíocres) para Hoolywood - provavelmente, uma irônica autocrítica de Allen, que com seus 76 aninhos precisa escolher um ator mais novo para interpretá-lo. O escolhido da vez foi Owen Wilson, que - admito - surpreende. Acostumado ao papel de amigo chato e sem noção em comédias (a maioria em parceria com Ben Stiller), aqui Wilson encarna perfeitamente a persona de Allen, e não é exagero dizer que é seu melhor papel - pelo menos até aqui. Seu jeito de andar e falar são idênticos aos do diretor, o que prova que foi uma escolha mais do que certa para o papel. Acompanhando Wilson em cena está a deslumbrante Rachel McAdams, que se torna cada vez mais - merecidamente - a nova queridinha de Hollywood, após mostrar que não é apenas um rostinho (muito) bonito em produções como "Diário de Uma Paixão"(2004) e "Uma Manhã Gloriosa(2010). Aqui, ela está deliciosamente insuportável como a mimada namorada do protagonista, com quem ele pretende casar mesmo não havendo futuro algum na relação.

O personagem de Wilson, Gil Pender, vai à Paris com a namorada e os pais dela, aproveitando a viagem a negócios do sogro para buscar inspiração na cidade antes frequentada por seus ídolos. Essa é a mística Paris da década de 20 e 30, considerada então o centro do mundo artístico - e onde a boêmia falava mais alto. Igualmente apaixonado por essa época, Allen sabia que a única maneira de vivenciá-la - tanto ele quanto os espectadores - seria através de um filme. E é nisso que se resume o longa: uma viagem à considerada "Época de Ouro", aos bons e velhos tempos já citados. É isso que ele inexplicavelmente propõe a seu personagem, que é transportado para décadas atrás por uma carruagem de época, que surge em uma ruela parisiense. Não há porque entender: trata-se da magia do cinema em ação.
Mas simplesmente voltar às décadas de 20 e 30 não teria a mesma graça se não fossem os personagens que cruzam o caminho do protagonista. E o cineasta, culto como todos os fãs sabem que ele é, atira referências e citações para todos os lados. O grande barato durante o filme é tentar identificar as personalidades que cruzam o caminho do maravilhado Pender. E são muitas: estão lá o escritor F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston, elogiado pela participação em "Thor") e sua esposa, a histérica Zelda Fitzgerald (Alison Pill), o famoso cantor Cole Porter(Yves Heck), o instável escritor Ernest Hemingway (autor de "O Velho e o Mar, entre outros, vivido hilariamente por Corey Stoll), a escritora e poeta Gertrude Stein (Kathy Bates),o cineasta Luis Buñuel (Adrien de Van), o pintor Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo)... só para citar os mais marcantes, pois a lista é verdadeiramente interminável. Melhor é observar o inspirado trabalho de seleção de elenco, pois cada um dos ilustres famosos são representados na tela à sua imagem e semelhança, idênticos às personalidades reais - basta uma rápida pesquisa ao Google para ter certeza. Destaque maior vai para Adrien Brody , ator mais famoso (se comparado aos demais) e até já ganhador do Oscar - por "O Pianista" (2002), que desaparece na figura do pintor surrealista Salvador Dali. Mesmo com participação muito pequena, ele captura a essência do excêntrico pintor, transmitindo-a de forma muito bem humorada. E não é que ele ficou bem parecido com Dali?

É claro que já conhecer previamente as pessoas citadas ajuda a entender algumas sutilezas do filme, como é o caso, por exemplo, da piada envolvendo o filme "O Anjo Exterminador" (para os cinéfilos de plantão) - é impagável ver o futuro diretor Buñuel, ao ouvir a sugestão de Gil, com a mesma expressão de dúvida que ficariam os espectadores de seu filme mais tarde -, e as reflexões do beberrão Hemingway. O grande segredo do filme é acerca de Adriana, personagem de Marion Cotillard, que se envolve com todos esses personagens e é o que acaba trazendo Gil de volta para o futuro. É na misteriosa cena em que os dois, já na década de 30, voltam à 1890, para a Belle Époque francesa (sim, uma volta no tempo dentro de outra volta no tempo), que Gil entende sua fascinação pelo que ele considera a "Época de Ouro", assim como a necessidade de voltar para sua realidade. Seria tudo aquilo uma grande epifania do escritor por visitar o lugar que tanto idealizava? Se visto dessa maneira, a personagem de Cottilard poderia ser considerada um estopim para que ele não ficasse preso em um passado idealizado e pudesse avançar para um futuro ainda em construção. Seria o próprio Woody Allen se livrando de seus ídolos do passado e garantindo seu próprio lugar no panteão de gênios contemporâneos.
Tudo funciona bem no filme, principalmente o elenco - que ainda conta com um inspirado e pedante Michael Sheen e uma discreta participação da primeira-dama Carla Bruni - e a trilha sonora, embalada por românticas músicas (principalmente as de Cole Porter). Em certo momento do filme, Gil diz claramente que nenhum quadro, livro ou forma de arte consegue retratar fielmente a complexidade de um lugar, substituindo a sensação de estar nele. Allen sabe que não consegue mostrar tudo de Paris com seu filme. Mas consegue estimular qualquer um que o assiste a visitar a cidade. Ou, pelo menos, a voltar ao cinema para se deliciar com a melhor produção que deu as caras por lá em 2011 - pelo menos, até agora.

Basicamente, tudo isso prova que "Meia Noite em Paris" é um filme para ser visto e revisto. O que, verdadeiramente, não é sacrifício nenhum, já que poucas vezes Allen fez algo tão leve e divertido. Muitos dizem que o diretor repete aqui o que já havia feito em "A Rosa Púrpura do Cairo"(1985). Discordo intensamente. A nova produção é um sopro de originalidade - muito bem vindo, aliás - na carreira do diretor, que já está produzinho seu novo longa - dessa vez na Itália, com o nome "Bop Decameron". Pelo visto, o tour de Woody Allen pela Europa está longe de acabar. Fica a esperança do diretor ainda passar pelo Brasil. Que brasileiro não gostaria de ver um "Meio Dia no Rio" ? Fica a dica.